quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

HISTÓRIAS DE TAXISTAS




Finalmente traduzido para inglês e francês, Taxi, de Khaled Al-Khamissi, foi publicado originalmente em árabe (Egipto) com o título Taxi, hawâdit al-machâwîr (Taxi, conversas pelo caminho) , em 2007. Relata o autor 58 conversas com taxistas do Cairo, durante os mais variados percursos na cidade, durante o período Abril 2005/Março 2006, quando o presidente Hosni Mubarak, se preparava para garantir um quinto mandato. Escritas em dialecto egípcio, com elevado sentido de humor, estas conversas, reconstituídas, quando não inventadas, decorrem em simultâneo da criação literária e de um trabalho de campo. E incidem sobre aspectos diversos da vida social, económica e política do país, como é habitual entre os profissionais da classe. Perpassam no livro as dificuldades quotidianas da maioria da população, a corrupção a todos os níveis, a brutalidade dos serviços de segurança, as incontáveis humilhações sofridas em silêncio pelas classes mais desfavorecidas, as devastações provocadas pelo capitalismo selvagem.

Existem no Cairo 80.000 táxis para cerca de 20 milhões de habitantes e cerca de 250.000 em todo o Egipto, que conta com uma população de 80 milhões, ainda que os dados demográficos sejam estimados, dadas as reais dificuldades de determinar números com absoluta precisão. A maior parte dos táxis é alugada ao dia aos motoristas pelos proprietários das viaturas, os taxímetros são meramente decorativos e o preço das corridas fica ao critério dos utentes, desde que não seja considerado demasiado baixo pelos condutores. Por isso, é aconselhável combinar o preço com estes antes de se iniciar o percurso, e tratando-se de estrangeiros é mesmo um imperativo, pois pode ser pedida uma importância ou outra dez vezes superior.

Nascido no Cairo em 1962, Khaled Al-Khamissi é produtor, realizador e jornalista. Diplomado em ciências políticas pela universidade do Cairo e em relações internacionais pela Sorbonne, Taxi é o seu primeiro livro, cuja versão original esgotou cem mil exemplares e se encontra também traduzido em espanhol, italiano e grego. A sua segunda obra, Safînat Nûh (A Arca de Noé) está prestes a ser publicada.

Taxi é um livro de leitura INDISPENSÁVEL, especialmente para quem conhece o Egipto, mas não só.

6 comentários:

Anónimo disse...

Pelo que tenho ouvido dizer,o livro é curioso,mas destinado sobretudo para os fans do Egipto actual,e mais especificamente do Cairo.Não sei se constituirão um grande mercado na nossa terra,de modo que não deve aparecer tradução.Tambem,quando pensamos na qualidade da maioria das nossas traduções...
Mas o "Taxi" pode ter outro interesse para nós,que é o de mostrar como um país pode ir funcionando no meio de corrupção e incompetência por todos admitida e comentada. A história dos cintos de segurança,primeiro taxados como objectos de luxo,e depois obrigatórios mas sem funcionarem, é exemplar nesse aspecto,mas mais preocupante é a opinião do taxista que acha que gastar dinheiro com a educação dos filhos é um disparate,pois mesmo formados nunca arranjarão emprego decente,e o melhor será poupar para lhes arranjar um negociozito quando forem crescidos. Os paralelismos possiveis com ideias que tambem se ouvem por cá,dão que pensar.Serão os cairotas tão diferentes dos lisboetas? Afinal talvez se justifique a tradução...
Não deixo tambem de notar a grande liberdade de crítica social e política que o livrinho ilustra,embora não se exagere. Já tinha dado por isso no "Prédio Yacoubian",tanto no livro como no filme, e só fica bem às autoridades aceitar um clima social em que a crítica e o humor políticos são permitidos,muito mais do que seriam na tenebrosa teocracia iraniana,ou até em países do Golfo onde o Yacoubian foi proibido. O que será o post-Mubarak,veremos,mas infelizmente a sensatez e o bom senso nem sempre triunfam.E os "Irmãos Muçulmanos" espreitam e aguardam a sua hora...
E já que estamos no Egipto,chamaria a atenção do autor do blogue para a reportagem na "Visão" desta semana sobre um filme sobre Hipácia e a Bibliteca de Alexandria,assim como para a edição de mais uma obra nostálgica sobre Alexandria do Olivier Poivre d'Arvor. Boas leituras!

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 11:51:

Registo o seu comentário, embora a liberdade de crítica social e política não seja tudo. A corrupção que mina o Egipto, como o livro bem descreve, e a situação precária em que vive a população tornaram-se endémicas. Só o post-Mubarak nos poderá esclarecer quanto ao futuro.

Comprei o livro de Poivre d'Arvor, "Alexandrie Bazar", logo que foi publicado.

Como não adquiro a "Visão" agradeço que me indique o nome do filme relativo a Hipácia, sobre a qual tenho um bom livro de Arnulf Zitelmann: "Hypatia".

Anónimo disse...

1)O filme que dá pelo nome de "Ágora" é de Alejandro Almenábar("Mar Adentro",etc.)e estreou em vários cinemas da capital e arredores. Vem reportado e criticado tambem na Ypsilon de hoje. Alexandria é recriada em Malta,terra que oferece grandes facilidades cinematográficas. Duvido que seja de grande fidelidade às fontes coevas,pois coloca Hipátia/Hipácia como bibliotecária, e a seita cristã que a executa como incendiários da Biblioteca,o que parece ser uma invenção do divulgador científico Carl Sagan há alguns anos,sem qualquer apoio histórico. Mas indubitavelmente terá sido uma mulher notável,astrónoma,matemática,filósofa neo-platónica,etc. Até figura na "Escola de Atenas" do Rafael,obra que o autor do blogue certamente admira.
2)Cumprimentos pela prontidão da aquisição do Arvor,publicado em Setembro.
3)Quanto ao Egipto,embora como como qualquer pessoa de bem defenda a ausência de corrupção,prefiro uma sociedade com alguma,e liberdade para a denunciar,criticar,e exprimir outras ideias,do que um país percorrido pelas "brigadas da prevenção do vício e promoção da moralidade",que de resto acabam por esconder corrupções mais graves,incitam à dissimulação,e coarctam o desvio da norma política e social. E,afinal,é no Egipto que têm decorrido as últimas negociações germano-palestino-israelitas,que podem ou não (vale a pena tentar mais uma vez) ajudar a um princípio de caminho para uma solução palestina,com a troca Shalit/Barghuti. Ao menos não se acusará o Sr.Mubarak de não tentar...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

A filósofa Hipácia foi a última bibliotecária de Alexandria. Refiro-me à Biblioteca Filha, no lugar do Serapeum, cujos vestígios ainda subsistem. A Grande Biblioteca, cujo lugar é hoje desconhecido, estaria na altura já arruinada, ou quase.

O cristianismo triunfara no Império Romano e em 391 o imperador Teodósio mandara destruir todos os templos pagãos da cidade. Então, uma multidão enfurecida de cristãos fanáticos, comandada pelo patriarca Teófilo, destruiu a Biblioteca Filha e assassinou Hipácia. No lugar da Biblioteca foi construída uma igreja, que já não existe.

Anónimo disse...

Não pretendendo rivalizar com a erudição egiptológica do autor,gostaria que revisse as suas fontes. A data que conheço como atribuida para a morte de Hipácia é 415. Sendo assim,nessa altura já o Serapeum,"campus" de ensino neo-platónico,investigação,e albergando a tal "biblioteca filha" tinha sido destruido por iniciativa do bispo Teófilo em 391.Mas mesmo nessa altura,os livros já teriam desaparecido(talvez levados para Constantinopla) pois Ammianus Marcelinus,que escreve em 378 já refere a ausência dos livros. E repito que não parece haver fonte segura para apresentar Hipácia como "bibliotecária".Matemática,astrónoma,neo-platónica,tudo bem,mas bibliotecária? Quanto à morte da ilustre senhora,as primeiras fontes conhecidas mencionam a sua eventual participação em intrigas entre o prefeito Orestes e o bispo como causa da ira popular. No século XIX e seguintes ter-se-á romanceado a história. E acrescentaria que o "triunfo do Cristianismo" não foi instantâneo,longe disso,o ensino do neo-platonismo só foi totalmente extinto já por Justiniano. E depois do Imperador Teodósio ainda veio o Julião o Apóstata,etc. Mas como não estamos a dissertar em Academia,fico-me por aqui,pronto a ser mais esclarecido pelo egiptólogo autor deste singular blogue.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 2:14:

Para a história da Biblioteca um dos livros mais consultados é "Vie et destin de l'ancienne Bibliothèque d'Alexandrie", do prof. Mostafa El-Abbadi, catedrático da Universidade de Alexandria, ainda vivo e que tive o prazer de conhecer pessoalmente.

O Serapeum e a Biblioteca Filha foram destruídos em 391 pelo patriarca Teófilo (385-412) e seus sequazes.

É costume considerar-se Hipácia como a última "bibliotecária", embora Théon, seu pai e bibliotecário, tivesse sobrevivido à destruição do Serapeum, segundo algumas fontes.

Há quem aponte a morte de Hipácia como tendo ocorrido nessa data. Outros preferem 415, como Michael Deakin no seu livro "Hypatia of Alexandria", quando o Patriarca era já Cirilo.

Esta matéria é do maior interesse e penso, quando tiver tempo, publicar sobre ela alguns textos.