segunda-feira, 25 de julho de 2011

ANDERS BEHRING BREIVIK


À medida que se conhecem pormenores sobre os atentados praticados em Oslo, que alguma comunicação social se apressou a dizer na primeira hora que seriam obra de islamistas, cresce a perplexidade sobre as razões do morticínio e a operacionalidade da sua execução.

O confesso autor do sinistro evento, Anders Behring Breivik, num manifesto de 1.500 páginas publicado em inglês na net horas antes da matança, e intitulado "2083 - A European Declaration of Independence", denuncia por um lado um perfeito conhecimento da realidade dos países europeus, dos seus políticos e das suas instituições (Portugal incluído com 10.807 pessoas assinaladas como alvos a eliminar), e por outro um clamoroso desconhecimento da história da Europa e da história universal.

Parece que o seu combate primordial se dirige contra o multiculturalismo, mas esquece que a Europa em que vivemos hoje é exactamente um fruto da convivência cultural, nomeadamente com muçulmanos, ao longo de muitos séculos. Esta flagrante contradição não deixa de ser enigmática.

Por outro lado, ao afirmar-se cristão, maçon, templário e não sei que mais, não encaixa nessas categorias o assassinato em massa, nem se afigura verosímil para um anti-islamista que as suas reais vítimas tivessem sido jovens noruegueses, cristãos luteranos e eventualmente até maçons.

Que a política europeia dos últimos anos deixa muito a desejar é matéria que não oferece dúvidas, mas este acto louco (ou  não) foi cometido contra os seus próprios compatriotas. Recentes declarações de estadistas (ou pseudo-estadistas) europeus contra o multiculturalismo podem ter exacerbado ânimos nos últimos tempos, mas é um facto que a convivência de culturas na Europa do século XXI é uma inevitabilidade histórica, que o integracionismo absoluto é uma falácia e que, dadas as vagas de imigração árabe (e não só) das últimas décadas, o único modelo passível de funcionar é o que chamaria de "multiculturalismo integrado"", ou seja um multiculturalismo sem perturbação das diversas entidades nacionais-culturais europeias.  Modelo passível de realização, embora mais difícil de implementar hoje do que há duas ou três décadas.

Refere também Breivik, no seu Manifesto, a possibilidade de uma guerra civil europeia, até 2030, e de um golpe de Estado pan-europeu, entre 2030 e 2070. Se esses acontecimentos se vierem a verificar, tudo indica que eles serão precisamente no sentido contrário ao do que Breivik desejaria. Menciona ainda Brevik a sua indignação contra o bombardeamento de Belgrado em 1999; curiosamente, nesse aspecto estará de acordo com a maioria dos marxistas (que ele tanto parece odiar) e dos homens de esquerda em geral, que se manifestaram energicamente contra esse acto, realizado pela NATO por pressão da então secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright. Mas o bombardeamento da Sérvia não foi exactamente por causa dos muçulmanos mas tão só porque os americanos queriam dispor de bases militares num Kosovo independente.

Assim, o Manifesto de Breivik e os actos que supostamente praticou (aguarda-se o julgamento, já que a primeira confissão à polícia e as suas declarações hoje em tribunal não são coincidentes) resultam num emaranhado de contradições que importará esclarecer tão rapidamente quanto possível.

A ocorrência deste crime num momento de profunda crise europeia poderá não ter sido um acaso. Como alguém disse uma vez: "Não há coincidências".

A confirmar-se, como se espera, a autoria do acto (acto louco mas não obra de um louco), Breivik merece um castigo exemplar.

2 comentários:

Adriano Sanhamanga disse...

Tweet de Amanda Sevasti (sul-africana, @AmandaSevasti): "Why are Muslim fundamentalists who kill people called terrorists, but Christian fundamentalists who kill people are called extremists?" (27 Julho)

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para Adriano Sanhamanga:

A pergunta de Amanda Sevasti é pertinente. Há uma dicotomia de tratamento na imprensa ocidental. De facto, há fundamentalistas terroristas e não terroristas. E os terroristas tanto são muçulmanos como cristãos.

O terrorismos é contrário à essência das religiões, ainda que os textos que as fundam possam algumas vezes parecer ambíguos.

E certos conceitos foram aperfeiçoados ao longo da história, apesar das práticas actuais nem sempre diferirem das utilizadas no passado.