sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NOTÍCIAS DE "AL JAZIRA"



A cadeia televisiva Al Jazira tem sido, nas últimas semanas, a principal fonte de informação para todo o mundo sobre os acontecimentos verificados nos países árabes. Aliás, desde há alguns anos, ela é a cadeia televisiva de maior audiência em todo o mundo árabe. Por isso, é interessante recuar um pouco no tempo e saber como nasceu Al-Jazira, palavra que, em árabe, significa “A Península”, a Península Arábica, no caso vertente.

Por um acaso do destino, em Julho de 1997, numa tarde de sábado, o satélite ArabSat, lançado em 1985 por 21 países árabes, e cujo principal sinal de emissão é emitido a partir de Riyadh, na Arábia Saudita, retransmitia um programa educativo, destinado a crianças, do Canal France International CFI), um banco de programas francês, filial do grupo France Télèvisions. Mas por um erro de manipulação das retransmissões satélites da Télédiffusion de France, de súbito verificou-se uma inversão com a cadeia paga Canal+, o que não teria consequências se o programa do Canal+ não fosse, nesse dia, Club privé au Portugal, um filme pornográfico.

Apesar das várias tentativas para interromper a emissão, não foi possível contactar de imediato os responsáveis, e só ao fim de meia hora os técnicos parisienses se deram conta do engano. Estima-se que o “porno” tenha sido visto, em vinte países árabes, por um público potencial de 33 milhões de pessoas.

A verdade é que este incidente foi motivo para afastar o CFI do satélite ArabSat: simples pretexto ou desejo de retirar os franceses, não há a certeza, embora fosse real a fúria dos sauditas. O que não impede que existam filmes pornográficos na Arábia Saudita, codificados e só visualizados por assinatura.

Assim libertado um canal, foi ele atribuído a uma jovem cadeia que desde há muito procurava aumentar a sua audiência nos países árabes através da difusão pelo ArabSat e tornar-se mainstream: a Al Jazira, que arranca verdadeiramente em Dezembro de 1998.

A sede de Al Jazira é em Doha, capital do Qatar: um bunker super-protegido, cujo acesso é precedido por vários controles policiais. Encontra-se já numa zona desértica, a vinte minutos do centro da cidade. O seu actual director (desde 2003) é o general palestiniano Wadah Khanfar, que pertenceu ao Hamas e cuja nomeação para o cargo foi uma decisão política do emir do Qatar. Aliás, a Al Jazira existe devido à exclusiva vontade do emir, o Sheikh Hamad Bin Khalifa Al-Thani, e foi lançada em 1 de Novembro de 1996. Durante muito tempo um dos países mais pobres do Médio Oriente, o Qatar, graças à descoberta de reservas de gás (as mais vastas do mundo, depois da Rússia e do Irão), tornou-se um dos mais ricos. Inicialmente pró-árabe, o emir evoluiu a partir de 2001, aceitando o diálogo com os islamistas. Dizem alguns que passou da órbita da Liga Árabe para a da Conferência Islâmica, afirmação contudo discutível. Na verdade, o Qatar tornou-se um país pivot na construção de um novo eixo com a Síria e o Irão, preferencialmente à ligação ao Egipto e à Arábia Saudita. A sua diplomacia é complexa e indecifrável, caracterizada por uma política de não-alinhamento em relação ao mundo árabe, feita de visibilidade internacional e independência regional. Pratica o país uma espécie de duche escocês: enquanto autoriza ao israelitas a abertura de um escritório “comercial” com estatuto diplomático, em Doha, protegem a poucos metros de distância uma residência de Khaled Meshal, o líder do Hamas.

A Al Jazira reflecte na sua linha editorial a subtil política do Qatar. Na opinião de um antigo director, a cadeia «é a política externa do Qatar, um produto de exportação, uma embaixada do Qatar». Um dos fundadores vai mais além: ela é «o ministério dos Negócios estrangeiros do Qatar». Está, ou estava, interdita na Tunísia, em Marrocos, na Argélia e no Iraque. Por vezes na Arábia Saudita e na Palestina. E até na Índia. O Egipto proibiu-a pouco antes da queda de Mubarak. Mas com uma antena parabólica o problema fica resolvido. Nos Estados Unidos, Bush detestava-a e, segundo uma nota confidencial relatando uma conversa do antigo presidente americano com Blair, aquele encarou mesmo a hipóteses de mandar bombardear a sede de Al Jazira em Doha.

O primeiro grande feito de Al Jazira foi a transmissão exclusiva do ataque aéreo americano ao Iraque, a Operação Desert Fox. Seguiram-se a segunda Intifada palestiniana de 2000, os vídeos de Osama Bin Laden, a guerra no Afeganistão em 2001, a guerra no Iraque em 2003 e a guerra em Gaza em 2008, emissões que a tornaram uma cadeia incontornável. A actual cobertura das revoluções no mundo árabe consagrou definitivamente o seu prestígio, equivalente, no ocidente, a uma CNN. Em Novembro de 2006 começou a emitir em inglês. A audiência estimada de Al Jazira é de 40 milhões de telespectadores em todo o mundo.

As principais cadeias árabes são a egípcia Nile News TV, próxima do ex-presidente Hosni Mubarak; Abu Dhabi TV, a partir do Golfo; Arab News Network, baseada em Londres, pertencendo ao sobrinho do presidente Bachar Al-Assad e próxima dos interesses sírios; Al-Aqsa TV, a cadeia palestiniana do Hamas; Al Manar, a cadeia libanesa do Hizbullah; Al Arabiya, a cadeia árabe de informação baseada em Dubaï Media City, sede do grupo MBC, e pertencendo a um grupo saudita.

Muito haveria a dizer sobre a informação de Al Jazira e a sua cobertura dos acontecimentos, ou até sobre a sua própria intervenção nos acontecimentos, pois a televisão exerce, como todos sabemos, um extraordinário poder sobre as massas. E a cadeia é muitas vezes acusada de conduzir “campanhas hostis”, de propagar notícias falsas ou de tentar destabilizar os regimes árabes vigentes. Vivemos, neste momento, um desses períodos. Mas já nos alongámos bastante sobre o tema. Outro dia, voltaremos ao assunto.


3 comentários:

ZÉ DOS ANZÓIS disse...

Felicito o autor por um tão informativo texto sobre a Al Jazeera. É que muitas vezes não conhecemos o fundo das coisas. E temos sempre ocasião de aprender.

Anónimo disse...

Muito interessante. Partilhei.
http://www.facebook.com/?ref=hp#!/profile.php?id=100001125964854

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DAS 14:21:

Muito obrigado pelo seu interesse.