O jornalista Bruno Amaral de Carvalho publicou há alguns dias um livro sobre a sua experiência de repórter de guerra na Ucrânia, A Guerra a Leste. Durante oito meses, o autor fez a cobertura da guerra no Donbass, sendo durante muito tempo o único jornalista português no teatro do conflito, do lado "separatista". Mais tarde haveria de juntar-se-lhe o jornalista Luís Peixoto, da Antena 1.
Em todas as guerras é fundamental conhecer os relatos de ambas as partes envolvidas nas hostilidades, a fim de se poder ajuizar da objectividade dos mesmos, já que em confrontações militares a primeira vítima é sempre a verdade.
Acontece que desde a invasão da Ucrânia, e devido à insuportável Ursula ter determinado a proibição na União Europeia de todos os canais russos de difusão de notícias, passámos a ter apenas conhecimento da narrativa “ocidental” divulgando a “verdade oficial”, ainda que soubéssemos (sabe-se sempre) que aquela não correspondia inteiramente à “verdade dos factos”.
Este livro devolve-nos, com grande lucidez, uma informação equilibrada, narrando aquilo que já suspeitávamos, mas agora com informação alicerçada numa testemunha ocular dos acontecimentos. Será essa informação isenta? Decorre da leitura do livro que ela é muito mais consentânea com a realidade do que o relato que nos tem sido veiculado desde Fevereiro de 2022.
A operação militar russa foi iniciada há mais de dois anos e esta obra refere-se tão só a oito meses de combates, mas permite avaliar a veracidade de muitos acontecimentos e a forma distorcida como nos foram apresentados.
Tenho dito e escrito que esta guerra é, mais do que qualquer outra, uma guerra inútil, onde o verdadeiro sacrificado é o povo ucraniano. E que o número de mortos ultrapassa largamente o que seria razoável (e nenhum morto seria razoável) para os interesses em questão.
O estabelecimento das fronteiras da Ucrânia foi efectuado de forma arbitrária em circunstâncias profundamente distintas das actuais. Quando da implosão da União Soviética não houve a preocupação de proceder ao reajustamento das mesmas de acordo com a nova situação estratégica, agora radicalmente diferente.
O Donbass foi incorporado na Ucrânia em 1918, por vontade de Lenin e contra a opinião de alguns dos seus colegas no governo da União Soviética, devido a ser uma importante zona industrial que equilibraria a extensa superfície agrícola do resto do país.
Além das centenas de milhares de mortos, feridos, estropiados, das destruições de casas e de instalações civis, e obviamente militares (para não falar dos milhões de exilados noutros países desde o começo da invasão, ou mesmo antes) acresce uma consequência trágica que é a desavença das famílias, com a quebra de laços afectivos que perdurará por longo tempo.
A Ucrânia é um mosaico étnico, religioso, linguístico e ideológico que pôde funcionar regularmente durante o período soviético. O desmoronamento da URSS foi, nas palavras de Vladimir Putin, a “maior catástrofe geopolítica do século XX”. A guerra na Ucrânia é uma das consequências.
Estou certo de que o cumprimento dos Acordos de Minsk, celebrados entre a Rússia e a Ucrânia, com a participação da França e da Alemanha, teria evitado esta guerra. Esses Acordos estipulavam, no essencial, duas coisas: a não adesão da Ucrânia à NATO (o que é compreensível em termos geoestratégicos) e a regionalização do país (o que permitiria nas zonas de Leste a utilização da língua russa, a manutenção dos antigos costumes, a obediência ao Patriarca Ortodoxo de Moscovo, etc.) Note-se que Volodymyr Zelensky promoveu a criação de um Patriarcado Ortodoxo autónomo em Kiev, para se subtrair à autoridade espiritual do Metropolita moscovita.
A guerra que se trava na Ucrânia é, como toda a gente há muito tempo percebeu, uma guerra entre a Rússia e o Ocidente colectivo, em que os ucranianos são utilizados como “mão-de-obra” descartável ao serviço de interesses que já nem são inconfessáveis. É por isso profundamente imoral.
O que custa a compreender neste conflito, que não data de 2022, nem sequer de 2014 (a revolta de Maidan) mas desde a revolução laranja de 2004, é a submissão total da Europa aos negócios norte-americanos. Nunca o Velho Continente abdicara por completo da sua soberania, embarcando numa aventura de contornos mal definidos e envolvendo riscos de proporções inimagináveis. Apesar da propaganda sistematicamente difundida pelos Governos “ocidentais”, os povos europeus mostram-se contudo cada vez mais cépticos em continuar a acreditar na versão oficial.
Até quando abusarão eles da nossa paciência, e das nossas vidas?
4 comentários:
Estão-se nas tintas, não querem saber. Controlam os mídia, atiram-nos com a espuma dos dias como se fossem buldozers. Os cidadãos engolem tudo e quem vai lucrando é a extrema-direita. Bom post, vou ver se encontro o livro.
Muito obrigado.
O livro pode adquirir-se numa loja da FNAC, por exemplo.
Não poderia estar mais de acordo com a sua posição. Tinha esperança de que um amplo movimento dos cidadãos europeus se erguesse, exigindo o fim do conflito, mas estou cada vez mais descrente. Receio que a Europa esteja a envolver-se num conflito do qual todos nós venhamos a sofrer as mais trágicas consequências...
"Exigir o fim do conflito", Ok! mas a quem?
Basta ver uma animação da evolução das Fronteiras na Europa, desde o fim do Império Romano, para se concluir da volatilidade das mesmas.
Portugal deve ser a única excepção de estabilidade, e, mesmo assim, temos Olivença ....
Sobra, para estabilidade e se evitar a Guerra, o respeito dos Tratados, pelo menos do último, goste-se ou não dele.
Nesse sentido, quem sistematicamente tem a mania de entrar em "casa alheia" tem sido Putin, em nome da Segurança dele, de falantes russos independentemente da opinião dos mesmos, do Patriarcado de Moscovo, etc. etc.
Enfim, com argumentos destes Portugal poderia ter Direito a invadir meio Mundo, dada a nossa diáspora.
Basta só pensar no Luxemburgo e em Paris, certas cidades/zonas Americanas (não esquecer o cavaquinho), etc.
Que a informação que nos chega é manipulada, sem duvida, mas temos acesso a outras informações. Na Rússia Putin permite o mesmo?
Volto a perguntar: ""Exigir o fim do conflito", Ok! mas a quem?"
A quem defende o Território consignado nos Tratados?
Ou que entrou por ele a dentro?
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