quarta-feira, 20 de novembro de 2024

FILIPE II E D. SEBASTIÃO

Comprei em 1993 Felipe II y El Rey Don Sebastián de Portugal (1954), do embaixador Alfonso Danvila, na Livraria Campos Trindade, da Rua do Alecrim, hoje encerrada em consequência da lei das rendas, chamada Lei Cristas. O exemplar que adquiri, e que se encontra anotado, pertencia ao erudito e bibliófilo Castelo Branco Chaves, cuja biblioteca (ou parte dela, ignoro), por sua morte, fora vendida pelos herdeiros ao alfarrabista Tarcísio Trindade com quem mantive uma relação de amizade durante anos, até ao falecimento deste.

Trata-se de uma das mais importantes obras em língua castelhana sobre o período em causa, ainda que o autor seja por vezes um pouco laudatório em relação à Casa de Áustria.

Porque a matéria já tem sido abordada por mim em posts anteriores relativos à época, anotarei tão só algumas impressões.

O livro começa por referir a chegada a Villaviciosa do rei Carlos I (Carlos Quinto), em 19 de Setembro de 1517, tinha então o monarca 17 anos, acompanhado de sua irmã a infanta Leonor. Chegam a Tordesilhas em 4 de Novembro, onde visitam a mãe, Joana a Louca, recolhida voluntariamente no palácio pouco tempo após a sua viuvez, em pleno desequilíbrio da suas faculdades mentais. (p. 6)

Com Joana a Louca vivia sua filha D. Catarina (que viria a casar com D. João III), então com 10 anos, em triste condição, vítima dos caprichos e extravagâncias de sua mãe. Entendeu Carlos Quinto subtraí-la àquele ambiente, mas porque a rainha viúva não queria apartar-se dela resolveu o futuro imperador "raptá-la" de Tordesilhas e levá-la para Valladolid, onde estava a Corte. Foi grande a indignação de Joana a Louca e, por isso, D. Catarina foi devolvida à mãe, só saindo daquele palácio para se casar com D. João III. Para que a menina, naquele período, tivesse algum convívio, resolveu Carlos Quinto introduzir alguns jovens no palácio, entre os quais o primogénito do duque de Gandía, Francisco de Borja y Aragón, que viveu três anos em Tordesilhas, e que voltaria 34 anos mais tarde, já como religioso, para ajudar a morrer cristãmente a rainha Joana. Francisco de Borja, 4º duque de Gandía, vice-rei da Catalunha, etc., ficando viúvo retirar-se-ia do mundo ingressando na Companhia de Jesus, da qual viria a ser Superior Geral, criado também cardeal e finalmente canonizado. Remonta àquela época a amizade de D. Catarina com S. Francisco de Borja. «Este episódio histórico, por demás conocido, representa un ejemplo aleccionador de lo que significaba entonces el papel del jefe de familia [Carlos Quinto], así como de la subordinación perfecta con que todos los miembros de ella obedecían sus mandatos, sin pararse a discutirlos ni analizaros. Tal era lo costumbre, y tal la fuerza de la disciplina en los familiares de la Casa de Austria.» (p. 11)

Em 1 de Novembro de 1527 celebrou-se no palácio de Almeirim o matrimónio de Carlos Quinto, representado por Don Carlos, senhor de Laxão na qualidade de Procurador, com Isabel de Portugal, estando presentes os reis de Portugal, D. João III e D. Catarina, e também o cardeal infante D. Afonso (16 anos), o infante D. Luís (19 anos), o infante D. Fernando (18 anos), o infante D. Henrique (futuro cardeal-rei, 15 anos) e o infante D. Duarte (10 anos). Escoltada por seus irmãos D. Luís e D. Fernando e pelo duque de Bragança, D. Isabel foi entregue na fronteira do Caia em 14 de Fevereiro de 1528, sendo recebida por uma embaixada presidida pelo duque de Calábria, D. Fernando de Aragão, o único príncipe de sangue que então residia em Espanha, e pelo arcebispo de Toledo, D. Alonso da Fonseca que partilhava as honras com D. Álvaro de Zúñiga, duque de Béjar. A ratificação do matrimónio teve lugar em Sevilha, sendo celebrado em 10 de Março de 1526 com grande pompa e ficando Carlos Quinto encantado com a esposa, considerada  a mais bela princesa da época, o que é confirmado pela pintura do Ticiano, retrato que o imperador conservou junto de si até fechar os olhos em Yuste. (pp. 19/20)

[As datas mencionadas pelo autor não conferem, como é evidente.]

«Según un prestigioso escritor español [Antonio Sánchez Moguel] la Reina Doña Catalina fué la Princesa más inteligente de la Casa de Austria y la que por su carácter enérgico y varonil tuvo más semejanza con su abuela la Reina Católica: era su valor grandíssimo y sólo comparable a su religiosidad y firmeza; capaz de las resoluciones más extremas, nunca las adoptaba sino cuando su claro talento apreciaba la necesidad; apasionada en sus afectos, adoraba al Emperador, como después amó a Felipe II y a su nieto Don Sebastián, encontrando medio, en su delicadeza, de no hacer traición a ninguno de estos cariños; ambiciosa, nunca deseó el poder sino para servir a su descendencia, ni jamás concibió un proyecto que no fuera encaminado a la prosperidad del Reino lusitano; finalmente, a poco de su instalación in el trono, supo apoderarse de la voluntad de su esposo hasta el punto de poder afirmarse que fué ella la que gobernó el país durante la vida de Don Juan III, quien aunque a veces discutiera sus opiniones, acababa siempre condescendiendo en ellas, como si implicitamente reconociera la superioriad del talento y las dotes de gobierno en su esposa.» (pp. 21-2)

D. Catarina teve nove filhos mas só dois sobreviveram até tomar estado e morrendo aliás pouco tempo depois: D. Maria Manuela, que casou com Filipe II e foi mãe do infante D. Carlos, e D. João Manuel, que casou com D. Joana e foi pai de D. Sebastião. E foi verdadeiramente ela que governou Portugal no tempo de D. João III.

«La negociación del matrimonio de la Infanta Doña María con el Príncipe Don Felipe constituyó el motivo más poderoso de crítica entre los portugueses contra la política de Doña Catalina, a cuyos esforzos se debió indudablemente tal enlace. El mismo Rey no lo deseaba, por más que le halagase la idea de ver su hija convertida en Reina futura de España. La nobleza y el pueblo lusitanos, que veían en la Infanta la posible sucesora de la Corona, pues el Príncipe del Brasil Don Juan, constantemente enfermo, era "una cosa muy flaquita e muy dolentico", no pasando aún de los tres años, preferían que la Infanta se desposase con su tío Don Luis, Duque de Beja, a pesar de la diferencia de edad, por constituir el medio más seguro de alejar el peligro de la unión de ambas Coronas, caso de que el Príncipe Don Juan falleciese.» (p. 24)

[O autor comete um erro neste parágrafo. O herdeiro da Coroa portuguesa só passou a usar o título de Príncipe do Brasil no tempo de D. João IV]

Em 11 de Julho de 1554, Filipe II partia da Corunha para Inglaterra para casar-se com Maria Tudor, que havia sucedido no trono a seu irmão Eduardo VI. Ficou como regente sua irmã D. Joana, que havia regressado a Espanha depois da morte de seu marido D. João Manuel. Em 11 de Abril de 1555 falecia em Tordesilhas, com 76 anos, a rainha D. Joana (a Louca), assistida pelo padre Francisco de Borja, como se escreveu acima. Ela era ainda a Rainha proprietária de Castela e Aragão, reconhecida como tal pelas Cortes, e foi mãe de dois imperadores, um rei e quatro rainhas. 

«El 25 de octubre de 1555 abdicaba el Emperador todos sus Estados de España, Indias y Flandres en favor de su hijo Don Felipe, poseedor desde hacía poco de las Coronas de Italia, por césion de su augusto Padre, y Rey consorte de Inglaterra por su casamiento con Maria Tudor. Y en febrero de 1556, Felipe II, ya como Rey, ratificaba a su hermana Doña Juana los poderes para la gobernación de sus dominios, siendo solemnemente proclamado como Soberano de Valladolid, el 28 de marzo de 1556, alzando pendones por él, el Príncipe Don Carlos, su primogénito, que contaba once años de edad, delante de la Princesa, a quien rodeaban los Grandes y Prelados del reino.» (p. 67)

O imperador chegou a Yuste em 3 de Fevereiro de 1557, sendo recebido pela Comunidade dos Jerónimos. Ao contrário do que se disse durante largo tempo, Carlos Quinto não se entregou a um piedoso retiro mas continuou a governar a partir do mosteiro. «Todos sus proyectos de retiro tuvieron que ceder desde el primer momento ante su inveterada costumbre de mando y la necessidad que de sus consejos necessitaban, tanto Don Felipe en Flandres, como Doña Juana en Castilla; y, desde entonces, siguió reinando, no obstante haber renunciado a todo título para ello.» (p. 69)

Por morte súbita de D. João III (11 de Junho de 1557), que o impediu de firmar as suas últimas vontades, conseguiu D. Catarina, através do secretário Pedro de Alcáçova Carneiro (como escrevi em post anterior) apresentar uns apontamentos sem assinatura do monarca em que este desejava que a viúva assumisse a Regência até que D. Sebastião tivesse 20 anos. O Chanceler de Portugal, Gaspar de Carvalho, afirmou, sob juramento, que aqueles apontamentos continham as resoluções de D. João III. A 16 de Junho foi prestado juramento a D. Sebastião (então com três anos), com a presença do arcebispo de Lisboa, dos duques de Bragança e de Aveiro, dos condes de Vimioso e de Castanheira e de outras personalidades. O cardeal D. Henrique tinha perdido esta batalha a favor da cunhada, tendo resolvido passar a exercer toda a influência possível junto da pessoa de D. Sebastião. (p. 74)

Por ocasião de uma grave enfermidade de D. Catarina, Carlos Quinto encarou a hipótese de que fosse D. Joana a governar o reino no caso daquela falecer. Mas D. Joana opôs-se, considerando que não era bem vista em Portugal e melhor seria que D. Catarina não publicasse qualquer Pragmática sugerida. (p. 83)

Regista-se um capricho do imperador: proibiu a sua filha de o visitar no Mosteiro de Yuste. Ela não voltou a vê-lo desde a abdicação. 

Em 21 de Setembro de 1558 morreu Carlos Quinto. Houve grandiosas cerimónias fúnebres em Yuste, Valladolid, Roma e Bruxelas. 

«Quedaba la Reina Doña María de Hungria como representación de la época de Carlos V, y en verdad que el recuerdo vivo de aquel reinado había sido por su firmeza e inteligencia uno de los más poderosos auxiliares de la política del Emperador, y, como decía Badoero, "la mejor ejecutora de su pensamiento". Alta de cuerpo, de facciones enérgicas y mui parecidas a las de su hermano, gallarda en todos los ejercícios, famosa en la equitación y en la caza, de tal manera que no se había visto desde muchos años atrás señora alguna que la hubiera superado, en esto, mostró en la práctica de la guerra hasta dónde podía llegar el valor de una mujer. Compañera de los Consejos del César, intervino directamente en su política como Gobernadora de los Países Bajos y realizó habilíssimas maniobras para hacer elegir a Felipe II Emperador de Alemania, no obstante la enemistad que por él sentía; en una palabra: fué la hermana más semejante a Carlos V y a la que éste estuvo más estrechamente unido, no obstante su preferencia por Doña Leonor, considerándola más como camarada que como mujer y reconociendo sus excepcionales aptitudes para los negocios y materias de Estado.» (pp. 86-7)

Maria da Hungria morreu em Outubro de 1557. Maria Tudor, em 17 de Novembro de 1558. Henrique II de França, em 10 de Julho de 1559. Paulo VI, em 18 de Julho de 1559. Estas mortes tiveram repercussões na política espanhola. «La paz de Cateau- Cambresis, concluída el 3 de abril de 1559, hería de muerte la política de Carlos V e inauguraba una dirección totalmente opuesta a la que seguía guardando desde los reyes Católicos.» (p. 87)

«El nuevo Emperador de Alemania [Fernando I] odiaba a su sobrino el Rey de España y no había de cooperar en manera alguna a la prosperidad de éste; así que Felipe II, poco amante, por otra parte, de la guerra, escogió el partido que se le presentaba a la vista, admitiendo los ofrecimientos de Enrique II, casando con uma de sus hijas y consolidando la alianza de los dos países para conservar la fe católica.» (p. 88)

Sobre autos de fé:

«En este auto es donde, según fama, después de prestar juramento el Rey sobre la Cruz de mantener la fe y amparar su tribunal, empezó el desfile de los reos, que eran catorce, y al passar Don Carlos de Sesso, gritó, dirigiéndose a Don Felipe: Así me dejaréis quemar? Contestando el Monarca con aquellas palabras tan incriminadas después, pero que son las únicas capaces de excusar su impassibilidad por la rectitude y convicción profunda que revelan: "Para quemar a mi proprio hijo, si fuese hereje, traería yo la leña". (p. 92)

As figuras mais importantes da Casa de Áustria no tempo de Filipe II eram o príncipe D. Carlos (herdeiro do trono espanhol e débil mental, que seu pai haveria de encarcerar); D. João de Áustria (irmão natural de Filipe II e herói da batalha de Lepanto); Alessandro Farnese (filho de Ottavio Farnese, duque de Parma e Placência, e de Margarida de Áustria, filha de Carlos Quinto, e que casou com a infanta D. Maria de Portugal, filha do infante D. Duarte de Portugal, duque de Guimarães. Um dos seus filhos, Ranuccio, aspirou ao trono de Portugal por morte de seu tio-avô, o cardeal D. Henrique); e os arquiduques Rodolfo (futuro imperador Rodolfo II) e Ernesto de Áustria, filhos do imperador Maximiliano II e de sua mulher, a infanta Maria de Espanha, filha de Carlos Quinto. O imperador Maximiliano II era filho do imperador Fernando I.

Durante largo período do reinado de Filipe II havia dois "partidos" na Corte. Um chefiado por D. Fernando Álvarez de Toledo, duque de Alba, Grande de Espanha; o outro chefiado por Ruy Gómez da Silva (português de nascimento), confidente e amigo do rei, futuro príncipe de Eboli e duque de Pastrana. Entre as notáveis figuras contava-se D. Diego Hurtado de Mendoza, duque do Infantado e D. Ana de Mendoza y de la Cerda, princesa de Eboli (imortalizada por Verdi na sua ópera Don Carlo).

Sobre o cardeal D. Henrique, traduzo das páginas 122-3:

«O cardeal D. Henrique, herdeiro presuntivo da Coroa constituía um verdadeiro problema para a rainha D. Catarina. que sempre encontrou nele o seu pior inimigo e o seu constante opositor, em política e em todos os assuntos referentes à criação e educação do menino rei D. Sebastião.

Contava cinco anos a menos do que a soberana e era de corpo médio, fraco, macilento, de saúde precária; de acordo com a sua figura, as palavras resultavam secas, a alma calada, vivendo muito em si e falando para dentro. Humanista distinto, sabia latim, grego e hebraico, tendo escrito na primeira destas línguas um tratado piedoso.

Cumpridor exacto dos seus deveres religiosos, altamente zeloso dos serviços régios, e, como homem, completamente honesto. Humilde por fora, tinha a fraqueza de exigir as mais extraordinárias e públicas atenções. Não era precisamente um ambicioso, senão um vaidoso, e se amava o poder era, sobretudo, pelas honras que lhe proporcionava. A rainha conhecia muito bem estas debilidades e explorava-as em seu proveito. 

Clérigo aos catorze anos, foi nomeado em seguida prior de Santa Cruz de Coimbra; aos vinte e dois era arcebispo de Braga; aos vinte e sete, Inquisidor Geral de Portugal e suas possessões do Ultramar; no ano seguinte, 1540, primeiro arcebispo de Évora; e cardeal em 1545, aos trinta e três anos de idade.

O rei D. João III, que ao princípio não lhe concedia a sua confiança, ao extremo a opor-se a que lhe fosse concedido o Capelo, vago por morte de seu irmão D. Afonso, dignidade que só pôde obter D. Henrique graças às repetidas instâncias do Imperador, a quem D. Henrique recorrera pedindo ajuda, encontrou depois nele um poderoso auxiliar para o estabelecimento da Inquisição nos seus Reinos, procurando que fosse eleito Papa no conclave que teve lugar por morte de Paulo III, onde obteve quinze votos do Sacro Colégio; porém, Carlos Quinto fez fracassar a negociação, porque não lhe convinha ter como Pontífice um príncipe português, e desde aí D. Henrique concebeu um ódio mortal a Castela...»

«Estabelecida la Regencia de Doña Catalina, asesorada por los consejos del veterano Pedro de Alcaçova, inauguró aquélla su gobierno con un acto diplomático de gran habilidad, declarando al Cardeal Don Enrique, como su coadjutor, fundando tal resolución en los deseos de que, según ella, manifestara con anterioridad El Rey Don Juan III, deseando por este medio evitar les dificuldades que podía crear el descontento de su cuñado y del partido que le seguía; pero non cesó aquél con tal acto, iniciándose desde el primer momento un desacuerdo en que procuraba Don Enrique ir demoliendo poco a poco la reputación política de la Regente, lisonjeándose con la idea de que, obligada la Reina por tantos disgustos y contrariedades a resignar el poder en sus manos, podría substituirla, no solo en el gobierno, sino allado del Rey, a quien esperaba educar el Cardenal a la portuguesa, desviándole gradualmente del amor y respeto que debía a su abuela.» (p. 125)

Em 1560, três anos e meio depois de ter assumido a Regência, declarou D. Catarina, certamente aconselhada por Pedro de Alcáçova, estar desejosa de repouso e ansiosa por retirar-se para um convento para lá passar o resto dos seus dias, tendo convocado o Cardeal para lhe transmitir esta sua vontade. D. Henrique, depois de algumas objecções, concordou em aceitar a oferta, desde que se convocassem os Três Estados. Porém, numa hábil manobra, D. Catarina, cujo partido era muito poderoso, não reuniu as Cortes, limitando-se a enviar uma carta-circular datada de 24 de Dezembro, dirigida aos Prelados, representantes da Nobreza e das cidades com assento nos respectivos Estados, comunicando-lhes a sua resolução e a aquiescência do Cardeal Infante. Todos as pessoas consultadas entenderam que a rainha deveria continuar no governo até que o rei tivesse vinte anos. O expediente resultou e D. Henrique não teve outro remédio senão conformar-se e aplaudir a decisão. Contudo, D. Catarina, conhecendo a idiossincrasia do seu cunhado, conseguiu, como compensação, que o papa Pio IV o nomeasse Legado a latere perpétuo em Portugal, o que não impediu aquele de prosseguir a luta contra a rainha, enngrossando o seu partido com toda a classe de elementos nacionalistas. (p. 126)

Finalmente, em 11 de Julho de 1562, D. Catarina convocou, em nome do neto, os Estados Gerais, dizendo que o rei "queria tratar y comunicar algunas cosas muy importantes al servicio de Dios Nuestro Señor y muy en bien de mis Reinos con todos los tres Estados dellos". Assitiram à cerimónia, que teve lugar em 12 de Dezembro no Palácio da Ribeira, D. Sebastião, que ia completar oito anos, e os delegados. A seguir à entrega das petições dos representantes, o Vedor da Casa da Rainha, Simão Guedes, entrou na sala e entregou ao doutor António Pinheiro, representante do estado eclesiástico, um papel de D. Catarina, com data de 8 de Outubro, em que declarava não lhe ser possível manter-se por mais tempo no Governo, ao qual renunciava, atendendo apenas dez dias para que se decretasse como Regente o Cardeal seu irmão. Apesar de muitos aguardarem aquela decisão a leitura do documento causou profunda impressão na Assembleia. Acharam alguns que não devia ser a aceite a renúncia mas um grupo mais forte partidário do Cardeal inclinou-se perante a renúncia. Depois de muita discussão, em 23 de Dezembro de 1562, último dia do prazo mencionado pela Rainha, o Cardeal D. Henrique sucedia-lhe na Regência, com a cláusula expressa e juramento solene de entregar o governo do Reino a D. Sebastião quando este cumprisse catorze anos, em lugar do prazo de vinte anos que fora anteriormente outorgado a D. Catarina.

A propósito da doença de D. Sebastião, escreve o autor: «Otra hipótese puede ocorrir todavía. Los matrimonios consanguíneos, repetidos durante generaciones sucesivas entre las familias reales castellanas y portuguesas. acumularon en Don Sebastían - como en su primo hermano Don Carlos - las taras patológicas de sus ascendientes. No es posible que en esta hereditabilidad morbosa se encontrara la etiologia de la enfermedad? El Doctor Gregorio Marañon, que ha estudiado el caso, es más explícito y opina que Don Sebastián padecía desde muy temprano una rebeldísima espermatorrea que le proporcionaba vahidos, gran flojedad en las piernas y otros trastornos. Mostrábase además muy esquivo con las mujeres, lo cual se atribuía al exceso de rigidez de la educácion recibida de los jesuítas; pero, según el eminente facultativo, es más lógico pensar que la alteración nerviosa aneja a las citadas pérdidas tuviese su repercusión en el ánimo del joven y engendrara la timidez sexual, que los Embajadores españoles describían tan bien y con tantos detalles. Todo lo cual era compatible con uma decisión muy de hombre en los otros aspectos de la vida, incluso en los lances guerreros. No es raro, y tal vez fuera éste el caso de Don Sebastián, que se compense el poco impetu sexual con la alborotada agresividad en la vida corriente [Gregorio Marañon, Antonio Pérez]. A este respecto, el ilustre historiador antes citado establece en la misma obra un paralelismo muy original en la existencia del Rey de Portugal y del Príncipe de Asturias, Don Carlos, que no resistimos al deseo de copiar: "Fué sa vida paralela, allá en la profundidad de lo fisiológico, a la de su doble primo el Príncipe Don Carlos de España. Los dos tenían muchos puntos de contacto, que si ahora no se perciben en su trágica realidad, es porque sus conductas - que es lo que vemos de lejos - difirieron radicalmente. Don Sebastián llevó a cabo sus descabellados proyectos porque reinó y porque, prácticamente huérfano, le educaron Regentes incapaces de conducirle con severidad. Mientras que Don Carlos tuvo a su lado a su progenitor Felipe II, que vigilava sus desvaríos y los contuvo, llegando, cuando fué preciso, hasta la prisión y muerte civil. Don Sebastián, junto a Felipe II, hubiese muerto en una fortaleza. Y Don Carlos, libre, rectorado por las débiles manos de los tutores de su primo, hubiera tramado otro Alcazarquivir en Flandres. Ambos tenían la misma razón para su disparatada conducta: una herencia de egregias cualidades y egregios defectos, mezclados y remezclados a través de incesantes matrimonios consanguíneos que hoy nos producen horror."» (pp. 143-4)

Em 18 de Janeiro de 1568, D. Carlos, Príncipe de Astúrias, foi encarcerado por ordem de seu pai, Filipe II. Em 20 de Janeiro de 1568, foi proclamada no Palácio dos Estaus, a maioridade de D. Sebstião. Em 21 de Julho de 1568, verificou-se a morte de D. Carlos, acontecimento que foi recebido com alívio em Portugal (único lugar onde tal atitude ocorreu), pois receava-se que morrendo D. Sebastião sem descendência (como, aliás, se verificou), D. Carlos pudesse reclamar o trono de Portugal.

Na proclamação da maioridade de D. Sebastião, a que assistiram D. Catarina, a infanta D. Maria, o infante D. Duarte (duque de Guimarães), os duques de Bragança e de Aveiro, o marquês de Torres Novas, os condes de Vimioso e de Portalegre, e muitos prelados, fidalgos e pessoas notáveis, o cardeal D. Henrique procedeu à entrega solene ao rei dos selos reais, pronunciando algumas palavras de congratulação. 

Segundo o doutor José de Figueiredo, existem apenas três retratos de D.Sebastião que podem considerar-se autênticos: a gravura do flamengo Hieronymus Cock, aos sete anos, e os óleos de Cristóvão de Morais, nas Descalzas Reales, em Madrid, aos onze anos e no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, aos dezoito anos.

Sobre os projectos de casamento de D. Sebastião já fiz referências em posts anteriores a propósito de outras obras. Importa, todavia, transcrever uma carta de D. Juan de Borja, segundo filho do célebre duque de Gandía (S. Francisco de Borja) mas o primeiro em inteligência e cultura, embaixador de Filipe II em Portugal, para o seu rei: "Yo no acabo de determinarme qué cosa sea ésta de no quererse el Rey casar: por una parte veo que el mayor inconveniente que todos los que tratan de este negocio ponen es la poca gana que el Rey tiene de casarse, y que esto no sé de qué procede, porque en su edad ni les suele faltar estas ganas a los mozos, si non son viciosos (como no lo es el Rey). Por otra parte, dijome la Reina que el Rey estaba muy sano y muy bueno y que había sanado muy bien de aquella su indisposición. Por estotra parte háceme sospechar mal en esta materia lo que el Maestro me dijo hablando de casarse el Rey, diciendo que si alguna cosa le podía hacer mudar la idea que ahora tiene, sería como sentir en si pasiones que le pusieran en peligro de ofender a Dios, porque era tan bueno cristiano y temeroso de Dios que, por salir de este peligro, se casaria. De esto infiero que no tener pasiones en esta edad no es de tener muy sano, porque la virtud no consiste en no tenerlas, sino en vencerlas. Contóme también extremos de su honestidad, que diz que es tanta, que no se sufre tratar delante de él plática de mujeres, aunque sea tan honesto que la traten religiosos. Tiene también este extremo que nadie le ve a la mañana hasta que él solo ha tomado la camisa y vestidose en calzas y en jubón. A mi todo esto me acrecienta la sospecha que de ahí traía".» (pp. 189-190)

Depois de viúva, D. Catarina habitou no Palácio de Xabregas. A infanta D. Maria habitou nas suas casas junto a Santa Apolónia. 

As atitudes desagradáveis de D. Sebastião para com D. Catarina  motivaram o desejo desta de se mudar para Espanha, para isso contactando seu sobrinho Filipe II. O embaixador espanhol em Lisboa propôs, em nome do rei, os lugares de Ocaña ou Talavera para residência, com jurisdição e senhoria. Como a partida da rainha seria vista com desagrado por uma larga parte da nobreza e até do povo, D. Sebastião alterou o seu comportamento em relação à avó, passando a visitá-la com frequência e fingindo aceitar os seus conselhos. Após várias peripécias familiares e diplomáticas, D. Catarina acabou por renunciar à ideia e nunca abandonou Portugal, onde morreu.

Traduzo das páginas 229-230:

«Em 18 de Agosto de 1572 celebrava-se em Paris a boda da Princesa Margarida com o jovem Rei de Navarra, e em 24, dia de São Bartolomeu, realizava-se o horrendo massacre dos huguenotes, que, se não surpreendeu a muitos, consternou, por outro lado, o mundo inteiro, provocando diversas reacções, de acordo com as crenças de cada povo. Em Espanha encontrou aplauso e aprovação unânime. Em Portugal foi festejada com uma procissão geral, missa solene em São Domingos, sermão congratulatório, toque de sinos e iluminações. Dom Sebastião, entusiasmado, mandou a Paris um Embaixador extraordinário, o Comendador Mor de Cristo, Dom Afonso de Lencastre, encarregado de significar a Carlos IX o seu contentamento por tamanha obra, executada com tanto zelo. Esta foi a única oportunidade em que o Monarca português se encontrou de acordo com Filipe II e com a sua política de destruir o protestantismo a ferro e fogo, influenciado não apenas pelo seu indiscutível zelo católico, se não pela recordação dos numerosos jesuítas imolados dois anos antes na costa do Brasil por uma armada de corsários franceses sob o comando do calvinista Jacques Soría, assim como do assasinato de mais treze pelo luterano Juan Capdevilla, ao capturar o navio que conduzia o Governador do Brasil Dom Luís Fernandes de Vasconcelos.»

A morte do infante D. Carlos em 24 de Julho de 1568 não provocou grande dor na Corte mas sim na rainha de Espanha e na princesa D. Joana e também no povo e nas chancelarias estrangeiras. Uma vaga sensação de temor e de respeito se estendeu desde então sobre o reinado de Filipe II, admiravelmente expressa por Frei Luís de Léon no seu magnífico epitáfio ao Príncipe defunto, onde não podem encerrar-se mais conceitos em menos palavras:

"Aqui yacen de Carlos los despojos: la parte principal volvióse al cielo. Con ella fué el valor, quedóle al suelo miedo en el corazón, llanto en leos ojos."

Em publicações anteriores sobre D. Sebastião já nos referimos com algum pormenor à batalha de Alcácer-Quibir. Por isso, não entraremos nos detalhes descritos no presente livro. Mesmo assim, alguns aspectos há que importa mencionar.

No início da página 269 pode ler-se: «La empresa de África! Éste es el hecho que simboliza y recuerda el reinado de Don Sebastián. Todas las faltas de su educación, los defectos de su carácter, la resistencia a contraer matrimonio, el desvío respecto de su abuela, sus ambiciones de gloria, el anhelo indeterminado de asombrar al mundo por valiente y guerrero; lo mismo los pensamientos más elevados del Monarca lusitano, que las insólitas fatigas a que gradualmente iba acostumbrando su cuerpo, todo fué poco a poco cristalizando en un ideal poco definido al princípio, pero hermoso y propio para seducir la imaginación de un mancebo y enardecer los alientos de un nieto de Carlos V: ser capitán de Cristo!». O sonho de África foi sempre a grande obsessão de D. Sebastião, e para tal foi também muito incentivado pelos mais lisonjeadores dos seus vassalos. Interpretando, ou julgando interpretar o sentimento popular, o próprio Camões escreveu:

«Não se aprende, Senhor, na phantasia/Sonhando, imaginando ou estudando,/Senão vendo, tratando e pelejando.» (p. 270)

Animado pelos triunfos de D. Luís de Ataíde, já em 1571 D. Sebastião queria passar à Índia, sendo disso dissuadido pelo cardeal D. Henrique. Por isso, virou-se para o continente vizinho, aspiração inutilmente combatida pelo seu confessor, o padre Luís Gonçalves da Câmara.

«A ideia de ingressar na Liga contra o Turco deslumbrou por um momento a imaginação de D. Sebastião; porém, o combater às ordens de outro general estrangeiro e não poder dirigir a empresa como antes fizera D. João de Áustria, levaram-no a renunciar às suas intenções, ainda que não aos preparativos da Armada, que se suspeitava seria destinada a África.» (p. 271). Aliás, a batalha de Lepanto pusera um termo à grande ofensiva do Império Otomano no Mediterrâneo. Já anteriormente D. Sebastião organizara uma armada que foi destruída em 13 de Setembro de 1573 por uma tempestade que se desencadeou no porto de Lisboa, com tal fúria que ninguém se recordava de outra semelhante, e que desfez a magnífica frota que tantos sacrifícios custara aos portugueses.

Em 1574, D. Sebastião partiu falsamente para o Algarve com um conjunto de navios, e só depois informou Lisboa que se dirigia a Tânger, encarregando da Regência o cardeal D. Henrique durante os mais de três meses em que esteve ausente. 

Aquando da expedição a Alcácer-Quibir, o Escrivão da Puridade Martim Gonçalves da Câmara esperava ficar como Regente, pois era irmão do confessor do rei e gozava de grande influência junto dele, mas as suas aspirações não se concretizaram pois tinha contra si D. Catarina, D. Henrique e grande parte da  Corte.

Desde a expedição a Tânger, quatro validos passaram a gozar de grande influência junto de D. Sebastião: D. Álvaro de Castro, Cristóvão de Távora, Diogo da Silva e Manuel Quaresma Barreto. Fotam estes que com Pedro de Alcáçova Carneiro conseguiram a queda de Martim da Câmara.

Aproximamo-nos do fim deste longo livro, mas ainda falta mais de uma centena de páginas. 

Pelo seu interesse, transcrevo das páginas 297-8, a propósito da doença de D. Sebastião:

«En cuanto al Rey se refería, la impresión de Don Juan de Silva, al verle por primera vez, consistió en encontrale "algo mudado de los defectos que sacó de manos de estos hombres", reconociendóle muy buenas partes naturales y muchas virtudes de Príncipe: "pero su educación fué tan bárbara que no se han descubierto"; al mismo tiempo el Embajador comunicaba a Felipe II una notícia fatal para el êxito de las negociaciones del matrimonio: "Escrita ésta, he sabido que el mal del Rey es de la qualidad de los que tuvo en la niñez, y que no se tiene en poco aunque le encubran; cúranle de noche y hanse hecho juntas secretas de muchos cirujanos de Lisboa." (Carta de D. Juan de Silva para Filipe II, em 20 de Março de 1576)

Con fecha 6 de marzo, días antes de este despacho, había escrito ya Don Juan de Silva al Soberano que creía observar "que todos sospechan que V. Magd tiene poca satisfacción de la persona del rrey y que aquí bate la dificultad", añadiendo después: "Aunque V. Magd no me avía mandado expresamente examinar la sospecha que se ha tenido de la inhabilidad del rrey para tener hijos y la plática sea indeçente, es todavía este artículo tan importante que no quiero dexar de apuntar lo que me parece... Cosa es averiguada no aver el rrey hecho prueba de sí ni intentádolo jamás. Muestra demás desto tanto odío a las mujeres, que aparta los ojos dellas, y si una dama le sirve la copa, busca como tomarla sin tocarle la mano; e jugando un día entero a las cañas, no levanta la cabeza a las ventanas. El aspecto es de hombre muy sano y antes fuerte que defectuoso: Dizen todavía qe tiene en las piernas una frialdad muy grande, y assí las abriga mucho; pero muy buena fuerza debe tener en ellas, porque haze grandes ejercicios a la gineta. Criáronle los de la Compañia afeándole el trato con las mujeres como un pecado de eregia, y bevió aquella doctrina de manos que no haze diferencia de lo que es gentileza y virtud a lo que es ofensa de Dios; y assí sospecho que podría no aver en él este defecto que se teme. - No le parezca a V. Magd que me anticipo a escribir particularidades, aviendo estado aquí tan pocos días, porque todo lo que aquí digo es cosa pública y manifiesta, ni pienso que en mucho tiempo se podrá hazer más averiguación que ésta.»

Como D. Sebastião apenas aceitou tratar do seu eventual casamento quando resolveu passar a África, escreveu Pinheiro Chagas que ele «só decidiu a aceitar mulher quando se preparava para a deixar viúva»! (p. 299)

Foram três os pontos que o embaixador português em Espanha apresentou a Filipe II com vista à conferência de Guadalupe: 1) A realização da visita; 2) o casamento com a infanta Isabel Clara Eugénia; 3) O apoio à expedição a África para a conquista de Larache.

«Deseoso Don Felipe de honrar a su sobrino, dióle desde el primer día el tratamiento de Majestad, título no usado hasta entonces en Portugal y comió con él un día, compartiendo en otro la mesa de Don Sebastián; las conferencias fueran largas, y a ellas  concurrieron el Duque de Alba, con el Prior Don Antonio de Toledo a veces, y Don Cristóbal de Moura, siempre, como intérprete entre ambos Monarcas, aficionándose de tal suerte Don Sebastián al genio y modo de pensar del Gran Don Fernando de Toledo, que, cuando estaba desocupado, llamáble a menudo para conversar acerca de cosas de guerra.» (p. 317)

«Fué el Duque de Alba quien exigió los contingentes extranjeros. Los portugueses peleaban heroicamente en África y en la India cuando se trataba de asaltos o defensas de ciudades y plazas fuertes. Nadie les excedía en aquellas empresas, pero hacía un siglo que no se batían en campo abierto. Los moros, después de la unificación política de Marruecos, conocían el manejo de todas las armas, y, manteniendo la táctica especial de su caballería, habían sido iniciados en los movimientos de la guerra moderna por instructores cristianos, contratados o renegados. No bastaba, pues, la bravura; era indispensable la presencia de capitanes que tuvieran práctica, de veteranos formados en otras campañas para que sirvieran de apoyo a los soldados bisoños. De aquí las pretensiones de Felipe II de que se reclutasen seis mil alemanes y dos mil italianos, pagándoles buenos sueldos.» (p. 323)

«Justamente cuando en el ánimo del hijo de Carlos V batallaban tan generosos sentimientos, vino a descubrirse en París un documento emanado de los Estados Generales de los Países Bajos y dirigido al Rey Don Sebastián, por el que se pedía a éste su intervención para que Filipe II revocase los poderes a Don Juan de Austria, nombrando Gobernador y Capitán General de Flandres al Archiduque Matías, sobre la base de pacificación de Gante. Este importante documento daba lugar a suponer (como después veremos era cierto) culpable inteligencia entre el Rey de Portugal y los rebeldes flamencos, por lo que fué muy grande el disgusto que Felipe II sintió al leerlo, aunque por el momento decidiera disimular sus impresiones.» (p. 350)

Ao saber da decisão de D. Sebastião de efectuar a expedição a África, D. Catarina, que já se encontrava bastante doente, morreu alguns dias depois desta notícia (12 de Fevereiro de 1578).

Perante a obstinação de D. Sebastião, resolveu Filipe II enviar um Grande de Espanha para lhe manifestar a sua hostilidade ao projecto que então estava em marcha.  Foi enviado D. Juan de la Cerda, duque de Medinaceli, figura notabilíssima, para assitir às cerimónias fúnebres de D. Catarina e também para se avistar com o rei português. Um do aspectos da missão do duque referia-se à sucessão de Portugal. Trata-se do primeiro documento em que Filipe II, por meio do secretário Zayas, tratou de tão importante assunto. Escreve o embaixador espanhol D. Juan de Silva: «la conveniencia de que la persona que visitara a Don Sebastián le dijera cuánto aventuraba, no teniendo hijos, en meter su persona en tanto peligro; "porque nos conviene mostrarnos desinteresados de la sucesión deste Reino que los mismos portugueses tienem por nuestra infaliblemente si el Rey faltara sin hijos, a quien dicen que ha de suceder el Cardenal Infante de quien S. M. es heredero forzoso como más propinquo del Rey Don Manuel"» (p. 367)

«El problema de la sucesión del Reino era, en efecto, de tal magnitud, que el propio Don Sebastián llevó el caso al Consejo, donde todos votaron al Cardenal por sucesor; pero al tratar del segundo heredero se dividieron las opiniones, queriendo unos que se escogiera ya y otros que non se privase a Don Enrique de la libertad de hacerlo, quedando aplazado el asunto para nueva reunión. Esta segunda reunión no tuvo nunca lugar, pues Don Sebastián, de acuerdo con Pedro de Alcaçova, que conocía bien el natural orgulloso del Rey, incompatible con los derechos de un sucesor reconocido, se negó en absoluto a volver a tratar del asunto, y así quedó en el aire tan delicada materia.» (p. 368)

O duque de Medinaceli chegou a Lisboa a 7 de Abril, encontrando-se depois com D. Sebastião. Pediu-lhe em nome de Filipe II que suspendesse a expedição ou pelo menos que não fosse ele em pessoa. Com argumentos já utilizados, D. Sebastião recusou em absoluto as pretensões do tio. Em 15 de Abril, D. Sebastião escreveu a Filipe II insistindo na necessidade de ir pessoalmente a África e dando-lhe graças pelos seus bons ofícios. Em 22, o rei português concedeu segunda audiência ao duque de Medinaceli, que nada acescentou à primeira. Em 19, celebraram-se no Mosteiro de Belém as exéquias de D. Catarina. 

Os alemães que vieram para participar na expedição (acompanhados das mulheres, amantes e filhos) eram calvinistas e luteranos, o que causou profundo assombro em Lisboa. Para pelejar em África contra os mouros serviam a D. Sebastião tanto os católicos como os protestantes, ou até o dinheiro dos cristãos novos, o que não se coadunava com a sua defesa da fé católica. 

Uma carta da Junta Revolucionária dos Países Baixos (p. 373) ao rei de Portugal, pedindo-lhe que intercedesse junto de Filipe II para que este livrasse os ditos países dos agravos de Espanha causou a pior impressão no monarca espanhol que, no entanto, disse ao embaixador D. Juan de Silva que se ignorasse a carta.

A expedição a Alcácer-Quibir já foi tratada com algum detalhe em posts anteriores. Convém, contudo, registar algumas notas.

O poderoso Abdel-Malik (Muley Moluco) fizera já várias tentativas para que D. Sebastião o deixasse em paz. Queria agora, enquanto senhor dos reinos de Fez e de Marrocos e depois de todas as atribulações que sofrera, uma vida de tranquilidade e sossego. Por isso transmitira a D. Duarte de Meneses, governador de Tânger, a sua incompreensão pelo facto de D. Sebastião se ter aliado a Muley Mohamed, seu sobrinho, que era tão mouro como ele e inimigo dos cristãos, e ainda por cima não tinha dignidade real pois era filho de uma escrava negra. Por outro lado, D. Sebastião não tinha de recear as tropas otomanas que já não constituíam um perigo. Para estabelecer uma paz duradoura, Abdel-Malik oferecia ao rei de Portugal três fortalezas em África. D. Duarte de Meneses, por ordem de D. Sebastião, considerou as propostas inaceitáveis. Nestas condições, Abdel-Malik dirigiu-se a Filipe II pedindo a sua intervenção. Ele (Abdel-Malik) não consentiria os turcos na Berbéria nem daria ao Sultão qualquer lugar no seu Império, pelo que os reinos da Península estavam seguros contra qualquer ataque otomano. E estava mesmo pronto para auxiliar Filipe II caso este quisesse empreender a conquista de Argel. 

O Rei Católico fez saber ao seu sobrinho que considerava aceitáveis as propostas do soberano marroquino, não compreendendo porque D. Sebastião persistia em ajudar um rei mouro vencido que sempre fora inimigo dos portugueses. Mas o rei de Portugal manteve-se surdo às objecções do tio, invocando falsos pretextos para continuar a preparação da expedição. Abdel-Malik escreveu então directamente a D. Sebastião demonstrando-lhe que era o verdadeiro soberano daquelas terras e que estava disposto a enviar-lhe mensageiros para tratar do assunto. D. Sebastião nem sequer respondeu, pois o que realmente pretendia era um confronto com o Moluco que era um famoso guerreiro que ele pretendia vencer para sua glória. 

A questão do governo durante a sua ausência em África não preocupou muito D. Sebastião. Nem chegou a oferecê-lo ao cardeal D. Henrique com quem andava desavindo, ao contrário do que afirmam alguns historiadores. Escreveu-lhe apenas uma carta em que declarou não querer sobrecarregá-lo com esse trabalho, uma vez que se encontrava adoentado. Por isso, nomeou para o efeito o arcebispo de Lisboa, Pedro de Alcáçova Carneiro, Francisco de Sá e D. João de Mascarenhas. 

Entretanto, começaram a chegar a Lisboa os soldados estrangeiros, alemães, flamengos, italianos e espanhóis que provocaram grande animação mas também confrontos na capital. E até mortos e feridos. D. Sebastião não era muito popular entre os portugueses. Fora O Desejado antes de nascer e depositaram nele muitas esperanças mas a sua conduta não era de molde a entusiasmar o povo. Contudo, nas vésperas da expedição foi suscitado um entusiasmo com a partida, ainda que o alistamento forçado de todos os jovens e homens válidos para a guerra provocasse descontentamento, especialmente na província, que fornecia o maior contingente. Mas D. Sebastião precisava de tropas, pois a ajuda de Filipe II e os soldados que contratara eram manifestamente insuficientes como se veio a provar.

A armada de D. Sebastião saiu de Lagos em 27 de Junho de 1578 e chegou a Cádiz a 28, onde o rei foi recebido com todas as honras, aí permanecendo até 7 de Julho. Nesta data, em a armada zarpou de manhã para Tânger, onde chegou à meia-noite. Muley Xeque, filho de Muley Mohamed, foi a bordo cumprimentar o soberano, tendo o pai, que já se contrava em Tânger, saudado o monarca português no dia seguinte. 

No dia 11, D. Sebastião navegou para Arzila, tendo uma parte das tropas iniciado o percurso a pé, e chegou no dia seguinte àquela cidade. O desembarque do exército começou no dia 14 e terminou no dia 16. O rei poderia ter conquistado facilmente Larache por mar, mas insistiu que o faria a partir de terra, o que não passava de uma falso pretexto. O verdadeiro, e único, objectivo de D. Sebastião era confrontar-se com Abdel-Malik, conhecido por ser um valoroso guerreiro, mas não podia confessá-lo abertamente.

Assim, decidiu marchar para Alcácer-Quibir, esperando encontrar Abdel-Malik (o Moluco) no caminho. Em carta a Filipe II, Juan de Silva, embaixador espanhol em Lisboa e que acompanhava a expedição, escreve que o Moluco enviou um judeu de Tetuão para dizer a D. Sebastião que entregava aquela cidade, Larache e também o cabo de Gué com vista a travar o início das hostilidades. E mais: que o alcaide Alcácer-Quibir dispunha de poderes para negociar. Mas o rei impediu qualquer negociação e procurou ocultar dos seus próximos aquela proposta de paz. 

Entretanto começavam a escassear os víveres e as tropas passavam fome, sendo difícil o reabastecimento. E havia confusão nas tropas. O início da marcha foi marcado para o dia 29 mas devido a novas indicações sobre o forte exército do Moluco, D. Sebastião, desta vez pressionado mesmo pelos seus mais íntimos, admitiu regressar a Arzila. Todavia a armada portuguesa já havia abandonado a cidade, o que, intimamente, só agradou a D. Sebastião, visto a única solução ser prosseguir na caminhada. 

O capitão espanhol Francisco Aldana, que se encontrava ao serviço da expedição, entregou a D. Sebastião uma carta do duque de Alba e o elmo com que Carlos Quinto entrara vitorioso em Tunis. O rei levava também a espada de D. Afonso Henriques, que havia requisitado à igreja de Santa Cruz de Coimbra, mas que foi, providencialmente, esquecida na embarcação real, tendo sido assim evitada a sua perda. Reiniciou-se a marcha no dia 1 de Agosto e D. Sebastião decidiu travar a batalha no dia 4. Muley Mohamed, que dispunha de informações confidenciais dos seus fiéis que permaneciam em Marrocos, tentou impedir o rei, pois sabia que o Moluco estava gravemente doente (talvez tivese sido envenenado) e que após a sua  morte seria muito mais fácil derrotar o exército marroquino. É claro que D. Sebastião não lhe deu ouvidos, pois o que ele queria era derrotar o Xerife vivo, o resto não lhe importava.

Sobre a batalha, a morte do rei, a sua sepultura, transferência do corpo para Ceuta e trasladação para Lisboa já se comentou em posts anteriores. Em 1582, tendo Filipe II decidido essa trasladação, a cargo do duque de Medina Sidónia, D. Álvaro Pérez de Guzmán, o corpo chegou a Faro. Daí o cortejo passou por Tavira e Beja tendo chegado a Évora no dia 9 de Dezembro, onde foi recebido com grande solenidade pelo arcebispo, D. Teotónio de Bragança. Na manhã do dia 11 seguiu o féretro para Lisboa, onde o corpo recebeu sepultura no Mosteiro de Santa Maria de Belém, com a presença de Filipe II e do cardeal arquiduque Alberto de Áustria.

A batalha de Alcácer-Quibir ficou conhecida na história de Marrocos por "Batalha dos Três Reis", já que nela morreram D. Sebastião, Muley Mohamed (que se afogara ao fugir do campo de batalha) que fora destronado por Abdel-Malik e o próprio Abel-Malik.

Apesar dos maus presságios em Lisboa, a notícia da tragédia só foi confirmada por uma carta confusa de D. Leónis Pereira, capitão de Ceuta, enviada a Pedro de Alcáçova, e imediatamente se reuniram os governadores em Conselho. Mas ainda se ignorava a extensão do desastre ou se o rei estava vivo ou morto. Os governadores chamaram secretamente o cardeal D. Henrique, herdeiro presuntivo do trono, que se encontrava em Alcobaça, para que se encarregasse do governo, até que se recebessem notícias a confirmar a morte de D. Sebastião. Apesar da confidencialidade, a notícia rapidamente se espalhou por Lisboa e pelo país, provocando o maior pânico e a maior consternação. Mas só a 24 chegaram cartas confirmando a derrota, decidindo então o cardeal e os ministros dar conta dela à população. A notícia chegou a Madrid no dia 10 de Agosto, através de um correio despachado pelo duque de Medina Sidónia, encontrando-se Filipe II no Escorial. 

Porque este texto já vai demasiado longo, não referirei toda a acção diplomática de Filipe II no sentido de concretizar a velha ambição de ligar a Espanha a Portugal sob o mesmo soberano, já que D. Henrique estava velho, além de ser cardeal (embora o papa o pudesse dispensar dos votos, como fez ao cardeal arquiduque Alberto). 

As dúvidas sobre a morte de D. Sebastião, também motivadas pela fuga de um jovem cavaleiro português (Diogo de Melo, segundo Frei Bernardo da Cruz) que escapara da batalha e se refugiara em Arzila fazendo-se passar pelo rei para lhe abrirem as portas (engano logo desfeito), alimentaram, até hoje, a lenda do "Sebastianismo". Durante o reinado de D. Henrique, os patriotas permaneceram na expectativa. Mas depois das Cortes de Tomar e da proclamação de Filipe II ressurgiu com ímpeto a ideia de que o monarca vencido em Alcácer-Quibir continuava vivo. Uma ideia baseada nos escritos proféticos dos sapateiros Simão Gomes e Gonçalo Anes de Bandarra, que ganharam grande popularidade. Durante anos apareceram quatro falsos D. Sebastião, conforme narrado em post anterior.

«La figura de Don Sebastián, no obstante la corta duración de su reinado efectivo, ha sido la predilecta de cronistas, historiadores y comentariastas, hasta el punto de poder afirmarse que ningún Rey portugués mereció nunca tanta atención y estudio por parte de investigadores y eruditos. » (p. 431)

FIQUEMOS POR AQUI, que já muito se escreveu. Este livro e o do professor Queiroz Velloso, são fundamentais para o conhecimento de D. Sebastião, sobre quem nunca tudo terá sido escrito. Um rei que pela sua alucinação, vaidade, ambição e teimosia arrastou o pais para uma das maiores tragédias da sua história mas que, apesar de tudo, continua a ser objecto de estudo e mesmo de veneração por parte dos portugueses.

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