sábado, 1 de junho de 2013

O MESSIANISMO HEBRAICO




Em livro recente, Au nom du Temple-Israël et l'irrésistible ascension du messianisme juif (1967-2013), Charles Enderlin, correspondente de France 2 em Jerusalém desde 1981, e autor de várias obras sobre o conflito israelo-palestiniano, debruça-se sobre o sionismo religioso crescente em Israel, que a partir da guerra de 1967 assumiu proporções assustadoras, não só relativamente à construção de colonatos, como às próprias tentativas de grupos judaicos de fazerem explodir a Cúpula do Rochedo e a mesquita de Al-Aqsa. Para estes extremistas religiosos, que em nada diferem dos fundamentalistas islâmicos, o objectivo final é a consolidação de Eretz Israel nos limites bíblicos, não só pela apropriação de Jerusalém-Leste (o que já se verifica) como pela completa integração no Estado judaico da Faixa de Gaza e da Cisjordânia (sempre referida como Judeia-Samaria) e, se possível, a anexação de territórios do Líbano, da Síria, da Jordânia e do Egipto.

Assim como os extremistas muçulmanos sonham com o restabelecimento do Califado, recuando aos primórdios do Império Otomano, também os extremistas hebraicos sonham com o regresso a um país cujas fronteiras estariam referidas na Torah. Com uma diferença face aos islamistas: enquanto o Califado foi uma realidade historicamente comprovada, o Grande Israel dos messianistas, assente num livro por excelência religioso, carece de fundamentos históricos indiscutíveis. Quando confrontamos os textos bíblicos com os dados históricos cientificamente provados, constatamos que as reivindicações judaicas pecam por generalizar situações que nunca corresponderam integralmente à realidade. Estamos, pois, perante uma tentativa de ajustar a História aos interesses presentes de algumas facções político-religiosas, porventura mais políticas de que religiosas. A leitura dos messianistas para impor a lei judaica é, afinal, idêntica à dos islamistas para impor a Sharia. Ambos recorrem à violência em defesa das suas convicções.

A páginas 111, Enderlin escreve: «Israël Hess, le rabbin aumônier du campus de l'Université religieuse Bar Ilan, a ainsi publié dans Bat Kol, l'organe des étudiants, un article intitulé "Le commandement du génocide dans la Torah". Il s'agit d'un commentaire des versets 25, 17-19 du Deutéronome. "Souviens-toi de ce que t'a fait Amalek au sortir de l'Égypte. Comme il t'a surpris chemin faisant, et s'est jeté sur tous les traînards, par-derrière. Tu étais alors fatigué, à bout de force, et lui ne craignait pas Dieu. Aussi lorsque l'Éternel, ton Dieu, t'aura débarassé de tous tes ennemis d'alentour, dans le pays qu'il te donne en héritage pour le posséder, tu effaceras la mémoire d'Amalek de dessous le ciel. Ne l'oublie point." Et aussi, Samuel 15, 3, Dieu à Saul: "Maintenant va frapper Amalek, et anéantissez tou ce qui est à lui. Qu'il n'obtienne point de merci! Fais tout périr, homme et femme, enfant et nourrisson, boeuf et brebis, chameau et âne."»  Aux yeux d'Israël Hess, toute nation qui déclare la guerre à Israël, comme Amalek, doit être détruite: homme, femme, enfant. Son texte s'achève ainsi: "Le jour viendra où nous serons appelés à réaliser le commandement divin de détruire Amalek". E ainda «À noter que ces commentaires bibliques étaient fondés sur les traités de Moshé Maïmonide, rabbin et philosophe juif médieval, qui fait jurispridence en matière de Halakha, la loi juive. Le professeur Yehoshafat Harkaby, grand arabisant et spécialiste du Proche-Orient, considère qu'en évoquant ces lois apportées à régir les relations entre la Terre sainte et les non-Juifs, Maïmonide n'avait à l'esprit que le royaume qui verrait le jour après la Rédemption, et non pas l'État d'Israël d'aujourd'hui.».



Os fundamentalistas religiosos desenvolveram sempre intensa actividade contra o sionismo laico, especialmente o de esquerda, do partido trabalhista. Mas, com o tempo, a situação agravou-se.  A matança no Túmulo dos Patriarcas, em Hébron, perpetrada em 25 de Fevereiro de 1994, por Baroukh Goldstein, de que resultaram 29 mortos e 125 feridos, foi um dos sinais de que a violência assumiria uma inusitada gravidade. Ela culminou com o assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin, em 4 de Novembro de 1995, na Praça dos Reis de Israel, em Tel-Aviv, por Yigal Amir, estudante da Universidade Bar Ilan, com o beneplácito de parte substancial dos rabinos que viam nos Acordos de Oslo, de 13 de Setembro de 1993, na proibição dos judeus rezarem na Esplanadas das Mesquitas, e da concessão de autonomia parcial a algumas zonas palestinianas, o caminho para a constituição de um Estado Palestiniano e por isso uma traição a Israel. Extremaram-se os campos, muito em parte devido ás posições do chefe do Likud, Benjamin Netanyahu, que se aproveitou do clima e de uma bem montada máquina de propaganda apoiada pelos judeus americanos, para defrontar Shimon Pérès nas eleições de 29 de Maio de 1996, e ganhar por 50,4 %, contra 49,5%, a primeira vez que os israelitas elegeram um chefe de Governo por sufrágio universal.



O assassinato de Yitzhak Rabin

O eminente historiador e politólogo judeu Zeev Sternhell considerou que a derrota da esquerda israelita começou com os acontecimentos de Hébron (pág. 172), tendo igualmente afirmado que a chegada de Netanyahu ao poder seria um desastre (pág. 224), como posteriormente se tem verificado, não só com ele como com os seus sucessores Ehud Barak, Ariel Sharon, Ehud Olmert, e, de novo, Netanyahu, em 2009.

 Em 15 de Setembro de 1998, na conferência anual dos Amigos do Templo, no Palácio da Nação, em Jerusalém, Hanan Porat, presidente da Comissão das Leis, na Knesset, regressa ao tema recorrente das implantações judaicas na Esplanada das Mesquitas. Na ocasião, Gershon Salomon, presidente dos Fiéis do Templo, declara: « La mission de cette génération est de libérer le Mont sacré, d'en finir avec l'abomination qui s'y trouve. Plus de dôme! Plus de mosquée mais l'emblème d'Israël et le Temple! Assez des rêves d'un Temple qui descendait du ciel!».

Tendo substituído Netanyahu, Ehud Barak vê-se constrangido a algumas concessões, pressionado que está por Bill Clinton, Em 4 de Setembro de 1999, é firmado em Sharm-el-Sheikh, o Memorando sobre a aplicação do calendário dos compromissos e acordos assinados e a retomada das negociações sobre o estatuto permanente, uma renegociação do acordo de Wye River, que deveria substituir o Acordo de Oslo.  Assinam-no Barak e Arafat. Seguem-se negociações inconsequentes. Barak culpa Arafat do fracasso. Mas sucede o pior. Em 28 de Setembro de 2000, Ariel Sharon resolve dirigir-se à Esplanada das Mesquitas: é o começo da Intifada de Al-Aqsa, com o seu cortejo de mortos e feridos. E, dissolvido o Parlamento, Sharon acaba por ser eleito primeiro-ministro em 6 de Fevereiro de 2001. São muitos os episódios que atravessam estes meses, mas deles não cabe aqui dar conta.

Entretanto, o sheikh Ahmed Yassine, líder espiritual do Hamas, é assassinado pelos israelitas em 22 de Março de 2004, e o seu sucessor, Abdel Aziz al-Rantisi, em 17 de Abril...

A retirada de Gaza, ordenada por Sharon , levantou as maiores resistências, quer nos movimentos religiosos, quer mesmo no seio de Tsahal; alguns oficiais recusam-se a cumprir a ordem de evacuar os colonos. Mas a votação na Knesset foi decisiva.

O movimento fundamentalista messiânico resolveu então ressuscitar uma instância superior espiritual e legislativa. Em 13 de Outubro de 2004, em Tiberíades, 71 rabinos promovem a criação do novo Sinédrio, tribunal supremo do povo judaico. Segundo a Bíblia, essa instituição, criada por Moisés depois da saída do Egipto, existiu até 429 E.C., quando a sua dissolução foi decidida por Teodósio II. No século XVI, o rabino Joseph Ephraïm Karo, tentou ressuscitá-la sem êxito. Os juízes modernos terão sido escolhidos depois de consulta a centenas de rabinos israelitas. Entre os eleitos figurou Yossef  Dayan, que segundo os seus colegas seria descendante directo do rei David e o candidato sonhado para se tornar o próximo rei de Israel. Dayan é o fundador do Malkout Israël, o movimento que tem por objectivo a instauração de uma monarquia no país e celebrizou-se por lançar uma maldição contra Ariel Sharon.

Devido a dificuldades de coligação governamental, Sharon decide abandonar o Likud e funda um novo partido, o Kadima (para a frente), mas devido a um acidente cerebral, 4 de Janeiro de 2006,  que o mergulhou em coma (estado em que ainda se encontra), foi substituído na chefia do governo por Ehud Olmert.

Depois da infausta, para Israel, guerra do Líbano, devido ao rapto, em 25 de Junho de 2006, do soldado Gilad Shalit, Olmert, e o seu ministro da Defesa, Amir Peretz, acabam por abandonar o poder, não sem terem desencadeado, desde 27 de Dezembro de 2008, a terrível operação contra Gaza, "Chumbo endurecido", de que resultaram cerca de 1.500 mortos palestinianos. As Nações Unidas nomearam o juiz sul-africano Richard Goldstone para inquirir da violação (comprovada) das leis humanitárias internacionais e das leis sobre os direitos do homem pela potência ocupante, Israel, contra o povo palestiniano em territórios palestinianos ocupados. O relatório da Comissão Goldstone foi francamente negativo para o estado judaico, mas Goldstone, que é judeu, acabaria por se retratar parcialmente, possivelmente devido a inconfessáveis pressões israelitas.

Nas eleições de 10 de Fevereiro de 2009, Netanyahu obtém maioria e o presidente Shimon Pérès encarrega-o de formar governo. A história mais recente é conhecida, desde o afrontamento a Obama na Casa Branca à criação de novos colonatos.

De tudo o que se escreveu, e do que por falta de espaço não se disse, decorre a tese central do livro de Charles Enderlin: a irresistível ascensão do messianismo judaico. É justo citar que os diversos governos israelitas, de esquerda ou até de direita, têm experimentado dificuldades face às atitudes dos rabinos mais extremistas que sustentam a Halakha, o corpo das leis judaicas, como superior às leis civis ou mesmo militares de Israel. E que instigam os próprios soldados a não cumprirem as instruções dos seus comandantes quando entendem que elas ferem o preceituado bíblico.

Esta imparável contaminação religiosa tem-se alargado a largos sectores da população, arriscando a transformar Israel, que se orgulha de ser a única democracia do Médio Oriente, num estado teocrático, na senda dos fundamentalismos do Irão xiita, da Arábia Saudita e países do Golfo sunitas, do expansionismo salafista, das seitas evangélicas americanas, grandes propagandistas do mais hipócrita dos puritanismos e até de largas faixas dos católicos e dos ortodoxos. O mundo monoteísta voltou a ser um lugar perigoso.

Para concluir, acrescentaria que o objectivo primeiro do messianismo hebraico é a eliminação dos símbolos islâmicos da Esplanada das Mesquitas, Haram al-Sharif, e a construção, no local, do Terceiro Templo de Jerusalém, aguardando a vinda do Messias. E, por acréscimo, a expulsão de todos os palestinianos da terra que consideram a Terra Prometida ao Povo Eleito, eventualmente para a Jordânia, como por diversas vezes foi aventado.

Por tudo isto, e para a compreensão dos acontecimentos que diariamente testemunhamos, importa ler este livro de Charles Enderlin.

2 comentários:

Zephyrus disse...

http://vigilantcitizen.com/sinistersites/sinister-sites-israel-supreme-court/

Partilho. Saudações.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA ZEPHYRUS:
Muito interessante o site indicado. "Malhas que o Império tece"