Deve-se ao prof. Queiroz Velloso a primeira biografia erudita de D. Sebastião publicada no século passado (1935).
O autor procedeu a uma notável investigação no Arquivo Geral de Simancas, onde repousam os documentos essenciais para o estudo da história de Castela e de Portugal, e também da Europa, nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Como estou a ler ou a reler todos os livros sobre D. Sebastião que possuo na minha biblioteca, e como os factos naturalmente se repetem, anotarei apenas alguns dos aspectos que mais me interessaram na presente obra, tentando evitar repetir o que já comentei em posts anteriores.
Importa realçar que Carlos Quinto, já retirado no Mosteiro de Yuste, não se entregava apenas à meditação mas continuava a intervir nos negócios do mundo nem sempre discretamente. No caso que se refere a missão foi realmente secreta. O imperador enviou em 1557 o Padre Francisco de Borja, Superior Geral da Companhia de Jesus, a Lisboa, em missão secreta, para transmitir uma mensagem à rainha D. Catarina. Para disfarçar, o embaixador oficioso deveria visitar algumas casas e colégios da Companhia no nosso país. Os objectos da missão eram os seguintes: 1) A sucessão do príncipe D. Carlos; 2) O defeito que tinha a bula de dispensação de parentesco entre o rei D. Manuel e sua segunda esposa - como em tempo lhe revelara, sob o maior sigilo, o cardeal de Viseu (D. Miguel da Silva) - pois se, na realidade, a bula fosse deficiente, o impedimento abrangeria os descendentes de D. João III, inabilitando-os para a coroa, à qual poderia, nesse caso, ser chamada a infanta D. Maria, filha da última esposo do rei venturoso; 3) averiguar se o embaixador da França teria proposto o enlace de D. Sebastião com uma filha do rei cristianíssimo, devendo lembrar-se a D. Catarina que seria muito mais conveniente o matrimónio do neto com uma filha dos reis da Bohemia, que podia ser trazida para Portugal e a sua educação confiada à mesma rainha, que tanto pelo pai, como pela mãe, era tia-avó dessa princesa; 4) Activar a saída da infanta D. Maria para Castela, onde a mãe a esperava com impaciência, o que traria ainda a vantagem de cortar quaisquer veleidades que as revelações do cardeal de Viseu, provavelmente conhecidas pela infanta, podiam ter despertado no seu espírito.
Para garantir a confidencialidade, o imperador combinou uma cifra com Francisco de Borja. A intenção de Carlos Quinto era evidente. Pretendia utilizar a irmã D. Catarina no sentido de criar condições para uma eventual sucessão de seu neto D. Carlos ao trono de Portugal, por falecimento sem filhos (maxime sem filhos varões) de D. Sebastião. Nesta altura ainda D. Carlos não estava completamente louco. Mas D. Catarina, apesar de representar em Portugal o "partido espanhol", não achou oportuno que se publicasse uma Pragmática sobre essa sucessão, o que o imperador compreendeu como explica numa carta a seu filho Filipe II: «sin decir que se hiciese otra diligencia, pareciéndome que en cosas desta calidad es peor quanto mas se tratan». Carlos Quinto sabia bem, por experiência própria, que os negócios de Estado não se podem, muitas vezes, resolver com rapidez. E a infanta D. Maria também não se transferiu para Castela, acabando por morrer em Portugal. (A partir da p. 27)
Sobre o Concílio de Trento e Portugal:
«Em 4 de Dezembro de 1563 - já D. Catarina resignara - efectuou-se a última sessão, promulgando o papa, no dia 26 de Janeiro seguinte, a bula de confirmação dos decretos do Concílio. Em Portugal, foram admitidos e mandados observar sem restrição alguma, como era de esperar, por ser conjuntamente o cardeal-infante regente do reino e Legado a latere; foi até o único país católico, que não apresentou dúvidas.» (p. 53)
Devido às desavenças com o cardeal D. Henrique, D. António, Prior do Crato, ausentou-se ocultamente para Castela, resolvido não só a expor os seus ressentimentos, como a solicitar o patrocínio de Filipe II. a quem já em tempos se queixara do modo descaroável com que era tratado. Quer D. Henrique, quer D. Catarina não queriam que ele trocasse o hábito de clérigo (já era diácono) - e só fizera votos por obediência ao pai, o infante D. Luís - pelo da Ordem de São João de Jerusalém, a que pertencia.
«Filipe II, tomando para si o papel de chefe da família real portuguesa, procurou congraçar estas desavenças; e além de escrever a D. Catarina e D. Henrique, em princípios de 1566 resolveu mandar a Lisboa uma pessoa da sua confiança para tratar directamente do assunto. O escolhido foi o português Cristóvão de Moura, comendador da Fuente del Moral na Ordem de Calatrava e gentil-homem de la boca do príncipe D. Carlos, que havendo acompanhado a princesa D. Joana, de quem era pajem, conseguira boa situação na corte espanhola, pela protecção do seu patrício, o Príncipe de Eboli, Rui Gomes da Silva, a cujo partido pertencia, mas sobretudo pela amizade que D. Joana lhe mostrou sempre, não só nomeando-o depois seu estribeiro mor, como escolhendo-o para testamenteiro.» (p. 73)
Cristóvão de Moura conseguiu que o cardeal não só concedesse ao Prior do Crato uma renda vitalícia e um importante subsídio para o pagamento das suas dívidas, mas se comprometesse a não lhe impor a aceitação da ordem de presbítero, até que Deus o inspirasse para o seu serviço. Só numa coisa se mantinha D. Henrique irredutível: não consentir que o sobrinho mudasse de hábito, temendo que D. António, tornado secular, aspirasse ao casamento. «O Prior do Crato voltou então para Portugal, donde estivera ausente mais de ano e meio; e a 8 de Setembro de 1566, escreveu de Lisboa a Filipe II uma afectuosíssima carta, reconhecendo-se mais obrigado que todos, e desejando-lhe longa vida e felicidades.» (p. 74) Só mais tarde D. António conseguiu trocar o hábito clerical pelo da Ordem de São João de Jerusalém, nesse tempo já denominada de Malta, por dispensa do papa Gregório XIII, com grande indignação do cardeal D. Henrique. Em 18 de Maio de 1574, escreveu o Prior do Crato ao rei católico, pedindo-lhe mercê de sua benção e autoridade, e confessando-se mais uma vez seu criado e vassalo. Como sabemos, em 1580, o duque de Alba, D. Fernando Álvarez de Toledo, em nome de Filipe II, derrotaria as tropas de D. António na batalha de Alcântara. São as reviravoltas da História.
«Outro facto ocorreu então, dentro da família real, que merece também referência. A duquesa de Parma, D. Margarida de Áustria, filha natural de Carlos Quinto, que governava os Estados da Flandres como representante de seu irmão, rogou-lhe, em 1563, que tratasse, junto da rainha D. Catarina e do regente, do casamento de seu filho, o príncipe Alexandre Farnésio - que tamanha fama viria a ganhar, pelos seus dotes militares - com a Senhora D. Maria, filha mais velha do infante D. Duarte e de D. Isabel de Bragança, e neta, portanto, do rei D. Manuel. Assumindo de bom grado o papel de chefe da família, que gostava de acentuar, Filipe II dirigiu as negociações, sendo o contrato antenupcial assinado em Madrid, a 14 de Março de 1565; foi procurador da princesa seu tio, D. Teotónio de Bragança. [...] D. Maria faleceu em 1577; seu filho primogénito, o príncipe Rainúncio, foi um dos pretendentes ao trono de Portugal, após a morte de D. Sebastião.» (p. 75)
«Em 20 de Janeiro de 1568 - justamente no dia em que completava catorze anos - tomou D. Sebastião conta do poder. Como a idade do rei era curta para levar o peso de tão dilatada monarquia, alguns historiadores explicam o facto por uma conspiração palaciana, promovida pela rainha D. Catarina - que assim queria pagar ao cunhado as dificuldades e embaraços, que ele levantara à sua regência - aliada com os jesuítas, cuja influência sobre o novo rei era tamanha, que podendo governar directamente, pela mão do seu pupilo, já podiam dispensar o cardeal-infante, tornado agora um instrumento inútil. Outros atribuem a emancipação política do rei ao seu desenvolvimento precoce e a instigações da rainha e do seu partido, que se aproveitaram das poucas simpatias que entre a nobreza e o alto clero tinha o cardeal, pela sua demasiada protecção aos jesuítas. A verdade é muito mais simples. D. Henrique entregou o governo ao sobrinho, logo que ele perfez catorze anos, porque assim o haviam deliberado as Cortes, em 1562, e assim o jurara o próprio cardeal, no mesmo dia em que tomou posse da regência.» (p. 84)
«Desde o ensino da leitura pelo Padre Amador Rebelo, mostrou D. Sebastião memória pronta e inteligência aguda. No estudo das Humanidades, com o Padre Luís Gonçalves da Câmara, como no das Matemáticas, que aprendeu com o célebre Pedro Nunes, os seus progressos foram rápidos. A sua instrução, apesar de terminada cedo, ao entrar na maioridade política era relativamente extensa. Descontando o costumado exagero dos cronistas - [...] - os documentos, que nos deixou escritos, revelam sem dúvida os variados conhecimentos que possuía; mas também, aqui e além, uma estranha confusão de ideias, uma obscuridade de pensamento, que fazem de certos períodos verdadeiros enigmas. E quási todos ressumantes de vaidade - como notou o perspicaz embaixador espanhol D. João da Silva - a infantil vaidade dum autor, que julga irrespondíveis os seus argumentos e confia absolutamente no poder de sugestão das suas palavras.» (pp. 89-90)
«O Padre Luís Gonçalves da Câmara também estivera em Marrocos. Pensionista no Colégio de Santa Bárbara, da Universidade de Paris, onde realizara sólidos estudos humanísticos, estava cursando teologia na Universidade de Coimbra, quando em 1545, com vinte e sete anos de idade, entrou para a Companhia de Jesus, animado por Pedro Fabro, a quem conhecera em Paris, e que no ano anterior viera a Portugal, numa importante missão de Inácio de Loyola junto de D. João III, aproveitando o enseja para visitar o Colégio de Coimbra. [...] A pedido do capitão mor de Ceuta, D. Afonso de Noronha, em Agosto de 1548, foram os Padres Luís Gonçalves da Câmara e João Nunes Barreto - que veio a ser patriarca da Etiópia - mandados a Tetuão, para conforto e consolo dos prisioneiros cristãos. Com tanta dedicação e carinho os tratava o Padre Luís Gonçalves, visitando-os nas masmorras, fortalecendo-os nas suas crises de desespero, procurando suavizar os penosíssimos trabalhos a que eram obrigados, que todo os cativos o adoravam. » (p. 92) [Neste parágrafo, o autor recorre ao Padre Baltasar Teles (Chronica da Companhia de Jesu na Provincia de Portugal) e a Francisco Rodrigues S.J. (História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal). O professor norte-americano Harold Johnson, em Dois Estudos Polémicos, interpreta a palavra "consolo" num sentido muito amplo]
«Até tomar conta da governação do reino, D. Sebastião viveu sempre em companhia da avó. Mesmo quando o regente saía de Lisboa para Sintra ou Almeirim, e levava consigo o sobrinho, D. Catarina o acompanhava. Enquanto não completou sete anos, comia e dormia nos aposentos da rainha. Depois teve aposentos separados; mas todos os dias visitava a avó e com ela se demorava geralmente uma hora, ouvindo-lhe conselhos e, às vezes, repreensões, que o seu feitio voluntarioso e orgulhoso só por obrigação recebia. D. Catarina também, frequentemente, o procurava no seu quarto, sobretudo de manhã, "para ver se havia nelle, ou nos que lhe assistião, que advertir e emendar". (p. 93)
«Aos treze anos, no mosteiro da Madre de Deus, em Xabregas, durante a profissão de D. Maria de Meneses, perguntou-lhe a antiga dama da rainha D. Catarina o que queria, em dia tão solene, que ela pedisse ao seu Divino Esposo. Pedilhe que me faça seu Capitão - respondeu o rei. Era uma ideia fixa que se foi pouco a pouco transformando na orgulhosa convicção de estar predestinado para grandes coisas.» (pp. 96-7)
«Em 1566, quando o rei completou doze anos, Fr. Luiz de Montoya, alegando que a decrepitude o impedia de seguir a corte nas suas jornadas, ou porque "conhecia desprazer no Cardeal de elle servir o officio", como diz Fr. Manuel dos Santos [Historia Sebastica], pediu escusa do cargo de confessor. D. Henrique - cujo director espiritual já era o Padre Leão Henriques, também jesuíta, primo do Padre Luís Gonçalves da Câmara e seu condiscípulo no Colégio de Santa Bárbara, donde vieram ambos para Coimbra - empenhou-se junto da cunhada para que o mestre fosse ocupar o lugar vago. Rodeando-o só de pessoas da sua confiança, o cardeal-infante preparava o ambiente para a futura maioridade do rei, que não tardava já dois anos.» (p. 97)
«A influência, que o Padre Luís Gonçalves da Câmara exerceu em D. Sebastião, foi grande. Que dotes de sedução teria ele para se impor a uma criança tão impulsiva, tão voluntariosa, tão compenetrada do seu poder absoluto, tão orgulhosa de si mesmo? O confessor - como dizia o embaixador Antonio Tiepolo, que nos princípios de Janeiro de 1572 foi apresentar ao rei, em Almeirim, um pedido da Senhoria de Veneza - era muito feio, di brutta presenza, cego dum olho e muito gago.» (p. 99)
D. Sebastião era profundamente misógino. Não suportava a presença de mulheres a servi-lo, não permitia sequer que alguma lhe tocasse e nem erguia olhos para onde elas estivessem. Em carta para Filipe II, o embaixador espanhol em Portugal, D. João da Silva, em 6 de Março de 1576 (Arquivo Geral de Simancas) escreve: «Aunque V. Mg.d no me aia mandado expressamente examinar la sospecha que se a tenido de la inhabilidad del rrey para tener hijos y la platica sea indeçente, este todavia este articulo tan importante que no quiero dexar de apuntar lo que me parece. Cosa es averiguada no aver el rrey hecho prueva de si, ni intentandolo jamais. Muestra de mas desto tanto odio a las mujeres, que aparta los ojos dellas y si una dama le sirve la copa, busca como tomarla sin tocarle la mano; e jugando un dia entero a las cañas, no levanta la cabeza a las ventanas.» (p. 112)
«D. Sebastião não tinha apenas o lábio inferior pendente - feição típica da Casa de Áustria. Era acentuadamente assimétrico: todo o lado direito, braço e mão, perna e pé, mais compridos do que o esquerdo; e o ombro direito mais alto do que o outro. Por isso, ao andar, inclinava levemente para a esquerda. (Fundo Geral de Manuscritos, cod. nº 551, fol. 69 - Sinais com que nasceo El Rey Dom Sebastião). (p. 115)
«Foi por essa ocasião nomeado vice-rei da Índia D. Luís de Ataíde, que dera altas provas da sua energia, na África e sobretudo no Oriente. Espontânea ou sugerida, a escolha foi feliz. Quando, a 12 desse mês, se despedia do monarca, mandou-o D. Sebastião esperar na sala da audiência; e entrando no seu gabinete, pôs-se de joelhos, para que Deus o inspirasse, e escreveu estas palavras, que entregou ao novo vice-rei, como as supremas instruções que devia seguir, na administração e guarda daquele vasto império: "Fazey muita Christandade; Fazey justiça; Conquistay tudo quanto poderdes; Tiray a cobiça dos homens; Favorecey aos que pelejarem; Tende cuidado da minha fazenda; Para tudo isto vos dou o meu poder; Se o fizerdes assim muito bem, farvos-hey mercê; Se o fizerdes mal, mandarvos-hey castigar; Se alguns regimentos forem em contrario destas cousas, supponde, que me enganarão, e por isso não haja que vos estorve isto". Para o jovem rei, fazer muita Cristandade, isto é, converter muitos infiéis, era a principal obrigação dos monarcas portugueses, ainda que na obra das conversões se gastasse tudo o que a Índia rendesse. No ano seguinte, escrevendo a D. Luís de Ataíde, o que D. Sebastião mais instantemente lhe encomenda é que o informe de "quantos Baptismos solennes se fizerão". (p. 118)
Houve muitos projectos de casamento imaginados para D. Sebastião por D. Catarina, Filipe II ou o cardeal D. Henrique, que sucessivamente foram rejeitados ou protelados pelo monarca.Uma das noivas seria Margarida de Valois, que acabaria por casar com Henrique de Navarra, futuro Henrique IV de França; outra foi a arquiduquesa Isabel de Áustria, que desposaria Carlos IX de França. D. Sebastião aceitou por fim pedir ao tio a mão da infanta Isabel Clara Eugénia mas apenas para tentar obter de Filipe II apoio para a sua expedição em África. O rei católico deu uma resposta ambígua, D. Sebastião morreu e a infanta acabou por casar com seu primo, o cardeal-arquiduque Alberto de Áustria, arcebispo de Toledo, entretanto dispensado do estado clerical pelo Papa.
Aquando da primeira expedição de D. Sebastião a África (Ceuta e Tânger) em 1574, que o rei preparou em sigilo, só comunicando ao reino depois da partida, D. Catarina ameaçou embarcar num navio para ir buscá-lo, levando o rei a regressar com receio do escândalo público.
A espantosa obsessão de realizar a segunda expedição a África para conquistar Larache, mas sobretudo para derrotar Abd al-Malik confirma a megalomania, a vaidade e a ambição do rei. Todos (salvo os costumados aduladores) tentaram demover D. Sebastião da arriscadíssima empresa mas a teimosia mórbida deste venceu todas as resistências. Impotente para impedir a loucura de semelhante aventura, Filipe II propôs que fosse o duque de Alba, general experimentado, a comandar a expedição. Mas o rei ficou ofendido e recusou liminarmente tal hipótese. Prefigurava-se um militar apto para tal empresa, D. Luís de Ataíde, que fora um extraordinário vice-rei da Índia e que, apesar do escasso número dos efectivos portugueses mais os espanhóis, italianos e flamengos face aos mouros, poderia ainda lograr uma vitória. Para descartar essa hipótese, D. Sebastião despachou-o novamente, e de forma rápida, para Índia, fazendo-o conde de Atouguia. E assumiu o comando das tropas.
A expedição estava, pelas mais elementares razões (desde logo no quente mês de Agosto) condenada à derrota. Mas o rei não se coibiu de fazer embarcar as pratas, louças, carruagens, animais e todo o aparato cerimonial da Corte, músicos e instrumentos, clérigos, o seu séquito e o dos nobres que o acompanhavam. Seriam mais os acompanhantes que os combatentes. A esquadra portuguesa poderia ter atacado Larache por mar, porém D. Sebastião recusou, já que a sua principal (e única) obsessão era derrotar Abd al-Malik em combate. O Xerife, que se encontrava doente e pretendia evitar a guerra, enviou-lhe mesmo uma interessante carta, propondo-se entregar-lhe a cidade de Larache, o que D. Sebastião, na sua autofilia, declinou, inventando uma série de mentiras com que procurava enganar os seus conselheiros. Encontrando-se, assim, em Arzila, resolveu avançar para Alcácer-Quibir, para dar luta aos marroquinos. Mais uma vez, Filipe II tentou dissuadi-lo mas o rei advertiu o tio que as armadas do sultão turco e de Abd al-Malik iriam destruir Portugal e a Andaluzia.
«Conta Luís de Torres de Lima, na sua obra Avisos do Ceo, Succesos de Portugal - e tanto o Padre Baião, como Barbosa Machado, relacionam o facto com aquela entrevista [dois homens que chegaram a Arzila e informaram D. Sebastião sobre o formidável exército de Abd al-Malik)] - que o barão de Alvito, D. Rodrigo Lobo, impressionado com a obstinação do monarca, procurara o Provincial da Ordem de S. Domingos, Fr. João da Silva, irmão do bispo do Porto, para lhe propor, como único remédio contra uma irreparável catástrofe: Padre, porque não prendemos a este homem, que nos deita a perder por seu gosto? He tarde Senhor, respondeu o dominicano. Melhor he tarde, que nunca, replicou D. Rodrigo Lobo. Não ha remedio, volveu Fr. João da Silva, porque anda cercado de lisonjeiros, e de validos, que o enganão, e não ha quem se atreva a dizerlhe a verdade, nem elle a admite. O barão de Alvito concluiu então, melancolicamente: Pois se assim he, Pater noster pelo Rey, pelo Reyno e pelos seus Vassalos. E os factos vieram, infelizmente, confirmar a fúnebre profecia.» (p. 334)
Foi realmente lamentável que os nobres mais esclarecidos não tivessem encarcerado o monarca enlouquecido, que já carregara o país com um enorme aumento de impostos de toda a natureza para organizar esta louca expedição, cuja derrota seria catastrófica. E, ainda por cima, haveria o rei de morrer na batalha, quando devia ter sido feito prisioneiro, para que os marroquinos lhe abatessem o orgulho.
Como se disse, a expedição partiu carregada de coisas ricas e supérfluas que só contribuíram para embaraçar os combatentes. A desordem que se estabeleceu nas tropas portuguesas no campo de batalha foi grande quando soaram os primeiros tiros da artilharia marroquina, cuja existência a maioria dos soldados ignorava, uma parte dos quais havia sido arrancada aos campos e era manifestamente impreparada. Acresce a evidente incapacidade de D. Sebastião para comandar as tropas, já que se atribuía todas as competências e não delegava quaisquer poderes, ameaçando mesmo quem ousasse antecipar-se lhe na batalha.
O confronto teve lugar em 4 de Agosto de 1578, e teve o resultado previsível. Segundo Queiroz Velloso, D. Sebastião, encontrado morto no dia seguinte, foi sepultado no dia 7 em casa de Abrém Sufiane, alcaide de Alcácer-Quibir.
Recorrendo às fontes, o autor menciona o nome de 203 pessoas importantes (todas portuguesas) que pereceram na refrega, onde morreram milhares de combatentes, portugueses e oriundos dos outros países que integravam a expedição. As perdas do lado marroquino foram inferiores às portuguesas. (p. 407)
O pagamento do resgate dos portugueses cativos abalou ainda mais o erário publico, já muito enfraquecido pelos gastos com a organização desta fatídica jornada.
O Xerife Abd el-Malik, já muito doente, morreu na sua liteira no campo de batalha. Muley Mohamed morreu ao fugir. D. Sebastião foi encontrado morto e despido no lugar do confronto.
Sobre o jovem Muley Xeque, filho de Muley Mohamed, escreve o autor: «Logo que Martim Correia da Silva teve notícia da derrota de Alcácer-Quibir e da morte de Muley Mohamed, trouxe Muley Xeque para Lisboa. Pediu-lhe o cardeal-rei que recebesse em sua casa o pobre órfão; e aqui se manteve alguns anos, até que Filipe II o chamou a Madrid, onde se converteu ao cristianismo, em Novembro de 1593, tomando o nome de Filipe de África, em honra do padrinho D. Filipe (o futuro Filipe III), que foi seu padrinho de baptismo. Seguiu depois a carreira das armas. É este um dos infantes africanos, a que se referem os historiadores espanhóis.» (p. 308). Segundo o livro de Baños-García, que comentámos em post anterior, o padrinho teria sido o próprio Filipe II.
Não me alongarei, já que outros aspectos foram referidos em comentários anteriores sobre outras biografias do rei. Procurei salientar, e assim continuarei a fazer, as perspectivas específicas de cada autor.
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