Em 1978, a Imprensa Nacional - Casa da Moeda publicou, com prefácio de Francisco de Sales Mascarenhas Loureiro, Jornada del-rei Dom Sebastião à África e Crónica de Dom Henrique.
O prefaciador descreve D. Sebastião com as características que lhe são habitualmente atribuídas, recorrendo amiúde à obra de referência de Queiroz Veloso. Salienta-se a educação ministrada pelos jesuítas, com um inusitado relevo dado à castidade, a aptidão para aprender, dotes de inteligência e de memória, e desde muito cedo a sua obsessão pela conquista de África. É aludida também a inegável misoginia do rei, que é parcialmente atribuída ao conhecido problema das suas perdas nocturnas.
Cita Loureiro o prof. Manuel Heleno, quando este, fazendo o elogio de Queiroz Veloso na Academia Portuguesa da História, em 28 de Fevereiro de 1958, se refere ao reinado de D. Sebastião: «A Nação concentrava no novo rei todas as suas esperanças e aguardava que ele, restaurando as antigas virtudes e reagindo contra os costumes de que Clenardo nos dá uma imagem, encarnasse os anseios da alma portuguesa e restituísse ao País as suas glórias passadas. Mas o temperamento do monarca, mais religioso que político, mais Quixote do que prático, excitado pelo ambiente e pela lisonja, não permitiu a realização desse ideal, mau grado as suas boas intenções.» (p. XXXI)
Também Joaquim Veríssimo Serrão (in D. Sebastião à Luz dos seus Itinerários) é citado: «Reconheçam-se em D. Sebastião as marcas de uma personalidade não equilibrada - falta de bom senso, tendências impulsivas, fraco poder de reflexão, um caprichoso desejo de se ver obedecido -, se bem que se não possam estranhar essas marcas num homem que se sentia quase divinizado como rei e que viveu numa época em que a máquina do governo se centrava em formas de autoridade.» (p. XXXII)
Escreve o prefaciador que «Em um manuscrito que Rui Barreto de Meneses endereça de Moura, a 12 de Outubro de 1618, ao cronista-mor do Reino, que tudo indica tratar-se de D. Manuel de Meneses, refere o mesmo que da Jornada de África havido três histórias "muy particulares" em mão de Fr. Bernardo de Brito, escritas por pessoas que se acharam presentes não só no Exército, mas igualmente nos conselhos. Acrescentava ainda que uma elas não tinha o nome do seu autor, estando riscada em muitas partes, e que, todavia, lhe parecera boa.» (pp. XXXIII-XXXIV) Mais acrescenta que a edição das crónicas agora publicadas, embora tendo por núcleo original a Jornada de África de autor anónimo, que Fr. Bernardo de Brito possuíra, foi acrescentada com inserções de outras proveniências. O nome completo desta crónica é Iornada de ElRey Dom Sebastião as partes de Africa aonde se perdeo Na Batalha q deu aos Mouros em o anno & Era de 1578, cujo manuscrito se encontra na Biblioteca Municipal de Viseu.
«A obra, em si, consta de três livros, desdobrados numa série de capítulos, o primeiro abrangendo vinte e oito, o segundo vinte e sete, enquanto o terceiro, dedicado ao governo do cardeal-rei, se desenvolve por dez. Verifica-se, deste modo, que na sua quase totalidade ela é votada ao período sebástico e que neste a jornada de África tem uma relevância muito especial. Não é, pois, por acaso que o historiógrafo designa a sua obra por Jornada Del-Rei D. Sebastião de Portugal às Partes de África. »(p. XXXIX)
«Seja o exemplar da Jornada, que é razão das nossas considerações, apenas uma cópia de um original que se perdeu, o que justifica que o mesmo não venha assinado; seja, todavia, o próprio original que aguardava uma última redacção, que o autor por motivos circunstanciais não teve oportunidade de efectuar; seja ele ainda motivo de um anonimato, para escapar à sanha filipina, pelo seu portuguesismo, como mesmo à da Companhia, que tão copiosamente ataca - o que parece incontroverso é a nossa convicção de tratar-se de um trabalho lúcido, que abre perspectivas sobre um período histórico ainda bastante confuso.» (p. XL)
Entre as múltiplas hipóteses de autoria das crónicas de D. Sebastião e do cardeal D. Henrique há que considerar, devido a várias similitudes, a de Fernando de Góis Loureiro, que foi moço de câmara de D. Sebastião e, enquanto jovem fidalgo, acompanhou o rei na fatal expedição de 1578. De regresso ao país, foi ordenado presbítero e permaneceu depois largos anos em Roma.
«Segundo o autor da Biblioteca Lusitana, "por ser muito versado na História política e militar deste Reino escreveo e dedicou a D. Vicente Gonzaga de Austria, Duque de Mantua e Monserrato, Breve Summa y Relacion de las vidas, y hechos de los Reys de Portugal y cosas sucedidas en aquel Reyno desde su principio hasta el ano de 1595. Mantua, 1596, e Tratado de la Jornada de Africa. M.S.". Na dedicatória com que abre a Breve Svmma, demonstra Góis Loureiro a sua formação humanística. Cita, entre outros, Plínio, Plutarco, Diodoro.» (p. XLI)
O prefaciador aduz depois vários argumentos tendentes a provar que o autor da Crónica é realmente Góis Loureiro, em especial pelo paralelismo que existe entre esta e a Breve Svmma, cujo capítulo XVII é dedicado a D. Sebastião.
«O facto de a Jornada Del-Rei D. Sebastião abranger, em vários capítulos, o governo do cardeal-rei nada tem de extraordinário. Significa apenas que o autor o englobou na matéria da Jornada, não só por ele ser o coroamento natural desse episódio infeliz, que foi a expedição a África, como ainda pela necessidade de dar conta aos leitores, e sobretudo aos vindouros, de toda a problemática com que se encerra o percurso histórico da dinastia de Aviz.» (p. XLV)
Analisando o conteúdo da obra, Mascarenhas Loureiro escreve:
«Traduz ainda manifestações do despotismo de D. Sebastião a asserção do autor, no mesmo capítulo, quando refere "e tudo corria por seu appetite e uontade".
Essa faceta despótica da personalidade do monarca fica expressivamente marcada no capítulo XVIII da Jornada quando el-rei reúne os grandes do Reino, que em Lisboa se encontravam, para lhes comunicar a sua disposição de passar a África, com vista à conquista de Larache, "sem se submeter ao parecer dos que estauam prezentes". E aí o autor mais uma vez se insurge contra a atitude adulatória dos que assistiam a essa reunião, nobres e prelados, que no final se chegaram a D. Sebastião "a lhe beiar a maõ como que recebiam merce de os leuar ao Martirio".» (p. XLIX)
«Toda a obra, que vem servindo de interesse ao nosso estudo, é entretanto dominada, de princípio a fim, pela ideia de que os infortúnios pátrios são a expiação dos erros cometidos. A concepção providencialista, que faz intervir no jogo dos acontecimentos históricos o factor divino, é concepção dominante no tempo, encontrando-se em numerosos cronistas e escritores dos séculos XVI e XVII.» (p. L)
Continuando com a análise da obra, o prefaciador escreve: «Desta forma e, em conclusão, segundo o autor da Jornada, ao rei faltaram-lhe os homens entendidos no sentido preciso do termo, concebidos na sua dimensão própria.» (p. LVIII)
«A Iornada, ou antes a Jornada, como decidimos chamá-la, é um documento da mais alta importância para a análise do período sebástico e pós-sebástico. E deverá ser-lhe reservado especial lugar na historiografia dos fins do século XVI.» (p. LIX)
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