Luchino Visconti (1906-1976) foi uma das personalidades artísticas mais emblemáticas do século passado. E também das mais contraditórias. Homem erudito, realizador cinematográfico, encenador de teatro e de ópera e argumentista de alguns filmes, procurou conciliar ao longo da vida três realidades dificilmente compatíveis: ser aristocrata (filho do duque de Modrone, foi sempre tratado por Conde de Modrone), ser homossexual (assumidamente, sendo célebres as paixões que nutriu por Horst [Paul Horst], Alain Delon, Jean Marais ou Helmut Berger) e ser comunista (membro do Partido Comunista Italiano, e amigo do então Secretário-Geral Palmiro Togliatti). Ao contrário do seu compatriota, e também cineasta, Pier Paolo Pasolini, as preferências de Visconti iam para um tipo de beleza apolínea (especialmente nórdica), no que se referia às relações permanentes, já que nos encontros casuais, segundo os seus biógrafos, não cultivava especiais exigências. Já Pasolini se fascinava com os jovens operários, com os rapazes dos bairros de lata, com as pessoas de condição humilde. Com opções tão diferentes, retrataram nos seus filmes dois tipos de beleza masculina e são justamente considerados, pelas películas que dirigiram, os maiores realizadores italianos do século XX, sem obviamente esquecer as notáveis figuras de Fellini, Rossellini, De Sica, Bertolucci, Antonioni ou Zeffirelli.
Horst |
No seu recente livro, Visconti, le prince travesti, o realizador Dominique Delouche traça um retrato vibrante e íntimo do realizador de Senso, O Leopardo e Morte em Veneza,que tudo ou quase opunha a Fellini, de quem Delouche foi assistente.
Escreve Delouche na contracapa:
«On a souvent voulu me persuader que, de nature et d'éducation, j'étais foncièrement plus proche de Visconti que de Fellini, et je me suis posé la question : qu'en aurait-il été si, au lieu de rallier le Cirque Fellini, c'avait été l'écurie Visconti qui m'avait engagé ? Je n'ai jamais su exactement par quel charme j'avais pu susciter l'intérêt, puis l'affection de Federico, mais je suis sûr que mon profil s'éloignait trop de celui des poulains du signor conte pour que je sois éligible dans son phalanstère. Si j'avais intégré sa légion d'or, j'aurais sans doute eu à regretter la molle sensualité tout orientale où baignaient les tournages du faro. De mes cinq «felliniennes années», j'ai le souvenir d'un apprentissage chaleureux du métier et de la vie. Visconti sera désormais pour moi l'artiste hautain qu'il faut se contenter de ne connaître que par son oeuvre : contradictions, travestissements, énigmes et aveux qu'il nous donne à déchiffrer, un peu comme le rébus de sa vie.»
Alain Delon |
A verdadeira biografia de Visconti é a sua obra, já que ele incarnou algumas das suas personagens. A condessa Livia Serpieri, de Senso, é Visconti; o príncipe Fabrizio de Salina, de O Leopardo, é Visconti; o compositor Von Ascenbach, de Morte em Veneza, é Visconti; o Professor, de Violência e Paixão, é Visconti. A sua vida pessoal, abstraindo os sinais exteriores, foi um enigma até o fim. Podemos admitir, certamente, que Visconti, aliás como Pasolini, foi sempre um ser torturado pelas contradições que o envolviam, contradições que não procurou resolver (seria isso possível ?) mas cuja convivência preferiu cultivar.
Jean Marais |
O livro analisa em particular a identificação de Visconti com Marcel Proust, de quem pretendeu passar ao cinema À la recherche du temps perdu, projecto que nunca concretizou, talvez por entender não estar à altura de semelhante cometimento.
Helmut Berger |
O breve livro em apreço é uma obra que vivamente se recomenda a todos os apreciadores de Luchino Visconti, melhor dizendo, do seu cinema.
1 comentário:
Adoro a forma erótica como o Pasolini filma o corpo masculino. Especialmente no filme Medea, nas cenas onde filma aquele actor que foi atleta (Giuseppe Gentile).
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