terça-feira, 29 de dezembro de 2009

ACORDO ORTOGRÁFICO II

APELO

Aproximando-se o dia 1 de Janeiro, data da entrada em vigor do novo Acordo Ortográfico, apela-se a todos os bloggers que não adoptem as novas regras ortográficas, pelas razões já expostas neste e noutros blogs e nas inúmeras intervenções produzidas na imprensa, na rádio e na televisão nos últimos tempos.

A BEM DA LÍNGUA PORTUGUESA

domingo, 27 de dezembro de 2009

PARA ONDE VAI O BANCO DE PORTUGAL?


Vasco Pulido Valente, hoje, no PÚBLICO:

E A SEGUIR?...

Recebi do meu banco a seguinte carta: "Exmo. Sr., De acordo com o determinado pelo aviso do Banco de Portugal nº (...) os titulares de todas as contas bancárias, seus representantes e/ou autorizados deverão proceder à actualização dos respectivos elementos de identificação e à entrega dos documentos comprovativos. Assim solicitamos que nos (...) entregue os documentos (abaixo) assinalados: bilhete de identidade, cartão de contribuinte, comprovativo de morada, comprovativo de profissão e entidade patronal." Só falta, como eles dizem, um comprovativo da propriedade pessoal, um comprovativo do estado civil, um atestado de saúde e, não tarda muito, uma coleira no pé, para o Banco de Portugal saber exactamente por onde anda cada um de nós, não vá a gente frequentar sítios de que ele não gosta.A primeira dúvida que esta carta suscita é de saber se o Banco de Portugal tem autoridade para invadir a privacidade de qualquer cidadão por um mero "aviso", sem prévio consentimento da Assembleia da República. Pôr dinheiro no banco não passa em princípio de um acto particular e confidencial entre um indivíduo e uma instituição financeira, em que o Estado não se pode, ou deve, ingerir. É até certo ponto compreensível que um banco exija a identidade do depositante e o número de contribuinte, para não ser envolvido em negócios de natureza criminosa ou ilícita. Mas nada justifica que, sobre isso, o Banco de Portugal queira também saber a morada, a profissão e o emprego de quem usa um serviço fora da esfera pública - uma devassa manifestamente incompatível com a liberdade que a Constituição garante.

Se alguma coisa o Banco de Portugal não merece é a nossa confiança. Seja pelo que for, sob a gerência do dr. Vítor Constâncio, permitiu o desastre nacional do BPN e do PPP, que já custaram, ou vão custar, ao contribuinte centenas de milhões. Não há motivo algum para lhe revelar a nossa vida, sem necessidade aparente ou explicação bastante. Excepto, claro, a força bruta. O Governo socialista de José Sócrates nunca hesitou em restringir a autonomia dos portugueses. A informação que o Estado acumulou - e concentrou - sobre qualquer pessoa que por aí anda é, pura e simplesmente, intolerável e perigosa. Na América, em Inglaterra, em Itália ou mesmo em França ninguém o consentiria. Infelizmente, Portugal está habituado a que mandem nele como um cão vadio. Deixem fazer e depois não se queixem.

De Vítor Constâncio já nada nos espanta, mas se isto é verdade o Banco de Portugal está realmente a passar os limites do admissível.

sábado, 26 de dezembro de 2009

KARL MAY

Em vésperas de cair o pano sobre 2009, é útil revisitarmos Karl May, na interpretação pessoal do grande realizador Hans-Jürgen-Syberberg.

Recorde-se que Karl Friedrich May (1842-1912) foi porventura o mais popular escritor alemão de todos os tempos. Os seus livros, tendo como cenário a América (dos índios apaches), o Médio Oriente, a China e outros locais "exóticos", alcançaram um sucesso nunca visto e foram traduzidos em cerca de 40 línguas, sendo a tiragem global superior a 200 milhões de exemplares. O seu êxito na Alemanha, desde que começou a escrever na prisão (fora condenado por alguns pequenos delitos no início da vida) estendeu-se a todas as classes e idades mas entusiasmou principalmente a juventude. Entre os seus admiradores contaram-se figuras tão distintas como Albert Einstein, Hermann Hesse e Adolf Hitler, que fez distribuir às suas tropas algumas das obras de May.

Este filme de Syberberg, de 1974, insere-se na série que dedicou à Alemanha e onde importa realçar Ludwig, Requiem für einem jungfräulichen König (1972), Hitler, ein Film aus Deutschland (1977) e Parsifal (1982).

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

ISABEL DA NÓBREGA


Tenho o privilégio de conhecer e de ser amigo de Isabel da Nóbrega há quase 50 anos. Circunstância que não é de molde a obnubilar o meu espírito. Por isso, posso afirmar que a Isabel é uma das grandes escritoras portuguesas do século XX.

Acontece que, na passada semana, foi reeditado o primeiro livro de Isabel da Nóbrega, o livro que ela escreveu em 1950 e que foi publicado em 1952: Os Anjos e os Homens, uma narrativa que deve à Bíblia as personagens de dois anjos, mas de anjos muito especiais que, como escreveu na contra-capa Frei Bento Domingues "Não andam a convencer nem a espiar. Não são mensageiros apocalípticos ou moralistas."

Em 1954, publicou O Filho Pródigo, peça que foi representada no Teatro Nacional D. Maria II. E em 1965, Viver com os Outros, um notável romance que receberia o Prémio Camilo Castelo Branco da então Sociedade Portuguesa de Escritores, equivalente ao actual Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, que sucedeu àquela instituição.

Escreveu Isabel da Nóbrega ainda outros livros, embora a sua obra se distinga mais pela qualidade de que pela quantidade. As suas crónicas em jornais e na rádio, durante largos anos, constituem exemplos de como deveria ser o jornalismo em Portugal. Aliam a formação à informação, tratam de grandes e pequenos problemas, dedicando a uns e a outros o interesse que todos merecem. Sem esquecer os programas que concebeu e apresentou na RTP e as muitas intervenções avulsas, produzidas nos mais variados palcos onde foi solicitada.

Na sua carreira literária, como na sua vida, sempre Isabel da Nóbrega se preocupou com o seu próximo, fosse rico ou pobre, culto ou inculto, sempre viveu com os outros, partilhando alegrias e tristezas. sempre dedicou a sua atenção a aspectos da vida que quantas vezes nos passam despercebidos. Ainda hoje, a Isabel continua a manter um gosto pela vida e uma energia anímica que provoca o assombro (e até talvez uma ponta de inveja) dos mais novos. Sempre disponível para os grandes eventos como para as modestas tarefas do quotidiano, sempre pronta a ajudar os seus amigos nas horas menos boas.

Por tudo o que escrevi, e também por tudo o que não escrevi (para parafrasear o saudoso Eduardo Prado Coelho), quero aqui exarar a minha admiração por Isabel da Nóbrega, que é uma verdadeira força da natureza,
e agradecer-lhe a sua valiosa contribuição para as letras e para a cultura em Portugal.





segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

PISCINAS, URINÓIS E EQUÍVOCOS

O escritor inglês Alan Hollinghurst (n. 1954) tornou-se conhecido em Portugal pela tradução do seu livro The Line of Beauty (2004), publicado entre nós em 2005, com o título A Linha da Beleza. Este romance obteve no ano da sua publicação o Man Booker Prize, o mais alto galardão literário britânico e foi objecto de uma série televisiva em três episódios, realizada por Andrew Davies em 2006, e que também foi exibida na televisão portuguesa.

Antes do livro distinguido pela Booker Prize Foundation, escrevera Hollinghurst The Swimming Pool Library (1988), The Folding Star (1994) e The Spell (1998). Ora é o primeiro destes romances que acaba de ser editado em tradução portuguesa com o título A Biblioteca da Piscina.

Alan Hollinghurst é um escritor assumidamente gay e as suas obras traduzidas em português têm como protagonistas homens gays e decorrem em ambientes homossexuais da alta sociedade inglesa e também da “baixa” sociedade com que aquela alegremente convive. Aliás sempre foi assim e não poderia ser de outra maneira. Mas não se trata propriamente de romances gays, como facilmente se constata e o autor refere em entrevista ao PÚBLICO, em 2 de Julho de 2005: “É verdade que escrevo romances sobre a vida a partir de uma perspectiva gay, mas isso devia ser tão natural como os outros romances, maioritários, que são escritos numa perspectiva heterossexual. Os meus livros são sobre a vida”.

A época escolhida para situar as duas obras é a Grã-Bretanha de meados dos anos 80, em que Margaret Tatcher estava no apogeu da sua carreira política. Aliás, a antiga primeira-ministra britânica é mesmo uma das personagens de
A Linha da Beleza e o romance recorre frequentemente à evocação de disputas partidárias, actos eleitorais, corrupção e tráfico de influências. N’A Biblioteca da Piscina não são feitas referências explícitas à situação política de então, mas há, paralelamente à actualidade (1983), um flashback da sociedade inglesa meio século atrás.

O protagonista de
A Biblioteca da Piscina é um jovem de 25 anos, William Bekcwith, formado por Oxford, cuja única preocupação na vida é o sexo, sexo com homens, entenda-se, e a frequência obsessiva de urinóis públicos. O cenário é Londres, onde William vive, sem qualquer ocupação, pois não precisa de trabalhar. Aliás William tem uma ocupação para além do sexo: ir nadar na piscina do Corinthian Club, abreviadamente designado por Corry, em Great Russell Square, que lhe permite observar os corpos dos jovens nadadores, especialmente nos duches, local propício ao estabelecimento de amizades particulares. Essa piscina só tem uma relação indirecta com o título do livro; ser "bibliotecário da piscina" significava, no Winchester College que William frequentara, ser responsável pela zona da piscina, para onde à noite os alunos se escapuliam para praticar sexo. Acessoriamente, há ainda uma terceira piscina no livro, uma piscina romana na cave da residência de Lord Nantwich, que também entrará na estória.

Este livro, de quase 500 páginas, é um retrato da sociedade inglesa da década de 80, designadamente da vida
gay londrina, e William é de alguma forma o alter-ego do autor. O seu percurso desde o colégio e a universidade até chegar a Londres é semelhante ao de Hollinghurst, mas com certeza não idêntico. O protagonista do romance é excessivamente presunçoso; porém, como não conheço o autor não posso garantir que este também o seja, ou tenha apenas pretendido caracterizar dessa forma o comportamento de uma certa classe social. Caracterização genérica do meio ou talvez mais especificamente de um certo tipo de londrinos, ou dos ingleses em geral.


Wildeblood, Lord Montagu (ao centro) e Pitt-Rivers, a caminho da prisão

A obra começa com o encontro fortuito num urinol entre o jovem William e Lord Charles Nantwich, um aristocrata de 83 anos que é acometido de uma indisposição no local. Um encontro casual de duas gerações. Mais tarde, e depois de acompanharmos os sucessivos engates de William e outras cenas correlativas, chega-se àquilo que o autor pretende: a denúncia da perseguição a que os homossexuais estiveram sujeitos até à alteração da legislação penal britânica que descriminalizou as relações homossexuais entre adultos em 1967, na sequência do relatório da Comissão Wolfenden em 1957. Para esta decisão muito contribui o “escândalo” Montagu (1953-54), que teve grande influência na evolução das mentalidades em Inglaterra. Em 1954, Lord Edward Montagu of Beaulieu, par do Reino, então com 28 anos, foi acusado de ofensas à moral, preso no seu domicílio, julgado e condenado. Motivo: no Verão de 1953, Lord Montagu oferecera ao jornalista e dramaturgo Peter Wildeblood a utilização da sua casa de praia. Wildeblood levou consigo dois jovens soldados da RAF, Edward McNally e John Reynolds. A estes juntou-se Michael Pitt-Rivers, primo de Montagu. Segundo os aviadores declararam mais tarde, todos se teriam entregue à prática de actos “indignos”, o que Montagu negou. Mas o caso transformou-se no elo de uma cadeia. Algumas semanas depois, um grupo de escuteiros acampou nas propriedades de Montagu, tendo este apresentado posteriormente queixa à polícia local pelo roubo de uma máquina fotográfica. A polícia, em vez de investigar o roubo, veio a acusá-lo de ofensas contra um dos rapazes de 14 anos, acusação de que foi absolvido por se provar não ter fundamento. Mas foi o suficiente para desencadear toda uma campanha, As relações de Wildeblood com os soldados da Força Aérea, aliás de maior idade, foram vasculhadas ao pormenor. Provou-se que Wildeblood, que era assumidamente gay, ao contrário de Montagu, que era bissexual, mantivera relações íntimas com aqueles soldados e que aqueles aviadores, bem como outros soldados de terra, mar e ar, mantinham habitualmente relações sexuais com pessoas do mesmo sexo. Conclusão: Montagu, Wildeblood e Pitt-Rivers foram acusados de “conspiração para incitar algumas pessoas do sexo masculino a cometerem sérias ofensas contra outras pessoas do sexo masculino”. Wildeblood e Pitt-Rivers foram condenados a 18 meses de prisão e Montagu a 12 meses, em Winchester. Este processo, inserido numa autêntica “caça às bruxas”, foi desencadeada pelo procurador-geral e depois ministro do Interior, Sir David Maxwell Fyfe (uma criatura sinistra, procurador no processo de Nuremberga, ardente defensor da pena de morte e que obteve o título de visconde e conde de Kilmuir por meios tortuosos. Fyfe, de quem mais tarde o primeiro-ministro Harold MacMillan se conseguiu desembaraçar em 1962, prometera empenhar-se numa cruzada contra o “vício masculino” a fim de “livrar a Inglaterra dessa praga”, mas este processo teve a maior repercussão na opinião pública, que recordou os seus métodos inquisitoriais. Era a primeira vez, desde o julgamento de Oscar Wilde, em 1895, que se assistia a semelhante processo. A moral hipócrita dos tempos da famigerada rainha Vitória (que, em causa própria, afirmara em 1885, que as relações sexuais entre mulheres não existiam – It can’t exist), estava francamente ultrapassada, ainda que a despenalização inglesa de 1967, só viesse a repercutir-se na Escócia em 1980 e na Irlanda do Norte em 1982.


Casamento de Lord Montagu com Belinda Crossley em 1958


Voltemos agora ao livro, já que esta incursão no processo Montagu se justifica por que o mesmo é nele invocado nas circunstâncias que veremos. Em dado momento da obra, e após vários acontecimentos inerentes ao plot do romance, com muitas piscadelas de olho musicais e literárias a que o autor já nos habituou, Lord Nantwich pede a William que escreva a sua biografia a partir de diários que conservara em seu poder e que relatavam especialmente a sua permanência no Egipto e no Sudão, onde estivera em missão da Coroa britânica. Nantwich neles referia que aí passara os melhores anos da sua vida e que a sua estada lhe permitira o contacto com lindíssimos negros, etnia que muito apreciava. Mas só no final do livro assistimos à entrega a William do último volume do diário, o que se reportava aos anos seguintes ao seu regresso a Londres. E que esclarece alguns aspectos até aí misteriosos da vida de Lord Nantwich. Segundo este derradeiro volume, um dia, nas suas deambulações pelos urinóis da cidade, de que era frequentador, Nantiwch encontra um rapaz num mictório. Não diz o livro o que de concreto se passou, pois o episódio é registado pelo aristocrata com variações, segundo os sonhos que esse acontecimento lhe provoca. À saída do urinol está outro homem; ambos o seguem (são polícias) e o conduzem à prisão. Ora é este último volume do diário que recorda os tempos da prisão de Lord Nantwich, circunstância até aí ignorada por William. Vale a pena transcrever algumas linhas:

«Muitas das distinções do mundo exterior sobreviviam na prisão: o respeito pela classe, a repugnância perante certos crimes violentos ou inumanos, e o ostracismo a que eram votados aqueles que, de acordo com os tribunais, os tinham cometido. Ao mesmo tempo, porém, estávamos privados de uma capa de dissimulação social, visto que todos éramos criminosos. Para quem gostava de homens, não valia a pena fingir o contrário; e, como muitos dos reclusos da minha ala tinham sido condenados por crimes sexuais, havia entre nós uma propensão no sentido da clemência e da compreensão que se traduzia por uma curiosa consolação para as nossas penas. Claro que isto não anulava de uma forma mágica a culpa e a vergonha, mas também era certo que muitos daqueles homens – tantos deles reincidentes – tinham sido detidos por proporem ou se proporem realizar actos indecentes, ou por algum acto íntimo (tantas vezes ardentemente correspondido) com rapazes menores de idade. E é claro que muitos desses presos eram também pouco mais do que crianças, jovens que tinham acabado de chegar à idade que permitia à justiça mandá-los para a prisão e que lhes permitia a eles seguirem os ditames dos seus corações. Wormwood Scrubs nunca estivera tão cheia de homossexuais, o que era um resultado directo das brutais purgas então lançadas, e muitas eram as histórias de traição e falsidade, de testemunhas subornadas para mentirem, de falsos amigos que, colaborando com as autoridades e obtendo desse modo a liberdade, haviam acusado em tribunal aqueles que agora estavam presos. [...] Suponho que, devido ao meu título, o meu caso foi mais comentado do que a maior parte (mas muito menos, é certo, que o caso de Lord Montagu), o que mostra bem toda a iniquidade e hipocrisia que rodearam a minha detenção e condenação, perversamente agravadas pela corrupção da polícia. Os meus companheiros de cárcere convenceram-se de que eu e Montagu nos conhecíamos e suponho que nos imaginavam trocando números de telefone de jovens no bar da Câmara dos Lordes. Foi difícil convencê-los de que nem todos os lordes – tal como nem todos os invertidos – se conhecem. Ainda assim, parece que o caso de Montagu, e, a uma escala francamente humilde, o meu, estão a ter algum efeito positivo: mesmo os decorosos britânicos, com a sua desconfiança em relação à vida instintiva, e o prazer que o conformismo lhes proporciona, começaram já a dizer que tudo tem os seus limites...».

E mais adiante:

«Li hoje no The Times que Sir Denis Beckwith, na sequência dos apelos parlamentares tendo em vista a reforma da legislação sobre delitos sexuais, vai abandonar o seu cargo de Acusador Público – em troca, a coroa conceder-lhe-á o título de par do reino. Ora aqui está mais um exemplo do curioso processo através do qual os britânicos se livram de elementos perturbadores – ao mesmo tempo que os afastam, promovem-nos. Neste caso, é como se Beckwith recebesse um prémio pelas coisas verdadeiramente aterradoras que fez. Talvez eu venha a ter a possibilidade de discutir com ele a reforma da legislação na Câmara dos Lordes – será porventura a única ocasião em que, nas actas dos debates da Câmara, um lorde desafiará outro que foi o grande responsável pelo seu encarceramento... Eis um homem que eu poderia odiar, aquele que, mais do que qualquer outro, foi o inspirador desta “purga”, como ele lhe chama, desta cruzada para erradicar o vício masculino. Embora Beckwith tenha sido sempre tratado com desprezo, a verdade é que, a partir de agora, será uma voz poderosa na Câmara dos Lordes, juntamente com outros como Winterton e Ammon – se bem que estes tenham apenas para oferecer um palavreado oco e bombástico, ao passo que Beckwith, com a sua afabilidade culta e burocrática, será, sem sombra de dúvida, muito mais eficaz... Parece que estou a vê-lo no tribunal, aonde fora unicamente para satisfazer o seu miserável desejo de vingança... Parece que estou a vê-lo no momento em que leram a minha sentença... Não mais me esquecerei da sua presença naturalmente elegante e encantadora, da sua excitação, do seu vibrante orgulho quando me viu sair rumo aos calabouços...».

Ora, no romance, Lord Beckwith é o avô muito estimado de William Beckwith, por quem este nutre a maior admiração. Assim, as revelações do diário de Lord Nantwich provocam nele profunda surpresa e têm o efeito de um terramoto. Mas o caso ficcional Nantwich remete obrigatoriamente, pelas suas semelhanças, para o caso real Montagu, e é este o objectivo primeiro do livro de Hollinghurst.

Assim,
A Biblioteca da Piscina, para lá do retrato de costumes da sociedade britânica que o autor nos oferece, tem um propósito eminentemente pedagógico que só nos é revelado nas derradeiras páginas.

Este excelente primeiro livro de Alan Hollinghurst prenuncia já o notável romance A Linha da Beleza, que, como se disse no início, o Man Booker Prize viria a consagrar.


A terminar, deve saudar-se, porque de elementar justiça, a cuidada tradução portuguesa de José Vieira de Lima, numa época em que são publicadas traduções de tão má qualidade que tornam por vezes as obras ininteligíveis.