segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
BENTO XVI
O mundo foi hoje colhido de surpresa com a renúncia do papa Bento XVI. Surpresa que, nos altos círculos da Igreja, terá sido mais aparente do que real.
É certo que a renúncia de um papa não é um acto normal. O papado é por natureza de carácter vitalício e contam-se pelos dedos da mão as renúncias pontifícias na história da Igreja Católica.
A idade e a saúde não têm constituído razão bastante para renúncia, pois basta ver o estado físico em que se encontrava João Paulo II aquando da sua morte.
São pouquíssimas as renúncias de papas, sendo a mais evidente a de Celestino V (1294), que se retirou para recolhimento após quatro meses de pontificado e que terá sido provavelmente assassinado. A Igreja viria a canonizá-lo. As renúncias mais notórias são as decorrentes do chamado Cisma do Ocidente, que durou de 1378 a 1417. Neste período, existiram dois ou até três papas em simultâneo, arrogando-se todos serem o vigário de Cristo e excomungando-se mutuamente.
De 1309 (Clemente V) a 1377 (Gregório XI) a sede do Papado foi instalada em Avinhão, por imposição do rei de França. Em 1378, Gregório XI voltou a residir em Roma, morrendo nesse ano. Inicia-se aqui o Cisma. Por sua morte, os italianos elegem em Roma Urbano VI. Devido ao seu feitio autoritário, uma parte do Colégio Cardinalício resolveu anular a eleição, elegendo um outro papa, Clemente VII que voltou a residir em Avinhão.
A Urbano VI (1378-1389), sucederam em Roma Bonifácio IX (1389-1404), Inocêncio VII (1404-1406) e Gregório XII (1406-1415, morreria em 1417). A Clemente VII (1378-1394), sucederam em Avinhão Bento XIII (1394-1423) e Clemente VIII (1423-1429). Entretanto, numa tentativa de resolver o Cisma, foi eleito, em Pisa, o papa Alexandre V (1409-1410), a que sucedeu João XXIII (1410-1415). Curiosamente, o V de Alexandre foi considerado na numeração dos papas, enquanto o XXIII de João o não foi.
Houve ainda mais dois papas, ou antipapas, em Avinhão, ambos usando o nome de Bento XIV, o primeiro, Bernard Garnier (1425-1430) e o segundo, Jean Carrier (1430-1437), cuja numeração não contou para a Igreja.
Para colocar um ponto final nesta lamentável mas apaixonante história, cujo estudo se recomenda, o Concílio de Constança (1417) elegeu papa Oddone Colonna, que tomou o nome de Martinho V. Foi o fim do Cisma do Ocidente. Gregório XII renunciou em 1415 e João XXIII foi preso (o poder temporal teve, obviamente, uma importância decisiva neste longo conflito) e obrigado a renunciar também em 1415. Clemente VIII, que a Igreja considerou antipapa, foi obrigado a renunciar em 1429.
A Igreja não reconheceu na sua numeração nenhum dos papas de Avinhão (durante o período do Cisma).
Estas foram as renúncias mais espectaculares da história da Igreja.
Sobre a renúncia do actual papa, Bento XVI, marcada para o próximo dia 28 deste mês, importa recordar o que aqui escrevi em 18 de Fevereiro do ano passado. Nesse post, com o título "A Conspiração para Matar o Papa", referi que o cardeal Paolo Romeo, arcebispo de Palermo, numa inconfidência, declarara que existia uma conspiração para matar o actual papa até ao final do ano transacto. Felizmente o acto não se concretizou, mas surge agora uma "oportuna" renúncia, dois meses depois daquele prazo. Existe na Cúria Romana uma crescente contestação a Bento XVI (intelectualmente respeitado mas com algumas atitudes julgadas controversas no seio da Igreja), ou melhor, não tanto exclusivamente ao papa mas a uma sua figura muita próxima, que o tem acompanhado ao longo da carreira, o cardeal Tarcisio Bertone, Camerlengo e secretário de Estado do Vaticano, detestado pela maioria dos cardeais.
Aguardemos os próximos acontecimentos, para constatarmos se se trata apenas da resolução de questões pessoais ou se a Igreja pretende um novo Pontífice que adopte uma linha substancialmente (tanto quanto isso é permitido na Santa Sé) diferente da seguida no actual pontificado e destinada a enfrentar os cada vez mais complicados problemas com que se defronta a Igreja Católica.
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1 comentário:
O que é um papa depois de retirado. Os bispos conservam a dignidade inerente, passando a resignatários após deixarem, por força das disposições canónicas relativas á idade, as respectivas dioceses.
Os cardeais, são-no até à morte, embora não possam participar nos conclaves após os 80 anos.
E o papa?
Como este caso é inédito nos últimos 600 anos, isto é, desde a Idade Média, aguardemos para ver.
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