domingo, 31 de julho de 2011

HAMA - OUTRA VEZ

Vista da cidade

As quatro noras no rio Orontes

As quatro noras no rio Orontes

Museu Nacional

Museu Nacional

Grande Mesquita

Grande Mesquita

Igreja Ortodoxa
Restaurante Al-Bishriyat, sobre o rio Orontes

A cidade de Hama, que hoje foi palco de sangrentos acontecimentos, remonta ao Neolítico, e foi capital de um reino aramaico que manteve relações comerciais com Israel no tempo dos reis David e Salomão (c. 1000 AC). Foi depois ocupada pelos assírios e juntou-se a Damasco, numa revolta contra Shalmanazar. Submetida novamente em 722 AC por Sargão II, foi destruída e os seus cidadãos deportados. Reconstruída no tempo dos Seleucidas, foi cristianizada e integrou depois os impérios romano e bizantino. 

Conquistada pelos árabes em 637, prosperou sob a dinastia Ayyubida (descendentes de Saladino). Manteve conflitos com as dinastias rivais de Damasco e Alepo, mas sob a égide dos mamelucos, o grande poeta árabe Abu Al-Fida (1273-1331), cujo túmulo se encontra na Grande Mesquita, foi designado sultão.

Em Fevereiro de 1982, já em plena república da Síria, o presidente Hafez Al-Assad esmagou uma revolta da população, liderada pelos Irmãos Muçulmanos, que se saldou pela morte de cerca de 30.000 civis e mais de 1.000 soldados e pela destruição parcial da cidade. As tropas que então bombardearam Hama por terra e por ar eram comandadas pelo seu próprio irmão Rifaat Al-Assad.

Embora de menores proporções, o episódio repetiu-se hoje, quando esta manhã os tanques cercaram novamente Hama e provocaram mais de 100 mortos e dezenas de feridos, numa repressão contra a manifestação de contestação ao regime do presidente Bashar Al-Assad, que reuniu meio milhão de pessoas.

Já escrevi aqui que a situação na Síria está a assumir uma dimensão trágica. Ao contrário da Tunísia e do Egipto, o regime na Síria não se mostra disposto a ser derrubado e a sua queda, a verificar-se, provocará o caos no país. Também não se vislumbra, nem se deseja, a intervenção estrangeira, cujos resultados na Líbia demonstram a impertinência da invasão da NATO. 

A oposição dos sírios a Al-Assad, confiantes no triunfo das outras revoluções árabes, foi demasiado precipitada e violenta e à medida que os mortos aumentam mais difícil se torna um recuo na contestação. E a demora na adopção de medidas reais por parte do presidente Bashar Al-Assad um erro. Por outro lado,  a intensidade da repressão foi desde o início desproporcionada face às manifestações de oposição ao regime.

Não sei o que o futuro reserva aos Sírios, mas quero expressar aqui a minha sentida solidariedade.

OS TRIBUNAIS, AS BRUXAS E DEUS


 Arthur Miller escreveu The Crucible no princípio dos anos cinquenta. A peça foi estreada na Broadway em 22 de Janeiro de 1953, tinha então o dramaturgo 37 anos. Foi a sua segunda grande peça, depois de Death of a Salesman (1949). Tendo por tema um trágico evento registado em Salem (Massachussetts, E.U.A.) em 1692, um suposto caso de bruxaria que levou à prisão de dezenas de pessoas e à condenação à morte de 20 homens e mulheres por um tribunal que invocou em vão o nome de Deus, a peça, conhecida entre nós como As Bruxas de Salem, pretende mais do que evocar um lamentável episódio, tão ao gosto do puritanismo anglo-saxónico do Novo Mundo, denunciar a perseguição feroz desencadeada contra membros do Partido Comunista ou afins, pela Comissão de Actividades Anti-Americanas,  conduzida pelo senador Joseph McCarthy, e que provocou enormes danos pessoais e intelectuais na sociedade americana.

Esta peça notável encontra-se agora em cena no Teatro Experimental de Cascais (TEC), com encenação de Carlos Avilez, constituindo um espectáculo de grande intensidade dramática, em que a companhia do TEC e os alunos da Escola Profissional de Teatro de Cascais emprestam ao texto de Arthur Miller a interpretação requerida por tão emocionante e lúcida obra. Registe-se que foi n'As Bruxas de Salem que, em 1957, Carlos Avilez se estreou como actor, na estreia da peça em Portugal, no Teatro Nacional D. Maria II, num memorável espectáculo da Companhia Amélia Rey-Colaço/Robles Monteiro, a que tive o privilégio de assistir.

Num mundo recheado de superstições e de preconceitos como aquele em que vivemos, em que a Justiça não passa muitas vezes de uma palavra vã, em que se condenam inocentes e se absolvem criminosos, em que se corrompem consciências, se promove a delação, se exaltam  pretensas virtudes e se idolatram falsos profetas, em que se promove a guerra preventiva com o pretexto de salvaguardar a paz, esta peça revela-se de uma actualidade absoluta. Por isso deve ser vista não só pelos amantes do teatro como por todas as pessoas que ainda têm da virtude e da honra uma noção não prostituída.

sábado, 30 de julho de 2011

DEZ MILHÕES DE EUROS PARA O LIXO


Noticiou ontem o jornal Diário de Notícias que as vacinas que chegaram a Portugal em 2009 para combater a pandemia da gripe A (H1N1) começam a perder a validade em Agosto próximo. O Ministério da Saúde pagou dois milhões de doses à farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), mas apenas setecentas mil foram utilizadas. Para as restantes, a única solução é a sua destruição, o que significa um prejuízo de 9,7 milhões de euros.

É evidente que mais vale prevenir do que remediar. Mas seria necessário um número tão elevado de doses? Houve um alarme em Portugal que levou o governo de então a uma aquisição exagerada? Houve esse alarme também nos outros países? Parece que sim. Têm os governos relações de demasiada proximidade com as indústrias farmacêuticas? O alarme mundial desencadeado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) tinha fundamento? Estará a OMS mancomunada com a indústria farmacêutica,  no sentido de difundir falsos alarmes com vista ao aumento fabuloso de proventos por parte dos laboratórios internacionais? Não quero crer, já que tal promiscuidade conferiria à OMS um estatuto de organização criminosa.

Contudo, e para evitar gastos potencialmente desnecessários, mormente em períodos de "vacas magras", é conveniente averiguar, a nível internacional, o que correu mal, não pela ausência de necessidade de utilização das vacinas e pelo fraco impacto da epidemia, facto com o qual só nos devemos congratular, mas pelo dispêndio, porventura munificente, de milhões de euros, que uma previsão mais rigorosa teria podido evitar.

INSTABILIDADE MILITAR NA TURQUIA


O general Isik Kosaner, chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Turquia e os chefes do Estado-Maior do Exército, da Armada e da Força Aérea, e mais um grupo de oficiais generais, demitiram-se hoje em Ancara, após semanas de tensão com o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, na sequência da detenção de vários generais e almirantes e outros oficiais superiores, acusados de conduzirem na internet uma campanha contra o que consideram ser a agenda islâmica secreta do governo. O conflito entre o governo do partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e os militares arrasta-se há alguns anos. A Turquia actual, república laica fundada por Mustafa Kemal Atatürk, conheceu já quatro golpes militares, em 1960, 1971, 1980 e 1997, devido ao conflito entre uma governação considerada pró-islamista e os defensores intransigentes do laicismo, de que as Forças Armadas são o principal, mas não o único, bastião.

O presidente da República Abdullah Gül nomeou interinamente como chefe do Estado-Maior General e Chefe do Estado-Maior do Exército, o general Necdet Özel, comandante da Gendarmaria, o único alto comandante a não ter apresentado a sua demissão.

A renúncia em bloco de todas as altas patentes provocou surpresa no país. Apesar do apoio popular de que o governo dispõe (o AKP teve 50% dos votos nas eleições legislativas do mês passado) não é de excluir nova intervenção militar considerando a dimensão do descontentamento dos oficiais generais e superiores e da faixa mais laica da população turca.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

QUAL O ESPANTO?


Segundo o jornal Público a Standard & Poor's reduziu o rating da Grécia, colocando a dívida helénica à beira do incumprimento.

Qual o espanto?

Todos sabemos que as agências de notação financeira estão ao serviço da especulação financeira internacional, nomeadamente a norte-americana, e que os seus proprietários são a banca e as seguradoras que emprestam o dinheiro aos Estados ou a particulares, determinando as taxas de juro de acordo com os seus próprios interesses. A classificação dos países ou das instituições não tem qualquer base objectiva, limitando-se tão só a servir os interesses inconfessáveis (acho que hoje já são abertamente confessáveis) dos prestamistas.

O que se verifica com a Grécia, verifica-se coma Irlanda, com Portugal, com a Itália, com a Espanha e por aí fora. O grande objectivo destas agências é proclamar todo o mundo insolvente. Não compreendo para quê? Os homens sinistros que se movimentam nos corredores da finança internacional, e que o filme Inside Job, já aqui citado, referencia com alguma precisão, vão morrer como todos os outros e não vão levar para a cova (quero crer que eles não pensem isso) o dinheiro que andam a extorquir aos pobres deste mundo. É gente que nunca deveria ter nascido e cuja presença à face do planeta constitui motivo para choro e ranger de dentes.

A grande desregulação começou nos tempos de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, arautos de um neoliberalismo que conduziu o mundo à situação actual. Suspeitariam eles da eficácia da mão invisível do mercado? Não creio.

Espero, e desejo, que se verifique uma correcção nos mecanismos financeiros que estão a destruir a economia mundial e a sobrevivência humana. Levará algum tempo, certamente, mas as grandes batalhas da História não se conseguem travar no imediato, especialmente com inimigos tão poderosos.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

AINDA SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO


Vasco Graça Moura, hoje, no Diário de Notícias:

Deveras decepcionado

O Acordo Ortográfico significa a perversão intolerável da língua portuguesa. Sempre admirei o saber jurídico, a obra académica e a postura cívica do meu amigo Jorge Miranda. Mas não posso concordar com as considerações que ele faz sobre tão sinistro instrumento, no Público de 13.7.2011.
Uma pessoa pode deixar-se embalar por uma concepção tão poética quanto irrealista da pretensa unidade ortográfica (ontológica, mítica, sublimada...) da nossa língua; pode mesmo prestar tributo a um certo darwinismo, em que o facto de o Brasil ter 200 milhões de pessoas seria razão bastante para sacrificar a norma seguida por mais de 50 milhões de outros seres humanos...
Mas o que ninguém pode é passar em claro que o AO leva ao agravamento da divergência e à desmultiplicação das confusões entre as grafias e faz tábua rasa da própria noção de ortografia, ao admitir o caos das chamadas facultatividades. Sobre tudo isso existe, de há muito, abundante material crítico, com destaque para os estudos essenciais, demolidores e, note-se, não contrariados, de António Emiliano.
Ora sendo JM um constitucionalista eminente, é nessa perspectiva que convém interpelá-lo.
O AO não está nem pode estar em vigor. A vigência de uma convenção internacional na nossa ordem interna depende, antes de mais, da sua entrada em vigor na ordem internacional. Terá o AO começado a vigorar no ordenamento internacional quando há Estados subscritores que ainda não o ratificaram, decorridos mais de 20 anos sobre a sua celebração? E esse mesmo facto não inviabilizará o próprio AO, por impossibilidade manifesta do fim que ele se propunha e que era o de alcançar uma "unidade" ortográfica aplicável a todos aqueles Estados?
Por outro lado, e quanto ao chamado segundo protocolo modificativo, que não foi também ratificado por todos os Estados que o subscreveram, poderá a ratificação por três desses Estados sobrepor-se aos ordenamentos constitucionais dos restantes e vinculá-los a todos, levando-os a acatar, por esse expediente trapalhão, algo que eles como Estados soberanos também não ratificaram? Significará isto uma vigência do protocolo na ordem externa, de modo a que ele possa vigorar em Portugal ou aplicam-se ao caso os mesmos princípios que acima referi?
Uma outra ordem de questões prende-se com um pressuposto essencial. O art.º 2.º do AO exige que, antes da sua entrada em vigor, os Estados signatários tomem, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração "de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas".
Esse vocabulário comum nunca existiu. Não há notícia de que esteja em vias de ser elaborado, nem de encontros de instituições ou órgãos competentes dos oito países de língua portuguesa para tal efeito.
Sendo assim, como é que se pode sustentar a vigência e aplicabilidade do AO?
Por último, está mais do que demonstrado o risco de a língua portuguesa, tal como a falam os mais de 50 milhões de pessoas que não seguem a norma brasileira, vir a ser muito desfigurada, na relação entre grafia e oralidade, em especial no tocante à pronúncia. Vários especialistas se têm referido a isto e, já em 1986, nada menos de 20 colegas de JM, docentes da Universidade Clássica (Faculdade de Letras), sustentaram, entre outras críticas fortes e fundamentadas, que todas as alterações introduzidas num dado sistema gráfico deviam ser equacionadas também em função da relação entre o oral e o escrito, sendo "inaceitável que ajustes ou reformas linguísticas potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis".
Sendo assim, como é que se pode negar a violação dos artigos da Constituição que protegem a língua portuguesa não apenas como factor de identidade nacional mas também enquanto valor cultural em si mesmo, em especial os art.os 9, alíneas e) e f) e 78, alíneas c) e d)?
Ponderando estes e outros aspectos, JM só não poderá ficar "dececionado" com tais aberrações porque "dececionado" é uma grafia criminosa. Mas espero francamente que ele se sinta deveras decepcionado!

terça-feira, 26 de julho de 2011

A MATANÇA DOS INOCENTES



- Doctor Atomic, ópera de John Adams, com libretto de Peter Sellars
- Nederlands Philharmonisch Orkest, sob a direcção de Lawrence Renes
- Koor van De Nederlandse Opera
- Encenação de Peter Sellars
- Co-produção da Nederlandse Opera, da San Francisco Opera e da Lyric Opera of Chicago
- Estreia mundial na San Francisco Opera em 1 de Outubro de 2005

Um espectáculo sobre a acção do físico Julius Robert Oppenheimer na concepção da bomba atómica, sobre as dúvidas e angústias dos intervenientes no processo, sobre a "nomenklatura" norte-americana e sobre o ensaio em Alamogordo do mortífero engenho, dias antes do seu lançamento sobre a cidade de Hiroshima, em 6 de Agosto de 1945, completam-se 66 anos na próxima semana.

A bomba que arrasou Hiroshima provocou 250.000 mortos e feridos, além dos danos materiais e dos efeitos colaterais que ainda hoje se fazem sentir.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

ANDERS BEHRING BREIVIK


À medida que se conhecem pormenores sobre os atentados praticados em Oslo, que alguma comunicação social se apressou a dizer na primeira hora que seriam obra de islamistas, cresce a perplexidade sobre as razões do morticínio e a operacionalidade da sua execução.

O confesso autor do sinistro evento, Anders Behring Breivik, num manifesto de 1.500 páginas publicado em inglês na net horas antes da matança, e intitulado "2083 - A European Declaration of Independence", denuncia por um lado um perfeito conhecimento da realidade dos países europeus, dos seus políticos e das suas instituições (Portugal incluído com 10.807 pessoas assinaladas como alvos a eliminar), e por outro um clamoroso desconhecimento da história da Europa e da história universal.

Parece que o seu combate primordial se dirige contra o multiculturalismo, mas esquece que a Europa em que vivemos hoje é exactamente um fruto da convivência cultural, nomeadamente com muçulmanos, ao longo de muitos séculos. Esta flagrante contradição não deixa de ser enigmática.

Por outro lado, ao afirmar-se cristão, maçon, templário e não sei que mais, não encaixa nessas categorias o assassinato em massa, nem se afigura verosímil para um anti-islamista que as suas reais vítimas tivessem sido jovens noruegueses, cristãos luteranos e eventualmente até maçons.

Que a política europeia dos últimos anos deixa muito a desejar é matéria que não oferece dúvidas, mas este acto louco (ou  não) foi cometido contra os seus próprios compatriotas. Recentes declarações de estadistas (ou pseudo-estadistas) europeus contra o multiculturalismo podem ter exacerbado ânimos nos últimos tempos, mas é um facto que a convivência de culturas na Europa do século XXI é uma inevitabilidade histórica, que o integracionismo absoluto é uma falácia e que, dadas as vagas de imigração árabe (e não só) das últimas décadas, o único modelo passível de funcionar é o que chamaria de "multiculturalismo integrado"", ou seja um multiculturalismo sem perturbação das diversas entidades nacionais-culturais europeias.  Modelo passível de realização, embora mais difícil de implementar hoje do que há duas ou três décadas.

Refere também Breivik, no seu Manifesto, a possibilidade de uma guerra civil europeia, até 2030, e de um golpe de Estado pan-europeu, entre 2030 e 2070. Se esses acontecimentos se vierem a verificar, tudo indica que eles serão precisamente no sentido contrário ao do que Breivik desejaria. Menciona ainda Brevik a sua indignação contra o bombardeamento de Belgrado em 1999; curiosamente, nesse aspecto estará de acordo com a maioria dos marxistas (que ele tanto parece odiar) e dos homens de esquerda em geral, que se manifestaram energicamente contra esse acto, realizado pela NATO por pressão da então secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright. Mas o bombardeamento da Sérvia não foi exactamente por causa dos muçulmanos mas tão só porque os americanos queriam dispor de bases militares num Kosovo independente.

Assim, o Manifesto de Breivik e os actos que supostamente praticou (aguarda-se o julgamento, já que a primeira confissão à polícia e as suas declarações hoje em tribunal não são coincidentes) resultam num emaranhado de contradições que importará esclarecer tão rapidamente quanto possível.

A ocorrência deste crime num momento de profunda crise europeia poderá não ter sido um acaso. Como alguém disse uma vez: "Não há coincidências".

A confirmar-se, como se espera, a autoria do acto (acto louco mas não obra de um louco), Breivik merece um castigo exemplar.

domingo, 24 de julho de 2011

NOVOS CONFRONTOS NO CAIRO


Registaram-se ontem novos incidentes no Cairo, quando mais de mil pessoas pretenderam dirigir-se ao ministério da Defesa, sede do Conselho Supremo das Forças Armadas, gritando "abaixo o poder militar". O exército impediu o acesso dos manifestantes, tendo-se verificado cerca de 300 feridos nos confrontos.

O Conselho Supremo acusou entretanto a organização de jovens "Movimento 6 de Abril" cuja acção através da net levou à queda do presidente Mubarak, de pretender criar uma divisão entre o povo e o exército.

Muitos egípcios entendem que as Forças Armadas continuam a nada fazer para alterar "de facto" a situação no país, criticando o presidente do Conselho Supremo, o marechal Tantawi, ex-ministro da Defesa de Mubarak, de ter uma atitude conciliadora com os elementos do anterior regime. (Não seria de esperar que pudesse ter uma atitude diferente).

Entretanto, com o declínio abrupto do turismo, uma das principais fontes de receita do Egipto, a situação económica e social tende a degradar-se para níveis cada vez mais baixos. Como está, aliás, a suceder na Tunísia e nos outros países árabes com um turismo desenvolvido.

MARIA LÚCIA LEPECKI


Segundo informa o jornal Público, morreu hoje, com 71 anos, a escritora e ensaísta brasileira de nascimento mas de nacionalidade portuguesa, Maria Lúcia Lepecki. Professora catedrática da Faculdade de Letras, com uma tese de doutoramento sobre Camilo Castelo Branco, Lúcia Lepecki, leitora infatigável e amante dos livros, foi uma grande investigadora e divulgadora da cultura portuguesa.

Era conhecida a sua oposição pública ao novo acordo ortográfico, uma nódoa do anterior Governo, que em má hora a Assembleia da República aprovou e o Presidente da República promulgou. Dizia Maria Lúcia que os portugueses e os brasileiros se entendem perfeitamente sem precisarem de qualquer acordo. Não consta que alguma vez o Reino Unido e os Estados Unidos e os outros países anglófonos tenham pensado sequer na necessidade de um acordo ortográfico.

Deseja-se que este Governo tenha a coragem de promover a revogação de tão sinistro instrumento.

sábado, 23 de julho de 2011

D. DUARTE E A SÍRIA


Porque me encontrava no estrangeiro, só hoje tive conhecimento, através de um amigo, da deslocação à Síria do pretendente ao trono de Portugal, D. Duarte de Bragança, e das suas declarações à Agência Lusa, publicadas pelo jornal "i", em 7 do corrente. Passo a transcrever:

«O presidente da Síria, Bashar al-Assad, é "um homem muito bem intencionado", afirmou hoje o duque de Bragança, D. Duarte, que se encontra na capital síria para contactos com elementos do regime, à Agência Lusa.

Em declarações telefónicas a partir de Damasco, D. Duarte justificou a sua deslocação ao país: "O presidente da República [síria, Al-Assad] convidou-me para vir cá e, por um lado, conhecendo-o, [sei que] é uma pessoa com um fundo muito bom e um homem muito bem intencionado e, por outro lado, a instabilidade nesta região é, de facto, muito perigosa. Por isso, achei que devia aceitar e tentar ver se a minha intervenção pode ser útil".

A repressão do movimento de contestação, que eclodiu a 15 de Março, na Síria, já provocou a morte a mais de 1.300 civis e milhares de refugiados, segundo várias organizações não-governamentais. A comunidade internacional tem apelado a Al-Assad para que reforme ou renuncie.

Reconhecendo que o anterior presidente, Hafez Al-Assad dirigia um “regime de força bastante violento”, D. Duarte defende que o actual presidente, filho do antecessor, é “um médico muito estimado por toda a gente” e que, “desde que assumiu o poder, tem tentado democratizar e humanizar a política, e já conseguiu grandes avanços”.

Considera que “a alternativa” a Bashar al-Assad é “o movimento islamista e a possibilidade de um grande caos local”, semelhante ao que se passa na Líbia.

D. Duarte afirma que está “pessoalmente convencido de que a intenção [de Al-Assad] de copiar o modelo marroquino é muito sincera”, acrescentando que, em Marrocos, “se transformou um Estado que era pouco democrático num Estado inteiramente democrático”.

De acordo com o duque de Bragança, “o ambiente é completamente calmo” na capital do país, Damasco, e “não há qualquer tipo de situação desagradável”, embora se assista a uma “situação bastante explosiva” em várias cidades sírias junto à fronteira com a Turquia.

Referindo-se às reuniões que teve com os membros do governo sírio, o duque de Bragança afirma que “há a nítida sensação de que as forças armadas não estão preparadas para lidar com este tipo de situação”, assegurando ainda que “mais de uma centena de militares e de polícias foram degolados pelos grupos de oposição militante”.

Adiantou também que existem “dois tipos de oposição”: por um lado, “os irmãos muçulmanos, que são islamistas e já fizeram noutros países revoluções violentas” e “a oposição que quer a democracia”.

Pela sua parte, esclarece que se tem “encontrado com o governo e com o presidente” para colaborar na criação da futura Constituição da Síria, “muito semelhante à marroquina”, que garante a liberdade de imprensa, política e religiosa.

D. Duarte esteve hoje reunido com o presidente, com o primeiro-ministro, Adel Safar, bem como com “individualidades da oposição moderada”, e pretende “aproveitar as boas relações pessoais” que tem com Al-Assad e outras pessoas na região para “tentar ajudar a que se encontre uma solução”.

Em Damasco há três dias, o duque de Bragança disse à Agência Lusa que o seu regresso não está marcado e “depende de quando achar que já não vale a pena continuar no país”.

A sua agenda está também “muito dependente das oportunidades de contacto” que surgirem mas, para já, não estão previstas deslocações a outras cidades do país.»

Jamais imaginaria este encontro entre D. Duarte e Bashar Al-Assad, mas a política tem razões que a razão desconhece. Escrevi já algumas vezes neste blogue sobre a situação na Síria, preocupante para esse país, para o Médio Oriente e para o mundo em geral. Considero lamentável a repressão levada a cabo pelo regime sírio, que provocou até agora mais de mil mortos, entre civis e militares, e creio que teria sido possível encontrar uma solução de compromisso, através de uma via efectivamente reformista. Agora, é difícil o recuo de qualquer das partes.

Não acho que D. Duarte esteja suficientemente informado da situação, embora concorde com os seus receios quanto ao futuro do país. Talvez a ida de D. Duarte a Damasco se deva à intervenção do rei de Marrocos, igualmente a braços com uma contestação interna que pretende ultrapassar pela outorga de uma nova Constituição. O problema é que a Síria é uma república e Marrocos uma monarquia, e os revoltosos sírios pretendem não só a queda do governo mas a substituição de Al-Assad. Numa coisa D. Duarte terá certamente razão: a queda do actual regime sírio lançará o país no caos, tal como o derrube de Saddam Hussein, pelas forças anglo-americanas, provocou a destruição do Iraque, com mais de cinco milhões de mortos, feridos, estropiados, desalojados, emigrados, etc., além da devastação do inestimável património cultural mesopotâmico de que o país era o herdeiro. Depois da interminável guerra civil no Líbano (provisoriamente suspensa), da destruição e permanente insegurança do Iraque, da eternização do conflito israelo-palestiniano, um conflito de longa duração na Síria seria a cereja no cimo do bolo.

É certo que os negociantes de armamento precisam de fomentar revoltas e guerras para vender armas. Mas sugere-se um pouco de moderação!

sexta-feira, 22 de julho de 2011

ATENTADO EM OSLO



Uma violenta explosão registada às 14.30 (hora de Lisboa) de hoje no edifício da sede do governo norueguês, atingiu também o ministério das Finanças, o ministério do Petróleo e a sede do jornal VG.


A explosão provocou avultados estragos materiais e pelo menos sete mortos e 15 feridos; o primeiro-ministro norueguês, Jens Stoltenberg, cujo gabinete ficou destruído, não se encontrava nas instalações.


A estação central de caminhos de ferro de Oslo foi evacuada devido à existência de embrulhos suspeitos no local.


Ocorreu também um ataque na Conferência do Partido Trabalhista em Utoya, próximo da capital, mas não se conhece ainda o número de vítimas.


Aventa-se a hipótese do atentado estar ligado à ameaça de expulsão do mullah Krekar, fundador do grupo islamista curdo Ansar al-Islam, formalmente acusado há dias de ameaçar a antiga ministra e líder do Partido Conservador Erna Solberg.


Aguardam-se informações mais detalhadas.

LUCIAN FREUD


Morreu anteontem à noite, em Londres, aos 88 anos, o célebre, influente e controverso pintor Lucian Freud, neto do não menos célebre Sigmund Freud.

Natural de Berlim, emigrou com a família para a Inglaterra em 1933, tornando-se cidadão britânico em 1939.

Entre os seus retratos notáveis, conta-se o da rainha Isabel II.

O jornal  Guardian traz uma notícia desenvolvida sobre a arte de Lucian Freud.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O RIGOR PARA OS ESPECULADORES

 Pode ler-se no "Nouvel Observateur" online:

  La rigueur ? Mais pour les spéculateurs !

CRISE. Alors que les plans de rigueur budgétaire touchent essentiellement les peuples, l'ancien ministre Jean-Claude Gayssot émet une proposition radicale : "prendre l’argent là où il est".
Sélectionné et édité par Hélène Decommer

Temps de lecture Temps de lecture : 2 minutes

Les "agences de notations" dont le commun des mortels n’avait jamais entendu parler, feraient la pluie et le beau temps concernant la gestion financière des États. Ces systèmes privés de surveillance des débiteurs et des créditeurs ont été mis en place par les États-Unis.

agence de notation JPDN/SIPA
Les sites internet des trois principales agences de notation (JPDN/SIPA)

Loin d’être indépendants, ces outils, pour ne pas inassouvir les banques américaines et par ricochet les européennes, n’ont jamais alerté publiquement sur les risques de l’endettement des acheteurs de logements particuliers.

Résultat, cette dette privée s’est traduite en dette publique et le monde, régit par l’exclusive loi des marchés financiers, est passé à deux doigts de la faillite. Cette crise bancaire révélait une crise plus profonde d’un système où la valeur des produits et des services, en d’autres termes la valeur travail, a cédé le pas aux gains spéculatifs, virtuels, indifférents aux réalités.

Résultat, toutes celles et tous ceux qui n’ont que leur travail pour vivre sont menacés d’être soumis à la diète, à dix ans de rigueur et d’austérité, au chômage et aux fins de mois plus difficiles. Ce sont les peuples qui, en Europe et au-delà, en font les frais !

Ce monde marche à l’envers. Il faudrait, me semble-t-il, simultanément à une réorganisation du système financier à l’échelle mondiale, proposer un moratoire de la partie de la dette liée aux politiques de relance des investissements et de l’emploi pour éviter l’effondrement catastrophique de l’activité. Disant cela, je ne dis pas que la question de la dette est secondaire. Mais je crois que celle liée aux réalisations à moyen et long terme méritent une toute autre approche que les discours actuels.

Évidemment, cette partie de l’emprunt devrait être immédiatement gagée sur une taxation des flux, notamment à très court terme sur les marchés financiers. Ceux qui font du spéculatif leur fond de commerce exclusif se moquent comme de leur première chemise des conséquences humaines qui résultent de leurs transactions à la micro seconde.

Oui, je pense qu’il faut prendre l’argent là où il est. Il s’échange par jour plusieurs milliers de milliards de dollars. Ne devrait-on pas les taxer un peu plus que le 0,1 % actuellement proposé ?

L’Europe dans l’immédiat (en tous cas "la zone Euro") devrait créer une Agence publique européenne de conseil et de surveillance des banques et des comptes des États, afin que soient en permanence informés tous les acteurs de la vie économique et sociale : élus, partenaires sociaux, et que les décisions, y compris celles permettant d’entrer dans "la zone Euro", soient prises avec toutes les garanties nécessaires.

Bien sûr, rien ne peut se faire à l’échelle d’un seul État dans ce domaine, sauf à décider le retrait de l’Europe, de l’Euro et à se couper du monde. Mais la parole et l’engagement de la France dans une telle voie auraient le soutien des opinions publiques chez nous et au-delà de notre pays.

O AVISO DO BISPO



O bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, pronunciou-se ontem, em entrevista à RTP, contra o corte do subsídio de Natal. Mais avisou o prelado que o clima que se está a viver em Portugal, com a diminuição drástica do nível de vida da população, é propício à eclosão de perigosa agitação social.

Alguns outros bispos pretendem que a Conferência Episcopal Portuguesa tome posição relativamente à  ofensiva do capital contra o trabalho, que se assiste no nosso país, e um pouco por toda a Europa.

Aguarda-se, aliás, que face ao desmoronamento da União Europeia, para cuja manutenção efectiva começam a escassear soluções, devido à intransigência dos grandes potentados da finança internacional, venha a ter lugar, brevemente, uma intervenção solene do próprio papa Bento XVI.

Esperemos, pois, pela voz da Igreja.

AS GOLDEN SHARES


Medeiros Ferreira, no seu blogue Córtex Frontal, pergunta:  QUANTO VALERAM AS GOLDEN SHARES?

O Governo anunciou, naquele seu estilo impreciso e vago, que tinha abdicado das golden-shares que o Estado detinha como accionista em várias empresas que tinham sido privatizadas com aquela cautela e posição. Sabíamos que a Comissão de Bruxelas há muito que pretendia acabar com essa situação, e que aproveitou o Memorando de Entendimento para arrumar com o assunto. Entretanto Joe Berardo veio a público dizer que tinha oferecido, no tempo do interesse estratégico nacional, 200 milhões de euros pelas acções douradas na PT. Pergunta-se: o governo pretende manter as acções que o Estado possui nessas empresas, ou vai vendê-las agora que elas foram banalizadas e valem menos? Quem serão os felizes compradores? E sobre o pagamento da dívida externa o governo não pretende gerar receitas com pelo menos parte dessas acções, que já foram «robustas» na linguagem de outro ilusionista?

Também a privatização de empresas contra-relógio exigida pela "troika" suscita muitas interrogações. Uma venda com prazo marcado será certamente uma venda ao desbarato, que não permitirá ao Estado arrecadar as verbas que poderia obter em circunstâncias diferentes. Haverá certamente quem ganhe com o negócio, mas não os portugueses.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL


Segundo o jornal Público, o eurodeputado do PSD Paulo Rangel afirmou que “o cenário de guerra na Europa não está posto de lado. Desintegração europeia é uma questão de meses".

Temos afirmado que os acontecimentos verificados nos últimos tempos perspectivam a eclosão de uma guerra não só na Europa mas a nível mundial. Seria bom que todos lessem os sinais que se desenham no horizonte. Esta afirmação de Rangel é absolutamente pertinente e, caso não se modifiquem rapidamente as "regras do jogo" a nível europeu e internacional, seremos rapidamente conduzidos a um conflito armado, que aliás já está a ser ensaiado em laboratório com os acontecimentos verificados nos países árabes.

Estejamos, pois, atentos!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

MORTE ESTRANHA NO REINO UNIDO


O antigo jornalista do News of the World, Sean Hoare, o primeiro a confirmar publicamente a prática de escutas ilegais no tablóide, foi encontrado morto nesta segunda-feira, em casa.

Segundo informa o jornal Público, a morte está ainda por esclarecer, mas não é considerada suspeita. Mesmo assim, o chefe da Scotland Yard apresentou ontem a sua demissão e o escândalo das escutas está a agitar a vida política britânica e a provocar uma tempestade na Câmara dos Comuns. O magnata Rupert Murdoch, envolvido profundamente nos processos menos límpidos do seu império comunicacional tenta salvar dos escombros o que pode, mas as ligações perigosas da política e do jornalismo atingem aqui um pico inusitado.

Recorde-se que desde os tempos do sinistro Tony Blair que a promiscuidade entre o poder e a comunicação social se instalara em Downing Street, para não recuarmos mais no tempo. O diário Guardian fornece uma notícia detalhada sobre Hoare e o escândalo que abala o Reino Unido, se ainda alguma coisa, depois das mentiras sobre as armas de destruição maciça do Iraque, poderá abalar aquele país.

O DILEMA SÍRIO

Monumento a Saladino, frente às muralhas da Cidade Velha de Damasco

A revolta popular contra o regime de Bashar Al-Assad e a consequente repressão governamental, que já provocou mais de mil mortos, revestem-se da maior gravidade, ainda que grande parte da comunicação social a nível mundial não lhes atribua a importância devida, preferindo salientar apenas os aspectos exteriores susceptíveis de criar maior impacto junto do público.

É certo, e sabido, que a república síria, sendo formalmente uma democracia, como o eram a tunisina e a egípcia, é um regime ditatorial e que Bashar "herdou" o poder por morte de seu pai, o presidente Hafez Al-Assad. Também é verdade que o novo presidente, no poder há uma década, empreendeu reformas económicas e sociais, mas o sistema político manteve-se praticamente inalterado. A "primavera de Damasco" não trouxe - nem poderia trazer - o estabelecimento de uma democracia representativa.

Os movimentos de contestação política, iniciados na Tunísia no final do ano passado e que rapidamente se propagaram ao Egipto e a outros países árabes, não poupariam obviamente a Síria, ainda que fosse crível esperar que não se revestissem da violência que têm assumido. 

Todos os países árabes são governados de forma mais ou menos autoritária  e apesar do triunfo das revoluções na Tunísia e no Egipto, não foi ainda dita a última palavra sobre o desfecho da contestação popular. A Tunísia já adiou as eleições para uma assembleia constituinte e no Egipto a Junta Militar mantém um suspense sobre o evoluir dos acontecimentos. Nem todas as cartas estão jogadas. A situação na Líbia arrasta-se penosamente, com numerosas vítimas, e nem Qaddafi sai nem o Conselho Provisório, apoiado pela NATO, se instala em Tripoli. 

O caso da Síria é, todavia, mais complicado. Como, aliás, todo o Médio Oriente, fruto de uma partilha, feita a régua e esquadro pela Grã-Bretanha e a França, de territórios outrora pertencentes ao Império Otomano. Os novos países, criados segundo os interesses ocidentais, retalharam etnias e religiões, dispersaram tribos, dividiram populações. A convivência pacífica na Síria, nos últimos anos, e uma relativa liberdade, é, paradoxalmente, facto da existência de um regime ditatorial que assegura a coexistência de gentes muito diversas. E esse regime funciona sob a direcção da "família" alauita, que não representa mais do que 10% da população do país. A implantação de um regime de eleições livres levaria inevitavelmente à queda do regime. 

A contestação coroada de (aparente) êxito na Tunísia, que levou à saaída do presidente Ben Ali, foi o rastilho que incendiou o mundo árabe. Os povos de todos os países decidiram aproveitar a oportunidade, julgando ver chegada a sua hora, mas as coisas não foram, não são, nem serão tão fáceis de resolver, como os mais entusiastas puderam pensar. E as consequências revelar-se-ão pesadas. Além do mais, existem outros actores nestas revoluções que não apenas os povos revoltados, porque ninguém acredita que não haja ingerências estrangeiras nestes movimentos inicialmente espontâneos. Na Líbia, sob o pretexto inicial de uma acção humanitária, a intromissão é por todos visível. Sem prejuízo de sabermos que Qaddafi é o mais antigo líder árabe no poder, o mais imprevisível e o mais opressor.

Regressando ao Médio Oriente, o panorama é desolador. O Iraque, que manteve alguma tranquilidade interna durante o regime de Saddam Hussein (descontando a repressão dos curdos), foi devastado pela invasão anglo-americana e de mais alguns países. O Líbano conheceu nas últimas décadas uma interminável guerra civil, que nada garante não volte a reacender-se. A Jordânia vive um equilíbrio instável. A Palestina continua ansiando por uma independência justa, sucessivamente protelada. A Síria, onde tem reinado um clima de paz nos tempos recentes, arrisca-se a uma confrontação de duração imprevisível e de efeitos devastadores, caso se verifique um desmoronamento do actual regime.

A ideia de "exportar a democracia", tão cara a Bush e ao seu bando, nunca teve por objectivo a instalação da democracia nos países árabes mas sim o estabelecimento de uma economia de mercado ultra-liberal, que teve nos neo-conservadores americanos os mais ardorosos defensores. Samuel Huntington agitara o espantalho do choque de civilizações, Francis Fukuyama achou que a História chegara ao fim, e até o académico Bernard Lewis se prestou para assessorar a administração Bush na invasão do Iraque.

Nem a democracia "à ocidental" se exporta, nem a tradição dos países árabes é compatível com a instalação súbita de um regime tipo norte-americano, isto supondo que os Estados Unidos são uma democracia e não uma oligarquia. O que tem interessado mais recentemente ao Ocidente em geral e a Israel em particular é o retalhar dos países árabes para mais facilmente poderem ser dominados. Além da obtenção de condições mais favoráveis para o espoliar das suas riquezas naturais, nomeadamente o petróleo.

Voltando à Síria, para terminar, estamos perante um dilema: a manutenção do regime de Assad, com a introdução de reformas, é a mais favorável, por agora, para a paz no país, mas a repressão violenta levada a cabo nas últimas semanas poderá inviabilizar tal propósito. Ou seja, não há uma solução razoável à vista.  Aguardemos, pois, o evoluir dos acontecimentos.

domingo, 17 de julho de 2011

UMA ÓPERA PARA O TEMPO PRESENTE


Les Troyens, de Berlioz, no Metropolitan, sob a direcção de James Levine. Jessye Norman interpreta Cassandra

Uma ópera para ver e ouvir, naturalmente, mas também para meditar, já que os tempos que vivemos são quiçá perigosos para não recearmos os Cavalos de Tróia que subrepticiamente, ou não, se introduzem na nossa vida quotidiana. Nunca é demais atendermos às profecias de Cassandra.

sábado, 16 de julho de 2011

E O CENTRO DE SAÚDE FICOU PARA MELHORES DIAS


Há uns dias que andava para publicar este boneco, mas precisava de confirmar uma informação que tinha sabido. A de que o Isaltino Morais, que há muito devia estar a cumprir a pena de prisão a que foi condenado, transferiu o dinheiro que estava destinado à construção do Novo Centro de Saúde de Algés, (a maior ambição dos seus moradores há já dezenas de anos), para concluir a segunda fase do Parque doa poetas. O atual Centro de Saúde é um velho edifício de habitação, com escadarias e sem o mínimo de condições, situado já em Lisboa e que é frequentado por uma envelhecida população. De todas as formas possíveis os habitantes chamaram a atenção da Câmara de Oeiras para a necessidade de novas instalações, quer nas ruas, em intervenções nas Assembleia Municipais, que em Baixo-assinados com muitas milhares de assinaturas. Desde sempre a promessa de que no próximo mandato é que era o Centro foi sendo adiado de ano para ano. Nas últimas eleições, para além da promessa, deitaram abaixo una velha garagem dos bombeiros, fizeram lá um grande buraco, colocaram uma cerca de metal e vários cartazes com a imagem do futuro edifício do noco Centro de Saúde de Algés. Agora é que é, mas pelos vistos continua a não ser. O dinheiro que lhe estava destinado foi transferido para acabar a segunda fase do Parque dos poetas, a obra emblemática do Isaltino. Dá-se prioridade a pessoas de pedra e não às pessoas de carne. Haja vergonha.

(Publicado hoje pelo blogue "We Have Kaos in the Garden")

quinta-feira, 14 de julho de 2011

CORFU



Durante uns breves dias passados numa praia da Dalmácia, reli Corfou, do australiano Robert Dessaix (n. 1944), autor de várias obras, nomeadamente as interessantíssimas Night Letters.

Lera o livro há cerca de dez anos, quando foi publicado, e voltei agora a ele, não em Corfu (o que não deixo de lamentar) mas numa zona próxima. A ilha não é hoje o que Dessaix descreve e o próprio Dessaix refere que já não era, quando a conheceu, o que a tornou famosa. Não esqueçamos que a aldeia de Gasturi foi um local de refúgio (e meditação) da imperatriz Elisabeth de Áustria (Sissi), que ali edificou um palácio. Mas com o turismo de massas e a globalização acelerada deste nosso mundo, tudo muda, certamente para pior. A vida autêntica das gentes de Corfu, que era motivo de atracção dos viajantes e constituía, como em tantos outros lugares, um encanto para o espírito (e não só) e as paisagens soberbas entre o Adriático e a Albânia, pertencem ao passado.

A obra de Robert Dessaix não é um guia turístico, embora aluda a locais, usos e costumes da terra. É um romance inspirado na vida do actor e autor australiano Kester Berwick, mas é também, de certo modo, ainda que não confessado, uma biografia de Dessaix. Num permanente flash-back, mais literariamente em analepse, percorre a vida do narrador (o próprio Dessaix ?), a vida de Berwick, e as de umas tantas pessoas que o autor assegura serem fictícias.

Trata-se de um exercício sobre os comportamentos humanos, as ilusões e desilusões da vida, a felicidade (?), o teatro (especialmente Tchekov, já que Dessaix estudou em Moscovo nos anos 70), o sexo, o amor, a amizade, a morte. Recheada de referências culturais (talvez em excesso, ainda que não pretensiosas), Corfou é uma obra que seduz o leitor, que o prende até o fim.  Escrita com elegância, aconselha-se vivamente a sua leitura, em especial às pessoas de gosto requintado.

DEAMBULAÇÕES NA EX-JUGOSLÁVIA

Dubrovnik - Igreja de São Brás, padroeiro da cidade

Desfeita a Jugoslávia, após a última guerra nos Balcãs, subsistem as seis repúblicas que constituíram outrora aquela federação. Todas muito diferentes, na paisagem, nos costumes, na língua, na religião, procuram agora esbater as rivalidades e os ódios criados por uma guerra em parte fomentada do exterior e que provocou milhares de vítimas. Ainda hoje se choram os mortos e não há a certeza que os vivos os mereçam.

Dois breves apontamentos.

Um sobre Dubrovnik, na Croácia, mais propriamente na região da Dalmácia, que não tem muito a ver com a verdadeira Croácia (setentrional). Foi a cidade, durante séculos, capital da República de Ragusa, mais tarde República de Dubrovnik, que haveria de ser extinta por Napoleão e a seguir, no pós-Congresso de Viena,  integrada no Império Áustro-Húngaro. Uma cidade miniatura (refiro-me à cidade antiga dentro das muralhas) que se assemelha a uma Veneza sem canais. Aliás, Dubrovnik foi, durante séculos, concorrente, aliada ou rival da Sereníssima República. Parcialmente destruída ao longo do tempo por terramotos e incêndios, bombardeada e cercada em 1991, em plena guerra balcânica, encontra-se hoje recuperada, pujante e hospitaleira para os muitos milhares de turistas que anualmente a visitam. George Bernard Shaw escreveu: «Those who seek paradise on Earth should come to Dubrovnik» e chamou-lhe a "pérola do Adriático".

Dubrovnik - Palácio Sponza

A costa da Dalmácia é, de facto, uma das mais belas de toda a Europa. Não foi por acaso que o imperador Diocleciano mandou construir um palácio em Split, para onde se retirou em 305, e onde viveu até à sua morte em 311. E que o marechal Tito, presidente da Jugoslávia, edificou a sua residência de Verão na ilha de Brioni, na costa da Ístria, um pouco a norte da Dalmácia.

Mostar - Ponte Velha (Rapaz prestes a mergulhar no rio Neretva)

Um outro apontamento, agora sobre Mostar, capital da Herzegovina, na República da Bósnia-Herzegovina. A Ponte Velha (Stari Most), que data de 1566, foi totalmente destruída em 1993, aquando do conflito que opôs sucessivamente sérvios, croatas e muçulmanos (bósnios) no território de uma Jugoslávia em fragmentação. Património mundial da UNESCO, foi a ponte reconstruída através da recuperação das pedras originais, tombadas no rio Neretva. 

Mostar constituía um exemplo da convivência pacífica de várias etnias e de religiões diversas. Ali coabitaram, durante séculos, católicos, ortodoxos, muçulmanos, judeus. A estúpida guerra da década de 90 criou um fosso entre as comunidades, que agora, pouco a pouco, se vai esbatendo. 

A quem aproveitou a desintegração da antiga Jugoslávia? Uma pergunta que hoje muita gente faz, quando também se interroga a quem terá aproveitado a invasão do Iraque, já no princípio deste século. E a quem aproveitarão as outras invasões por vir ou já em curso?

domingo, 3 de julho de 2011

INTERRUPÇÃO

Por motivo de ausência do seu autor, a actividade deste blogue será interrompida durante alguns dias.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

AS PRECIPITAÇÕES POLICIAIS AMERICANAS


Afinal, Dominique Strauss-Kahn parece que não é culpado do crime porque foi inopinadamente preso nos Estados Unidos da América, a bordo de uma avião da Air France. Como sublinhámos oportunamente neste blogue, é possível que se tenha tratado de uma conspiração de contornos ainda mal definidos e que terá aproveitado a forças ainda não identificadas. Como refere hoje o PÚBLICO, o ex-director do Fundo Monetário Internacional  foi libertado e restituída a caução que lhe fora exigida.

Espera-se da justiça norte-americana que esclareça devidamente este caso, que tanta tinta fez correr, nomeadamente na altura dos "empréstimos" a países da União Europeia, e que não fique a pairar qualquer dúvida, o que desde já declaro que não acredito, sobre a possibilidade de uma relação entre a prisão e a política financeira do FMI.

A ver vamos.