Sábado, Dezembro 05, 2009
A sociologia do eloquente Valdemar
A Academia Nacional de Belas‑Artes quis homenagear Manoel de Oliveira e, para tal, organizou uma cerimónia com a presença de José‑Augusto França e António Valdemar. Este último, que ostenta o título pomposo de presidente da Academia, não encontrou melhor para dizer, referindo‑se ao realizador de Vale Abraão, do que qualificá‑lo como «um dos raros portuenses universais». Numa penada (com imenso talento para o feito, diga‑se), o bom do Valdemar reduziu Oliveira a espécime raro, a algo como um sobrevivente de uma raça de bárbaros, a alguém que conseguiu escapar do atroz destino de ignorância, mesquinhez e trevas a que estaria condenado pela sua tão impura origem. O grande Valdemar poderia antes ter feito uma pequena investigação sobre a freguesia em que nasceu Oliveira, podendo assim dizer que se tratava mesmo do único não‑sei‑quê universal. Para o iluminado Valdemar, o que está em causa em Oliveira não é a qualidade da sua obra, mas esse facto tão singelo, tão inexplicável para ele –– o sapiente Valdemar, o civilizado Valdemar ––, que consiste na existência de uma obra universal (como ele a qualifica) provinda de uma terra de pelintras (civilizacionalmente falando, claro). Para o vidente (culturalmente falando, claro) Valdemar, tudo se reduz a uma luta contra as raízes, a um combate contra essa prisão para onde a sua sociologia de pacotilha, lida à pressa nos positivistas do século XIX (onde o pobre do Valdemar ainda vive, ideologicamente falando, claro), não deixa de o remeter. Pouco faltou, afinal, para que o ilustre presidente da Academia se tivesse dirigido a Oliveira dizendo‑lhe que estava com muito boa cara.
Transcrevo o post publicado no blogue "Da Literatura" acerca da homenagem prestada a Manoel de Oliveira pela Academia Nacional de Belas Artes, em que António Valdemar fez o elogio do cineasta. Não conheço o discurso de Valdemar e li apenas as referências de João Paulo Sousa. Mas parece-me que a imagem que ilustra o post, a de Júlio Dantas, tem por objectivo comparar a prosa de Valdemar à de Dantas, com o propósito de a ambos achincalhar. Não conheço a obra de Sousa, pois dele nada li, mas conheço a de Dantas. Também sei que é de bom tom menorizar ou mesmo ridicularizar a obra de Dantas. Isso acontece especialmente por parte de quem nunca o leu ou não tem entendimento para o compreender e apreciar. Se António Valdemar, no seu papel académico, se assemelha a Dantas, é só motivo para o cumprimentar. E creio bem que João Paulo Sousa, mesmo que o quisesse, jamais chegaria aos calcanhares de Júlio Dantas.
4 comentários:
«Nem a frase sutil,
nem o duelo sangrento...
É o amor coração,
é o amor sofrimento.
Uma lágrima... Um beijo...
Uns sinos a tocar…
Um parzinho que ajoelha
e que vai casar.
Tão simples tudo!
Amor, que de rosas se inflora:
Em sendo triste canta,
em sendo alegre chora!
O amor simplicidade,
o amor delicadeza...
Ai, como sabe amar,
a gente portuguesa!
Tecer de sol um beijo, e,
desde tenra idade,
Ir nesse beijo unindo o amor
com a amizade,
Numa ternura casta
e numa estima sã,
Sem saber distinguir entre
a noiva e a irmã...
Fazer vibrar o amor em
cordas misteriosas,
Como se em comunhão se
entendessem as rosas,
Como se todo o amor fosse
um amor somente...
Ai, como é diferente!
Ai, como é diferente!»
Do grande Júlio Dantas.
Quanto a não ter lido nada do que escrevi, não é exacto, visto que já leu, pelo menos, uma entrada do blogue (e será sinal de que já sabe ler); mas, se quiser, pode enviar-me uma morada do Médio Oriente, que terei muito gosto em libertá-lo desse estado de ignorância. Cumprimentos (e morra o Dantas, claro).
Quem é João Paulo Sousa?
PARA JOÃO PAULO SOUSA:
Regozijo-me não só porque leu Dantas mas porque o cita. E "A Ceia dos Cardeais" é uma magnífica peça da nossa literatura. Se quiser dar-se ao trabalho, poderá ler o que sobre ele escrevi, neste blogue, no passado mês de Maio.
Retribuo os cumprimentos mas não compartilho do "morra o Dantas". Continuo a achar que o Almada, que ainda conheci pessoalmente, e que foi um grande artista, não teve razão, a não ser por exibicionismo, de ter invectivado o Dantas como o fez. Aliás tal publicidade acabou por aproveitar também ao Dantas. É a vida.
João Paulo Sousa, naturalmente, não passa de um ignorante da literatura portuguesa.
Paulo Júnior
Mestre em Literatura Europeia
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