Henrique Raposo escreveu hoje no EXPRESSO online o seguinte:
Portugal apoia anti-semitas?
I. Na sua última edição, o Expresso noticiou o seguinte: o governo está a pensar em demitir Manuel Maria Carrilho do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO. Isto porque Carrilho - contrariando as indicações deste governo - recusou votar em Farouk Hosni para o cargo de director-geral da UNESCO.
II. Vamos por partes. Manuel Maria Carrilho fez muito bem em recusar apoiar Farouk Hosni. Ou seja, fez muito bem em recusar seguir as indicações do governo. Porque Hosni é um conhecido anti-semita. É uma vergonha para a ONU ter um homem como Hosni à frente da UNESCO. É uma vergonha para Portugal ter um governo que apoia a nomeação de Hosni . E é um orgulho para Portugal ter alguém como Carrilho a criticar - nem que seja de forma passiva - a nomeação de Hosni.
III. É, no mínimo, vergonhoso que o governo de Portugal demita Manuel Maria Carrilho por causa disto. Os negócios com a Líbia e demais Estados anti-semitas não permitem tudo, meus caros José Sócrates e Luís Amado. Há limites. Uma coisa é fazer negócios com ditaduras. Uma coisa que toda a gente faz. Outra coisa, bem diferente, é esta bajulação torpe das posições anti-semitas da malta com quem Vossas Excelências fazem negócios. Se Manuel Maria Carrilho for demitido, muita coisa terá de ser explicada. Portugal, meus caros, não pode apoiar, activa ou passivamente, pessoas ou Estados anti-semitas.
IV. Para terminar, não se percebem estas viagens de negócios feitas por Amado e Sócrates (Venezuela, Líbia, etc.). Uma democracia não corteja assim regimes ditatoriais. Os negócios devem ficar com os empresários, e não com os políticos. Lá fora, tal como cá dentro, José Sócrates prossegue na sua política de promiscuidade entre política e negócios.
Trata-se de uma notícia incorrecta, pois, ao contrário do que escreve Raposo, Hosny não foi eleito director-geral da UNESCO. Embora o voto português (através do nº 2 de Portugal junto da UNESCO, devido à recusa de Carrilho) recaísse em Hosny, foi eleito outro candidato, a ex-embaixadora em França e actual representante da Bulgária na UNESCO, Irina Bukova.
Henrique Raposo mistura depois votações, negócios, bajulações, promiscuidade, ditaduras, anti-semitismo, etc. Da forma como a notícia está escrita, poderemos perguntar-nos também se Henrique Raposo não estará ao serviço do sionismo internacional?
* * * * *
Transcrevo, a propósito, o que escrevi num comentário a um post publicado no blogue "Portugal dos Pequeninos", em 23 de Setembro passado:
Faruq Hosny não é propriamente um primata no sentido em que a palavra foi aqui utilizada.
Pelo contrário, é um homem muito civilizado, pintor de reconhecidos méritos, que exerce desde 1987 o cargo de ministro da Cultura do Egipto.
Deve-se-lhe o grande desenvolvimento da actividade da nova Ópera do Cairo, construída após o incêndio do anterior edifício, mandado erguer por Ismaïl Pacha, a reconstrução e reabertura da Ópera de Alexandria (o Teatro Sayyed Darwich), a criação da Companhia de Bailado (clássico e moderno) da Ópera do Cairo, a criação da Orquestra Nacional, a reabilitação do imenso património do Velho Cairo (desde os Fatimidas), a construção (em curso) do novo Museu Egípcio (para substituir o anterior muito degradado) junto às pirâmides de Gizeh, a criação do novo Museu da Civilização (construção em curso), o apoio às pesquisas sempre em curso relativamente ao Egipto Faraónico, o apoio precioso às actividades da Biblioteca de Alexandria, etc., etc.
Tem assumido posições muito heterodoxas na sociedade egípcia, nomeadamente quando criticou o uso do véu nas mulheres, que considerou coisa retrógrada, o que lhe valeu as críticas mais acerbas dos sectores islamistas.
Proferiu mais recentemente algumas declarações polémicas relativamente aos livros israelitas (não judeus) que desejaria ver queimados nas bibliotecas egípcias. Foram declarações infelizes (não conheço nem o texto nem o contexto em que foram proferidas), pois é condenável tudo o que aluda à queima de livros, sejam eles quais forem.
Acontece que Faruq Hosny é homossexual, condição que é do conhecimento público em todo o Egipto. Por isso, os sectores fundamentalistas não perdem ocasião de o criticar e de pedir a sua demissão. São inúmeras e sistemáticas as referências à sua orientação sexual na imprensa egípcia, umas veladas, outras claras e só a protecção do presidente Mubarak (e de sua mulher Suzanne) o tem segurado no lugar.
Admito, assim, que por vezes possa emitir alguns juízos menos serenos na tentativa de dar satisfação aos seus mais ferozes inimigos. Consta-me, aliás, que se retratou das infelizes declarações que proferiu.
Confesso que também não percebo a posição de Carrilho. Em primeiro lugar as votações para estes lugares são decisão governamental e não compete ao embaixador ter estados de alma. Depois, sendo Carrilho um homem inteligente, ou quis fazer um número, ou então ignora quem é Faruq Hosny, o que não me causa admiração, já que a cultura de Carrilho se alicerça fundamentalmente na Herança Ocidental.
Gostaria que o autor do post corrigisse a designação que atribuiu a uma figura tão estimável e que tanto tem contribuído para a elevação do nível cultural dos egípcios e para a salvaguarda do património egípcio e mundial.
Pelo contrário, é um homem muito civilizado, pintor de reconhecidos méritos, que exerce desde 1987 o cargo de ministro da Cultura do Egipto.
Deve-se-lhe o grande desenvolvimento da actividade da nova Ópera do Cairo, construída após o incêndio do anterior edifício, mandado erguer por Ismaïl Pacha, a reconstrução e reabertura da Ópera de Alexandria (o Teatro Sayyed Darwich), a criação da Companhia de Bailado (clássico e moderno) da Ópera do Cairo, a criação da Orquestra Nacional, a reabilitação do imenso património do Velho Cairo (desde os Fatimidas), a construção (em curso) do novo Museu Egípcio (para substituir o anterior muito degradado) junto às pirâmides de Gizeh, a criação do novo Museu da Civilização (construção em curso), o apoio às pesquisas sempre em curso relativamente ao Egipto Faraónico, o apoio precioso às actividades da Biblioteca de Alexandria, etc., etc.
Tem assumido posições muito heterodoxas na sociedade egípcia, nomeadamente quando criticou o uso do véu nas mulheres, que considerou coisa retrógrada, o que lhe valeu as críticas mais acerbas dos sectores islamistas.
Proferiu mais recentemente algumas declarações polémicas relativamente aos livros israelitas (não judeus) que desejaria ver queimados nas bibliotecas egípcias. Foram declarações infelizes (não conheço nem o texto nem o contexto em que foram proferidas), pois é condenável tudo o que aluda à queima de livros, sejam eles quais forem.
Acontece que Faruq Hosny é homossexual, condição que é do conhecimento público em todo o Egipto. Por isso, os sectores fundamentalistas não perdem ocasião de o criticar e de pedir a sua demissão. São inúmeras e sistemáticas as referências à sua orientação sexual na imprensa egípcia, umas veladas, outras claras e só a protecção do presidente Mubarak (e de sua mulher Suzanne) o tem segurado no lugar.
Admito, assim, que por vezes possa emitir alguns juízos menos serenos na tentativa de dar satisfação aos seus mais ferozes inimigos. Consta-me, aliás, que se retratou das infelizes declarações que proferiu.
Confesso que também não percebo a posição de Carrilho. Em primeiro lugar as votações para estes lugares são decisão governamental e não compete ao embaixador ter estados de alma. Depois, sendo Carrilho um homem inteligente, ou quis fazer um número, ou então ignora quem é Faruq Hosny, o que não me causa admiração, já que a cultura de Carrilho se alicerça fundamentalmente na Herança Ocidental.
Gostaria que o autor do post corrigisse a designação que atribuiu a uma figura tão estimável e que tanto tem contribuído para a elevação do nível cultural dos egípcios e para a salvaguarda do património egípcio e mundial.
Corrigiu-me outro comentador, versado na matéria, dizendo que a eleição do director-geral não compete ao embaixador de Portugal (e dos outros países) na UNESCO enquanto tal, mas ao embaixador, a título pessoal, enquanto membro do Conselho Executivo da UNESCO. É uma distinção que me parece demasiado artificiosa, mas registo o facto.
Ignoro se a situação verificada com o embaixador português ocorreu com embaixadores de quaisquer outros países, mas isso agora também não interessa.
Considero Manuel Maria Carrilho um homem de cultura e de acção, o que por vezes não coincide na mesma pessoa (mérito dele), reconheço que foi um bom ministro da Cultura em Portugal, mas também não posso abstrair do facto que é o seu gosto pela assunção de posições polémicas. Também não sei se, em termos estritamente diplomáticos, a posição que adoptou justifica a substituição.
Mas anoto que, nos dias que correm, todas as ocasiões são boas para acusar terceiros (como faz Henrique Raposo) de anti-semitismo! Algo de estranho se passa, talvez alguma má consciência de quem pensa que a melhor defesa é o ataque.
4 comentários:
Quem dera que todos os intelectuais egípcios fossem como Hosny. Ele tem sido um baluarte contra o fundamentalismo.É por isso mesmo que é atacado na imprensa egípcia e no Médio Oriente.
Por ser gay, Faruq Hosny é alvo dos ataques dos fundalentalistas islâmicos egípcios. Parece que esses fundamentalistas também gostam dos putos que frequentam as madrassas (as escolas corânicas) mas isso passa-se tudo dentro da Religião Muçulmana, como acontece com os "abusos" na Igreja Católica. Por isso, Hosny é um alvo fácil a abater, até porque tem a cobertura do presidente Mubarak que os fundamentalistas odeiam.
Acabe-se lá com os ataques por causa das orientações sexuais que têm fodido as religiões ao longo dos séculos, e que nem Cristo nem Maomé condenaram!!! O resto são tretas e frustrações de quem não tem coragem de fazer o que gostaria. Estamos conversados.
Pode ser gay (nem sabia) e pode ser contra o véu. Não pode é dizer que queimaria livros (judeus ou israelitas, qual a diferença?). Ou pode. Mas nunca poderia ser director da unesco.
PARA ANA CRISTINA LEONARDO:
Livros judeus ou livros israelitas, não é precisamente a mesma coisa. Entende-se por livros israelitas os que são publicados dentro do Estado de Israel, fazendo a maior parte das vezes a apologia deste Estado que pratica, como é do conhecimento geral, uma política de expansão sionista.
Claro que sou contrário a que se queimem quaisquer livros, desde os mais fanaticamente sionistas, aos exemplares do Corão que um pastor protestante, cujo nome não me ocorre citar, pretendia incinerar no aniversário do 11 de Setembro, ou quaisquer outros.
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