terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

D. SEBASTIÃO (A REABILITAÇÃO ?!?)

Em 1941, Costa Brochado (célebre por dele existir uma icónica fotografia com Fernando Pessoa à mesa do Martinho da Arcada), publicou D. Sebastião, o Desejado, livro onde pretende "reabilitar" a figura do rei D. Sebastião.

Denuncia o autor o "processo de El-Rei", levado a cabo por escritores do século XIX, e também no século XX, a começar por Manuel Bento de Sousa (O Doutor Minerva), José Agostinho de Macedo (Os Sebastianistas) ou Camilo Castelo Branco (Narcóticos), ou ainda Júlio Dantas (Outros Tempos e a Arte de Amar), Sampaio Bruno (O Encoberto), António Sérgio (Ensaios), etc. Considera Costa Brochado que nenhum deles conseguiu penetrar na personalidade do rei, e recorre a Alexis Carrel (O Homem, esse desconhecido) para justificar a sua afirmação.

Na óptica de Costa Brochado, D. Sebastião foi um monarca exemplar, dotado das mais altas virtudes. Rejeita as teorias da epilepsia, do carácter da doença do rei, da sua aversão ao casamento (o que seria apenas motivado pelo alto conceito em que tinha a castidade). Longe de ser um alucinado seria um espírito excepcionalmente dotado com uma aguda visão dos perigos da moirama. O pudor do rei ia ao ponto de jamais se ter despido na presença dos criados de quarto, que nunca lhe viam sequer um pé. Quis mesmo manter-se casto a vida inteira e só admitiu casar-se perante a insistência do seu confessor que lhe demonstrou a necessidade de gerar herdeiros para o trono. Louva o rei por se afastar da vida desregrada da gente do seu tempo (e ainda mais do nosso) e denúncia «o miserável preconceito de que a castidade é uma anomalia patológica» acrescentando que «Hoje sabe-se, pelos condutos das ciências, que o amor não é mais que um meio de que a natureza se serve para realizar a propagação da espécie, e registam-se até casos em que o macho, depois de ter fecundado a fêmea, e portanto tornado inútil, paga com a própria vida o fatalismo do seu género!» (pp. 49-50) E mais, citando o Dr. Roux: «Porque esse "prazer não é mais do que o meio de que a Espécie se serve para atingir os seus fins, a venda que ela põe nos olhos do indivíduo para o forçar ao sacrifício".» (p. 50)

O autor insiste no desejo que D. Sebastião tinha de casar-se e que os pretensos casamentos foram inutilizados por Filipe II. Refere-se a cada passo à existência e confronto dos dois partidos, o "partido português" e o "partido castelhano", este chefiado por D. Catarina, que seria uma fiel executante da política de Carlos Quinto e que nunca aprendeu a língua portuguesa. Trata da questão das regências do Reino e do problema da sucessão. Menciona o entusiasmo dos portugueses com a expedição a África e louva o sentido de Estado de D. Sebastião, a quem não cessa de atribuir as mais notáveis características de personalidade, uma invulgar inteligência, uma cultura excepcional. 

Na descrição geral dos acontecimentos, Costa Brochado segue as obras dos autores que o precederam, mas interpreta sempre os factos na sua óptica da defesa da pessoa do rei, nas culpas da Casa de Áustria e das traições de que foi vítima. Os irmãos Câmara merecem os maiores louvores e a batalha de Alcácer-Quibir foi militarmente ganha pelos portugueses, devendo-se a derrota apenas a um pormenor no momento final.

Mais do que uma interpretação muito pessoal da História, o autor chega a distorcer a mesma para suportar as conclusões que apresenta. O seu livro é uma apologia do "Desejado", aureolado de qualidades infirmadas pelas fontes históricas tradicionalmente aceites. Sabemos hoje, e sabia-se já em 1941, data da publicação do livro, que muito pouco ou nada ocorreu como Costa Brochado desejaria que tivesse ocorrido. 

Não sendo a História uma ciência exacta, este livro todavia exagera os limites permitidos pela razão e pelo bom senso. Alcácer-Quibir não é uma data gloriosa da nossa História, foi uma tragédia nacional.