segunda-feira, 21 de outubro de 2019

PORTUGAL CONTEMPORÂNEO



Autor de vasta e diversificada obra, Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894), que escreveu sobre história, política, economia, antropologia, etc., é uma das figuras destacadas da Geração de 70.

Verdadeiramente um autodidacta, nota-se nos seus livros a ausência de uma formação cultural sustentada, mas nem por isso eles deixem de se revestir de particular interesse.

Em Oliveira Martins, o homem e a obra suscitaram sempre controvérsia. Defendeu a república e a monarquia, foi liberal e antiliberal, nacionalista e iberista, por vezes socialista, e chegou a preconizar a ditadura.

Relendo Portugal Contemporâneo (1881), encontramos um fresco da vida política nacional desde a morte de D. João VI (1826) até ao reinado de D. Luís. A  descrição nem sempre é sistematizada, apresenta imprecisões e lapsos, mas constitui um retrato do século XIX português.

É evidente para quem se debruce pela primeira vez sobre esta época que a obra surge demasiado confusa, desigual na abordagem dos temas, por vezes desnecessariamente minuciosa, tremendamente subjectiva, já que Oliveira Martins não só descreve os factos como se permite tecer todas as considerações de ordem pessoal sobre os mesmos e sobre as personagens que os protagonizaram. 

Pelos nossos olhos perpassam Constituições e Cartas Constitucionais, pronunciamentos e revoluções, o peso da intromissão inglesa (como habitualmente) na vida nacional por influências propriamente políticas,  pessoais e mesmo familiares (a correspondência entre D. Maria II  e a rainha Vitória, entre D. Pedro V e o príncipe consorte Alberto de Saxe-Coburgo confirmam-no).

E assistimos ao desfile dos duques (Palmela, Saldanha, Terceira, Loulé, Ávila), do marquês de Sá da Bandeira, do conde do Lavradio, dos manos Cabrais, de Passos Manuel, de Fontes Pereira de Melo, Rodrigo da Fonseca Magalhães, Rodrigues Sampaio, José Estêvão, Mouzinho da Silveira, António Augusto de Aguiar, etc., etc. Nomes que, aliás, servem, em Lisboa, a toponímia das avenidas novas. E também de Herculano, Garrett, Camilo. Além, é claro, de D. Pedro IV, D. Miguel I, da infanta D. Isabel Maria, de D. Maria II, D. Fernando II, D. Pedro V.

Contra esta classe politica se manifesta Oliveira Martins, com o seu pessimismo (ou realismo) habitual. Segundo ele, Palmela é um hipócrita ambicioso, Loulé um indolente e indeciso, e por aí fora! Mas o pessimismo não é seu apanágio exclusivo. A pp. 280 do II volume, refere a conhecida frase de Rodrigo da Fonseca moribundo: «Nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos, é triste!». 

O próprio Oliveira Martins foi um efémero ministro da Fazenda em 1892 e não parece que tenha sobressaído do nível geral dos seus contemporâneos. Todavia, nem todos os políticos da época foram sistematicamente maus, como se infere da visão puritana, quimérica e misantrópica de D. Pedro V, que o autor em larga medida perfilha. Deve-se a Fontes, o homem da Regeneração, a construção de importantes infra-estruturas, entre as quais o caminho-de-ferro. Costa Cabral, depois marquês de Tomar, tomou medidas louváveis, como, por exemplo, a controversa lei da criação de cemitérios e impedimento de sepulturas nas igrejas, que desencadeou a revolução da Maria da Fonte. E muitos dos políticos que foram militares distinguiram-se pelos seus actos de bravura.

Guardadas as devidas distâncias, a nossa III República não é muito diferente da descrita pelo autor na satisfação dos interesses pessoais dos seus próceres. Certamente, não há revoluções consecutivas (exclua-se o PREC) nem governos de curtíssima duração, União Europeia oblige. Mas o povo português não mudou muito. A agitação da Monarquia Constitucional prolongou-se na I República e só durante o Estado Novo, sob o regime autoritário de Oliveira Salazar, regressou a paz aos espíritos, uma paz sustentada à custa de medidas excepcionais mas que foi recebida com alívio pela maior parte da população. Contudo, um regime que por teimosia ou falta de visão não foi capaz de evoluir, sucumbindo aos ventos da História, e cujo maior erro foi não ter encontrado a tempo uma solução para o problema colonial, quando já a Bélgica, a França e a Inglaterra se tinham retirado de África, para não falar da Espanha, da Alemanha e da Itália.

Concluindo, deixo uma sugestão. Quem pretender adquirir um conhecimento razoável do período em causa, antes de ler esta obra de Oliveira Martins leia um livro de história da época, resumido e cronologicamente bem ordenado, para poder depois apreender devidamente tudo o mais que este autor desenvolve no Portugal Contemporâneo.

Sem comentários: