segunda-feira, 1 de julho de 2019

RECORDANDO SCOUFFI



 Alexandre Scouffos, que usou o pseudónimo literário de Alec Scouffi, nasceu em Alexandria em 23 de Abril de 1886, nessa cidade sobre a qual escreve Lawrence Durrell, em Justine: «Cinco raças, cinco línguas, uma dúzia de crenças». Romancista, poeta, jornalista, dramaturgo, actor e mesmo cantor lírico, grego e filho de um rico negociante da cidade (não havia nacionalidade egípcia à época), cedo viajou para a Europa, instalando-se preferencialmente em Paris. Scouffi terá mesmo chegado a conviver em Alexandria com o seu compatriota o célebre poeta Constantin Cavafy, que partilhava gostos idênticos, não sendo despiciendo que se encontrassem por vezes nos cafés da cidade.

Curiosamente, o escritor Patrick Modiano, Prémio Goncourt e mais tarde Prémio Nobel da Literatura,  dedica-lhe algumas linhas em alguns dos seus livros, nomeadamente em Rue des Boutiques Obscures. Scouffi é o tipo de personagens sombrias caras ao gosto de Modiano.




No capítulo XXIII deste seu livro, Modiano, no decorrer da trama do romance, reproduz mesmo uma ficha de informações sobre Scouffi, fazendo-o nascer a 28 de Abril de 1885, pequena margem de erro calculada ou fruto de lapso.

Transcrevemos o capítulo:


Alexandre Scouffi est venu pour la première fois en France en 1920.
Il a résidé, successivement :
26, rue de Naples, à Paris (8e)
11, rue de Berne, à Paris (8e) dans un appartement meublé
Hôtel de Chicago, 99 rue de Rome, à Paris (17e)
97, rue de Rome, à Paris (17e), 5e étage.
Scouffi était un homme de lettres qui publia de nombreux articles dans diverses revues, des poèmes de tous genres et deux romans : Au Poisson D’or hôtel meublé et Navire à l’ancre.
Il étudia aussi le chant et bien qu’il n’exerçât pas la profession d’artiste lyrique, il se dit entendre à la Salle Pleyel et au théâtre de la Monnaie à Bruxelles. A Paris, Scouffi attire l’attention de la brigade mondaine. Considéré comme indésirable, son expulsion est même envisagée.
En novembre 1924, alors qu’il demeurait 26, rue de Naples, il est interrogé pour avoir tenté d’abuser d’un mineur.
De novembre 1930 à septembre 1931, il a vécu à l’hôtel de Chicago, 99 rue de Rome, en compagnie du jeune Pierre D. vingt ans, soldat du 8e génie à Versailles. Il semble que Scouffi fréquentait les bars spéciaux de Montmartre. Scouffi avait de gros revenus qui lui provenaient des propriétés qu’il hérita de son père, en Egypte.
Assassiné dans sa garçonnière du 97, rue de Rome. L’assassin n’a jamais été identifié. 
  



Em 1932, Alec Scouffi foi encontrado morto no seu apartamento da rua de Roma, provavelmente assassinado por um dos seus amantes. Aliás, em Rue des Boutiques Obscures, Modiano regista a opinião de uma das personagens do livro, segundo a qual o presumível assassino, nunca identificado, seria um rapaz com cara de anjo, dos bas-fonds parisienses, conhecido como o Cavaleiro Azul. E Modiano sugere ainda a hipótese de que o autor do crime seria o mesmo que teria morto, em 1933, Oscar Dufrenne, director do Palace, um music-hall do Faubourg Montmartre.

Vem tudo isto a propósito da recentíssima reedição de Au Poiss' d'Or, de Scouffi, livro originalmente publicado em 1929, e que descreve, com a inquestionável competência do autor, a vida de um jovem gigolo e do ambiente que o rodeia, na complexa teia de amor, sexo e dinheiro vigente em Paris nos anos 20 do século passado. Quando uma certa liberdade de costumes convivia com a repressão oficial e coexistia uma grande criatividade artística com uma notória decadência mais moral do que sexual. O livro de Scouffi é bem um retrato da sociedade dessa época.

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