segunda-feira, 10 de junho de 2013

UMA REVOLUÇÃO GLOBAL




Frédéric Martel, investigador do Institut de Relations Internationales et Stratégiques e jornalista de Radio France publicou recentemente uma obra do maior interesse, não só pela abrangência do tema mas porque pioneira na matéria: Global Gay.

Desenvolve Martel a tese que subintitula o livro: "Comment la Révolution Gay Change le Monde". De facto, o autor percorreu, nomeadamente nos últimos cinco anos, 45 países (alguns visitados mais do que uma vez), desde os Estados Unidos e alguns países da América Latina, à Europa (especialmente de Leste), ao Mundo Árabe, à Turquia, ao Irão, à China, à Índia e ao Extremo Oriente.

Inquirindo e comentando a vida LGBT nesses países, encontrando-se com militantes da causa, com organizações oficiais ou clandestinas, entrevistando cidadãos comuns, Frédéric Martel traça-nos um panorama da vida nesses países, descrevendo lugares e formas de contacto,no que descreve como um movimento irreversível dos direitos dos cidadãos, já assumidos pelas Nações Unidas como "direitos humanos".



Não é Global Gay um gay guide, como tantos existem, mas uma obra de pesquisa e uma tentativa de compreensão de uma realidade que, sempre tendo existido, se começa progressivamente a manifestar à luz do dia, e a ser aceite, se não teoricamente pelo menos na prática, mesmo pelos países aonde ainda é penalizada, ou até mesmo naqueles em que as práticas homossexuais são sujeitas à pena de morte. A este respeito é muito curiosa a sua descrição da situação no Irão, país que mantém a pena capital mas onde subsiste uma actividade underground tão vasta que impede o regime de aplicar a lei, salvo em casos de evidência notória e como exemplo para os cidadãos que desafiem abertamente os preceitos da República Islâmica. Como se refere no livro, um iraniano terá afirmado que no Irão "não há homossexuais", tese sustentada por Ahmadinejad nos Estados Unidos, porque também "não há heterossexuais",  mas sim uma cultura ambivalente, de tradição secular no mundo islâmico, como é aliás reconhecido por historiadores, antropólogos e sociólogos.

Enfatiza Martel o papel das redes sociais na progressiva aceitação pública de matéria até há pouco reservada à vida privada e tão só abordada nos estudos de especialistas e nas memórias dos viajantes. E não se julgue que a sharia é a única inimiga dos direitos de gays e lésbicas porque a acção deletéria das seitas evangélicas norte-americanas e dos seus sinistros tele-pregadores é tão nociva à harmónica convivência social (a África Negra é um exemplo flagrante) como por exemplo as teses expendidas na cadeia Al-Jazira pelo incansável sheikh Yussef Qaradawi, um egípcio naturalizado qatari que se tornou um consultor televisivo em matéria de costumes para grande parte do mundo árabe.

Não é possível referir aqui as nuances do problema em todos os países inquiridos (Portugal não está incluído mas também não interessa particularmente ao objecto do estudo), mas a obra de Martel é indiscutivelmente relevante para uma primeira abordagem da questão a nível mundial.

Na era da globalização, não é mais possível esconder uma realidade que salta aos olhos dos menos prevenidos e que, até do ponto de vista económico, começa a ser levada em conta pelos governos dos países que incentivam o turismo e o comércio mundial.

Ignoro se a pesquisa de Frédéric Martel está pontualmente enformada de algum proselitismo, mas é inegável que os elementos objectivos que refere são absolutamente incontestáveis e passíveis de ser confirmados no terreno.

O livro Global Gay abre as portas a investigações mais pormenorizadas, esperando-se que nesta longa caminhada da assunção dos direitos humanos não se registem retrocessos, com o pretexto de interditos religiosos que decorrem de leituras redutoras dos "livros sagrados" das religiões monoteístas, mais concretamente da Torah judaica, fonte primeira onde a Bíblia cristã e o Corão muçulmano beberam as ideias, assentes em factos historicamente falsos, da destruição de Sodoma, punida por actos dos seus cidadãos que em nada seriam diferentes dos seus congéneres da região e do mundo.

5 comentários:

Anónimo disse...

Obra importantíssima e a ler obrigatoriamente, para quem julga que a realidade planetária nessa matéria se confunde com as enormidades acerca do tema, passadas nas nossas televisões. Aliás, Portugal, como o bloger provavelmente saberá necessita de um estudo aprofundado e urgente sobre tal matéria. Julgo mesmo que será um dos tais chamados "case study". A guerra do Ultramar daria pano para mangas sem falar no "Underground" nacional de norte a sul.
Marquis

Pedro V F Madureira disse...

Acho o título infeliz : A aceitação global dos gays não tem de constituir nenhuma "révolution globale" e muito menos destinada a "changer le monde"... Acho isso pretensioso e até contraproducente na ótica da defesa do "being gay" como um direito humano dos mais básicos e naturais.
E já agora, desculpem o aparte : O autor, F. Martel, pela fotografia junta, tem um ar de "bichinha tonta" que até arrepia (oxalá não o seja !!...).

Zephyrus disse...

Os homossexuais e bissexuais com poder de compra e de famílias importantes do mundo árabe vivem a sua sexualidade de maneira despreocupada em Londres e frequentam por lá a «noite gay». É impressionante a quantidade de árabes (quer dizer, homens do Qatar, EAU, Arábia Saudita, Jordânia, Egipto, etc.) que se encontram em bares e discotecas da capital inglesa conectados com a população homo/bissexual. Mais. Há membros de famílias reais que são homossexuais. E nos seus países os gays são mortos, perseguidos e torturados pelo Regime. Em 2004 ou 2005 estava em Londres quando no bar G-A-Y um membro da família real do Omã se envolveu numa confusão com o companheiro. Mais recentemente um membro da família real saudita assassinou o companheiro por ciúmes, em Londres ou Paris. E há mais escândalos do género. Tenho um amigo cujo pai foi diplomata na Jordânia (e passou também por outros países da região) nos anos 80 e relata que a homossexualidade estava bem presente nas elites que governam o país. O que poderá ocorrer nessa região do globo é uma democratização da homo/bissexualidade, pois ela sempre esteve presente, e em força, nas elites.

Zephyrus disse...

Marquis,

o estudo da matéria é complicado porque os portugueses, por razões culturais, mentem muito nos questionários, mesmo quando são anónimos! Há um medo patológico dentro de uma fatia preocupante dos homens portugueses, que na minha opinião vem do papel da mãe e da mulher em geral na sociedade portuguesa: refiro-me à figura da mãe, da avô da tia, castrativas, que punem, tudo com a ausência da figura paterna, mesmo quando o pai está presente! Ora vejam o que dizia o Jorge de Sena sobre a mulher portuguesa na obra
Dedicácias!

Xico disse...

Tanto quanto julgo saber a perseguição aos homosexuais no mundo islâmico é um fenómeno recente(?!). Foi culturalmente bastante mais aceite naquele universo do que no mundo ocidental. O próprio Corão, afirma que no paraíso existem sempre virgens e mancebos para satisfazer os heróis e mártires.