De entre os incontáveis textos produzidos a propósito da detenção de José Sócrates, transcrevo o artigo de Pedro Marques Lopes, Uma Crise de Regime, hoje, no "Diário de Notícias":
«1. Esta crónica já estava escrita, chamava-se “Telegramas do Manicómio”. Era
acerca da única e exclusiva responsabilidade de Carlos Costa na solução
encontrada para o BES e do facto dum Governo ter prescindido de ter uma
palavra num assunto que dizia respeito a cerca de 20% da economia
nacional, dum alto responsável da Administração Pública ter
aparentemente sido constituído arguido por ter recebido um par de
garrafas de vinho e alguém ter dito que se lhe devia dar uns euros, dum
vice-primeiro-ministro que mostrou não saber distinguir um partido
político duma empresa, dum presidente duma comissão parlamentar que
combateu com um secretário de Estado pelo acesso a um microfone e de
dois partidos que mudaram de opinião sobre um assunto em 24 horas.
Entre as 23h45, momento em que pus o ponto final na dita crónica, e a meia-noite e pouco, hora em que soube da detenção de José Sócrates, o país mudou. Melhor, passamos a estar no meio da maior crise de Regime desde a normalização da nossa democracia.
O principal pilar duma democracia liberal é o de ninguém estar acima da lei. Ninguém. Nem quem a faz, nem quem a aplica, nem quem a fiscaliza. Mas, de boa-fé, não se pode pensar que é exatamente a mesma coisa deter um responsável por uma polícia, um ex-primeiro-ministro ou um cidadão que não tem, ou teve, responsabilidades nos destinos da comunidade. [...]
Até por isto se percebe que, sim, a lei é igual para todos mas que não há nada mais injusto do que tratar de igual modo situações diferentes. O que está, sobretudo, em questão na detenção do ex-primeiro-ministro é a possibilidade duma comunidade ter sido representada e conduzida por alguém que não tinha condições pessoais para o fazer, alguém que enganou os cidadãos ou a incapacidade dum sistema judicial fazer cumprir a lei, ou pior, esse sistema criar um caso desta gravidade sem indícios realmente sérios.
Qualquer uma destas situações é duma gravidade sem paralelo conhecido em Portugal.
[...] Bem gostava de em consciência pensar que seria possível ver as instituições a funcionar regularmente, de não assistir à construção de barricadas, de ver toda a gente preocupada em descobrir a verdade e não a sua verdade, mas estou cético, como, estou convencido, muita gente está. É também esse ceticismo generalizado sobre o resultado futuro deste e doutros casos, qualquer que seja o sentido, que mostra o quão estamos doentes como comunidade.
Qualquer que seja o desenlace deste processo as instituições democráticas saem fortemente abaladas. Agora sim, estamos perante uma verdadeira crise, a pior delas: uma crise do Regime. Nada ficará como dantes.
2. O homem mais poderoso do país deixou de ser um político ou um empresário. O homem que manda nisto tudo, o novo DDT, é Carlos Alexandre, o juiz ligado aos casos BPN, Furacão, Monte Branco, Vistos Gold e, agora, Sócrates. O poder político criou o Ticão e deu todo este poder a quem o dirige. É demasiado poder concentrado neste ou em qualquer outro homem.»
Entre as 23h45, momento em que pus o ponto final na dita crónica, e a meia-noite e pouco, hora em que soube da detenção de José Sócrates, o país mudou. Melhor, passamos a estar no meio da maior crise de Regime desde a normalização da nossa democracia.
O principal pilar duma democracia liberal é o de ninguém estar acima da lei. Ninguém. Nem quem a faz, nem quem a aplica, nem quem a fiscaliza. Mas, de boa-fé, não se pode pensar que é exatamente a mesma coisa deter um responsável por uma polícia, um ex-primeiro-ministro ou um cidadão que não tem, ou teve, responsabilidades nos destinos da comunidade. [...]
Até por isto se percebe que, sim, a lei é igual para todos mas que não há nada mais injusto do que tratar de igual modo situações diferentes. O que está, sobretudo, em questão na detenção do ex-primeiro-ministro é a possibilidade duma comunidade ter sido representada e conduzida por alguém que não tinha condições pessoais para o fazer, alguém que enganou os cidadãos ou a incapacidade dum sistema judicial fazer cumprir a lei, ou pior, esse sistema criar um caso desta gravidade sem indícios realmente sérios.
Qualquer uma destas situações é duma gravidade sem paralelo conhecido em Portugal.
[...] Bem gostava de em consciência pensar que seria possível ver as instituições a funcionar regularmente, de não assistir à construção de barricadas, de ver toda a gente preocupada em descobrir a verdade e não a sua verdade, mas estou cético, como, estou convencido, muita gente está. É também esse ceticismo generalizado sobre o resultado futuro deste e doutros casos, qualquer que seja o sentido, que mostra o quão estamos doentes como comunidade.
Qualquer que seja o desenlace deste processo as instituições democráticas saem fortemente abaladas. Agora sim, estamos perante uma verdadeira crise, a pior delas: uma crise do Regime. Nada ficará como dantes.
2. O homem mais poderoso do país deixou de ser um político ou um empresário. O homem que manda nisto tudo, o novo DDT, é Carlos Alexandre, o juiz ligado aos casos BPN, Furacão, Monte Branco, Vistos Gold e, agora, Sócrates. O poder político criou o Ticão e deu todo este poder a quem o dirige. É demasiado poder concentrado neste ou em qualquer outro homem.»
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