sábado, 12 de maio de 2012
OS ÚLTIMOS DIAS DE ROLAND BARTHES
Na sequência do post anterior, debruçamo-nos hoje sobre o livro de Hervé Algalarrondo (escritor e jornalista, redactor em chefe adjunto do Nouvel Observateur), publicado em 2006, Les derniers jours de Roland B., que, para o efeito, relemos.
Também esta não é, propriamente, uma obra sobre os últimos dias do Mestre, embora contemple a fase final da sua vida, tal como o livro de Christian Gury que, reclamando-se dos primeiros dias, abrange igualmente o percurso literário e pessoal de Barthes. Em Algalarrondo, encontramos especialmente um olhar atento sobre o quotidiano do escritor, o seu emprego do tempo, a sua atracção pelos rapazes (por todos conhecida, mas que se converteu numa permanente obsessão com o passar do tempo), a ideia até ao fim alimentada de escrever uma obra sobre Proust. Hervé Algalarrondo, que conheceu Barthes e recolheu junto dos seus amigos e conhecidos os elementos indispensáveis ao notável fresco que traça no seu livro, dá-nos uma imagem mais nítida e autêntica do que aquela que normalmente temos do famoso semiólogo. E ao eleger como um dos temas preferidos do livro a sexualidade do Mestre, faz-nos compreender muitas das suas atitudes, das suas contradições, da sua carreira intelectual, das suas "manias" e da "tristeza" da sua vida.
Na impossibilidade de resumir um livro tão rico, parece-nos interessante transcrever alguns parágrafos de Algalarrondo.
Assim, a págs. 39, escreve: «Comme c'est la règle depuis qu'il a franchi la cinquantaine, le maître s'est entiché d'un élève. Aux États-Unis, aujourd'hui, il serait pousuivi devant la justice pour abus d'autorité; dans un livre récent, Philip Roth explique qu'il attend la fin de l'année universitaire pour draguer ses étudiantes. Dans la France des années 1979, ces précautions n'avaient pas lieu d'être.». Passagem elucidativa da moralidade hipócrita dos americanos, como ainda recentemente se verificou com o caso Dominique Strauss-Kahn. Aliás, os wasp's, na melhor (diríamos, na pior) tradição dos seus antepassados, pretendem enfiar Deus e a religião na vida privada tornada pública, enquanto se entregam a todos os "vícios" na verdadeira privacidade de uma vida íntima imperscrutável. A hipocrisia em todo o seu esplendor.
Ainda na mesma página: «Ses amis disaient, en s'esclaffant: "Avec Roland, l'amant a droit a un dîner chez Lasserre, le garçon convoité à un whisky au Harris Bar, l'hétéro à une bière au Bonaparte, et une femme à un café sur le zinc."».
Na página 70, sobre a sociedade de consumo, já nessa época: «Avec Éric, ils vont faire les courses. Au casino d'Anglet, près de Bayonne, le 22 juillet: "Nous avons tout à coup la certitude que les gens achètent n'importe quoi, ce que je fais moi-même. Évidence devant un chariot que passe superbement devant nous comme une calèche qu'il n'y a aucune necessité à acheter la pizza sous cellophane qui s'y prélasse". Puis il va, plus il s'intéresse à "la vie dans sa ténuité", comme il disait.».
A págs. 129: «En 1909, quand il se lance dans la Recherche, Proust a trente-huit ans. Lui va en avoir soixante-trois: "Ce qu'[il] me reste à vivre ne sera jamais la moitié de ce que [j'aurais] vécu." Il entame une lutte contre le temps: vivra-t-il assez longtemps pour mener cette reconversion à son terme? "Il arrive un temps où les jours sont comptés: on se savait mortel, on se sent mortel."».
A págs. 149: «Jean-Paul Enthoven se souvient d'aphorismes qui faisaient la joie de son convive: "La psychanalyse est une maladie qui se prend pour un remède." Ou encore: "Le diable est bien optimiste s'il croit qu'il peut rendre les hommes plus mauvais qu'ils ne le sont." Jean-Paul Enthoven voit dans le maitre la "réincarnation de Gide, la bonté en plus: même goût des apparences licites, même folie sensuelle. Il s'esclaffait quand je lui rappelais ce mot de Gide à un adolescent arabe lors d'un séjour au Maghreb: tu as fait l'amour avec un grand écrivain français."».
A págs. 161: «Roland a encore un an à vivre. Selon Sollers, il "n'en pouvait plus. Tout l'ennuyait, le fatiguai de plus en plus, le dégoûtait. Les demandes des uns, les supplications des autres". Il ne vise pas sa propre revendication d'un livre à sa gloire, mais la "niaiserie dépendante des garçons exigeant sans cesse d'être assistés, maternés, pistonnés... Pour quelques instants agréables (et encore), quel prix à payer... Téléphones, lettres, démarches...". "On couchait avec Barthes pour avoir une préface", confirme un ancien directeur littéraire. "À ce jeu de la résignation, il était devenu une sorte de saint malgré lui", conclut Sollers.».
Na página 215, há uma referência aos contactos do Mestre com as diversas camadas sociais. «Roland gagne le Flore, muni des Pensées de Pascal et de son cigare. Un gigolo brun vient s'asseoir à sa table, un Marseillais, "très peuple", qui a "du mal à s'exprimer". Enfermé dans son cercle d'intellectuels, le maître n'avait de contact avec le peuple qu'a travers deux canaux: Urt ( aldeia do país basco francês onde Barthes e a mãe tinham a sua casa de campo) et les gigolos. Ce Marseillais "est dans la merde: je le sens cafardeux; il sort de l'armée, n'a pas de logement, va d'un copain à l'autre". Roland a envie de s'entendre dire qu'il n'est pas totalement repoussant, mais son interlocuteur a "le discours typique du gigolo: chaque fois que j'insiste pour lui faire dire qu'il est vraiment prêt à coucher avec moi, il répond: Je suis libre".».
O Mestre regista num diário (Agosto a Setembro de 1979), Soirées de Paris (mais tarde incluído num opúsculo Incidents, 1987) as suas venturas e desventuras amorosas. Este livro, que se encontra editado em português, inclui outros textos, todos sobre o seu relacionamento homossexual, incluindo a permanência em Marrocos. Destas Soirées, Algalarrondo refere (pág. 220): «Il suffit au maître de dîner avec une femme pour ne rien avoir à raconter. Sa notule du 7 septembre est la plus courte de ces Soirées de Paris. Il a pourtant retrouvé à La Palette, près de l'Odéon, une amie proche, Violette, la femme d'Edgar Morin. Violette l'a aidé à trouver une aide-soignante pour veiller mam, quand celle-ci ne pouvait plus rester seule. Mais, de ce dîner à La Palette, Roland ne retient que la présence d'un Noir, "seul, sobre, silencieux". Il prolonge la soirée au Flore, "ingrat". Un type, "quelque peu avorton", l'importune: "Très difficile de lire son journal tranquille", se plaint-il. Encore plus difficile de tenir un journal tranquille: à chaque ligne, le malheur transpire.». Um pequeno lapso do autor: o jantar com Violette foi a 8 e não a 7 de Setembro.
Muito haveria a extrair de Les derniers jours de Roland B., cuja leitura se aconselha aos barthesianos e não só. As citações a que procedemos não são mais do que exemplos do riquíssimo conteúdo do livro.
Apenas uma nota final. Barthes é atropelado a 25 de Fevereiro de 1980, após um almoço com François Mitterrand, então primeiro-secretário do Partido Socialista. O repasto fora organizado por Jack Lang, que já nessa altura se ocupava do pelouro cultural dos socialistas. Não em casa deste, porque o seu apartamento era pequeno para o efeito (havia uma dúzia de convivas), mas no Marais, em casa de um dos seus amigos, Philippe Serre, cristão de esquerda, um dos oitenta parlamentares a ter recusado plenos poderes a Pétain. Presentes, o historiador Jacques Berque, o então director da Ópera de Paris, Rolf Liebermann, a actriz Danièle Delorme, provavelmente Lionel Jospin. Não é possível reconstituir a lista completa dos participantes. Barthes aceitou o convite contrariado, e foi contrariado ao almoço, já que o estilo de conversa destas ocasiões era das coisas que francamente detestava. Por isso, ninguém se lembra de ter ouvido a sua voz. Acabado o almoço, dirigiu-se a pé para o Collège de France, a fim de regular um pormenor técnico para uma projecção no seminário que ia encetar sobre "Proust et la photographie". Ao atravessar a Rue des Écoles, em frente à venerável instituição, o Mestre é atropelado por uma camioneta, como referimos no post anterior. Num primeiro momento, ninguém sabe de quem se trata, porque não são encontrados documentos, caso estranho já que Barthes nunca saía de casa sem o cartão de identidade e a agenda. Os polícias apenas encontram o seu cartão do Collège, ao qual se dirigem, já que o acidente se registara frente ao mesmo. Parece que é o próprio Michel Foucault quem vem pessoalmente constatar que o acidentado é realmente Roland Barthes. Crê-se que, na confusão, alguém tenha roubado os seus papéis e o relógio, enquanto jazia por terra.
O que fora um desastre à partida sem consequências graves, acabou por transformar-se num acidente mortal. Muito se tem escrito sobre o caso e Philippe Sollers e Julia Kristeva referiram-se ao facto, respectivamente, em Femmes e Les Samouraïs.
Afinal, o melhor testemunho sobre o fim da vida de Roland Barthes é Roland Barthes, ele-mesmo.
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