sábado, 30 de janeiro de 2010

BLAIR (CONTINUAÇÃO)



PUBLICADO NO "PÚBLICO" DE ONTEM

Era grande a expectativa para ouvir Blair explicar as contradições surgidas nas últimas semanas de audições, tanto sobre a legalidade do conflito como sobre as suspeitas de que as informações recolhidas pelas secretas foram “apimentadas” para justificar a guerra. Mas o ex-primeiro-ministro não cedeu um milímetro e mostrou ter poucas dúvidas de que fez o correcto, mesmo que nem tudo tenha corrido como planeado. “Saddam era um monstro e acredito que ele representava uma ameaça não apenas para a região, mas para o mundo”, afirmou no final das seis horas de audição.

Disse, além disso, que o mundo seria mais perigoso, se Saddam não tivesse sido derrubado em 2003. “Com o barril de petróleo não a 25 mas a 100 dólares, ele teria tido a vontade e os meios financeiros [para reconstruir o arsenal] e nós teríamos perdido a coragem”, explicou Blair, ainda o dia de audições ia a meio. E hoje “o Iraque estaria a competir com o Irão”, tanto na corrida ao nuclear “como no apoio aos grupos terroristas”.

Não houve pacto secreto

Blair – que de manhã evitou as centenas de manifestantes que o esperavam à porta, entrando mais cedo e por um portão traseiro do centro de conferências – começou por negar que tenha feito um “pacto secreto” com George W. Bush, quando visitou o seu rancho no Texas, na Primavera de 2002. A suspeita foi lançada pelo ex-embaixador em Washington Christopher Meyer, que disse ter sido acordado nessa cimeira o derrube de Saddam Hussein. As armas de destruição maciça, garantiu o diplomata, foram justificação encontrada pelos dois países para justificar a invasão.

“O que eu lhe disse – em público e não em privado – foi que estaria com ele a confrontar a ameaça que Saddam representava.” A forma como isso seria feito, afirmou Blair, “ficou em aberto”.

Londres pretendia o apoio do Conselho de Segurança da ONU para desarmar o Iraque, mas se a via diplomática falhasse e “fosse necessário recorrer à acção militar, [Londres estaria] ao seu lado”. “Não queria que a América sentisse não ter outra opção que não a de avançar sozinha.”

Semanas após a invasão, os militares concluíram que o ditador iraquiano não escondia qualquer arma química ou biológica. Mas, ignorando as reticências já reveladas por antigos responsáveis das secretas, Blair insistiu hoje que todas as informações disponíveis até Março de 2003 indicavam o contrário: “Teriam sido precisas provas muito fortes para pôr em causa esse facto.”

E se até aos atentados de 11 de Setembro a estratégia britânica era a da “contenção”, a partir daí o país não podia “arriscar” que os terroristas se apoderassem dos arsenais dos Estados párias”: “Irão, Líbia, Coreia do Norte. Tudo isto tinha que acabar.”

A comissão de inquérito quis então saber por que foi escolhido o Iraque se, como o próprio Blair admitiu, Londres nunca acreditou que Bagdad tivesse ligações à Al-Qaeda. Ao contrário de outros, respondeu Blair, Saddam já tinha usado armas químicas contra civis e “há mais de dez anos que violava as resoluções” que exigiam o seu desarmamento.

Legalidade duvidosa

Nervoso ao entrar na sala – os jornalistas notaram que as mãos lhe tremiam quando abriu a garrafa de água colocada na mesa –, Blair recuperou rapidamente a confiança e, por vezes, pareceu conduzir a sessão. Goravam-se, assim, as expectativas dos que esperavam ver o ex-primeiro-ministro “em julgamento”.

Esteve menos seguro quando o painel o questionou sobre as bases legais da invasão. Em sua opinião, a Resolução 1441, aprovada em Novembro de 2002, “era suficiente” para dar cobertura às acções militares, ainda que fosse “preferível do ponto de vista político” chegar a um novo consenso na ONU.

Mas Blair admitiu que esta não era a opinião do attorney-general e que Peter Goldsmith só mudou de posição depois de ter ficado claro que não seria aprovada uma nova resolução. Mas negou qualquer pressão sobre aquele que era o conselheiro legal do Governo e garantiu que se, ele “não tivesse encontrado uma justificação legal”, os militares britânicos não teriam avançado para o Iraque.

Ao longo das seis horas, o ex-primeiro-ministro admitiu falhas – o exército de Saddam não deveria ter sido desmantelado e a coligação não previu que o Irão e a Al-Qaeda iriam desestabilizar o país no pós-invasão. Mas nunca pediu desculpas.

“Sinto uma enorme responsabilidade e não há um dia em que não pense [nos custos da guerra].” “Mas não lamento ter derrubado Saddam”, disse já no final. “[E hoje] olho para o Iraque com um imenso orgulho.” Da assistência alguém gritou “mentiroso” e “assassino”, mas para Blair o dia estava terminado.
Sem um sinal de arrependimento.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pelo menos o autor do blogue poderia reconhecer que temos aqui um exemplo de uma democracia (autêntica,da Bayer) em funcionamento. Pensa que nos seus tão aparentemente estimados regimes de democracias orgânicas, populares ou teocráticas,seria possível um semelhante inquérito? De um modo geral,nessas folclóricas "democracias" ou se está no poder,ou na fossa(tambem autêntica)...