Em 2002, o jornalista e professor Peter Scowen (n. 1959) publicou Black Hole of America, que foi editado nesse mesmo ano em português com o título O Livro Negro da América. Pesquisando na Amazon, este título desapareceu, existindo um outro livro do autor, com o título Rogue Nation: The America the Rest of the World Knows, editado em 2003, e que suponho ser a mesma obra com outra designação e eventualmente actualizada. Mas continuam a estar disponíveis, nos vários sites da Amazon, traduções do livro original, pelo menos em francês e em italiano.
Nesta obra, o autor analisa as intervenções políticas, militares, económicas, sociais, directas e indirectas, dos Estados Unidos em diversos países, com a exclusiva finalidade de afirmar ou consolidar os interesses americanos, ou aquilo que as administrações estadunidenses (democratas ou republicanas) supõem ser os seus interesses. Às vezes enganam-se.
O texto de Peter Scowen está exaustivamente documentado com a inclusão, em apêndice, de todas as fontes que suportam as suas afirmações.
O autor desenvolve, com detalhe, as intervenções americanas na Nicarágua, Honduras, Guatemala e Chile. Sem esquecer o Vietname, a Malásia, o Camboja, o Sudão. Dedica especial atenção ao bombardeamento (inútil) de Hiroshima e Nagasáqui, a primeira (e até hoje única) vez que foi utilizada uma bomba nuclear. Alude à interferência no Irão para depor Mossadegh. Refere a guerra da Coreia e a guerra (a primeira) do Golfo. E o incentivar da guerra entre o Iraque e o Irão.
São mencionados os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e a Cruzada contra o Mal desencadeada por George W. Bush. E a forma como o terrorismo, agora já não o comunismo, justificou levar a cabo no estrangeiro actividades muito questionáveis.
Dada a data em que o livro foi escrito, o autor menciona a invasão do Afeganistão mas não a do Iraque, que só teve lugar em 2003 e propiciou a criação do "Estado Islâmico". Nem a da Líbia, nem a interferência na Síria ou o apoio às chamadas "primaveras árabes".
O fundamentalismo americano, só comparável ao fundamentalismo islâmico, levou Bush a considerar que o Irão, o Iraque e a Coreia constituíam um Eixo do Mal. A propagação das igrejas baptistas, metodistas e demais seitas evangélicas contribui largamente para esta mentalidade falsamente puritana que se julga detentora da única verdade e da sua superioridade moral sobre os restantes países do mundo.
É dedicado um capítulo especial à análise das eleições presidenciais americanas de 2000, cujo processo eleitoral foi manipulado por ambos os candidatos, George W. Bush e Al Gore, ainda que pareça ter sido Al Gore o vencedor e não o filho do ex-presidente George Bush. O processo é descrito minuciosamente e apontadas todas as deficiências da máquina eleitoral americana, susceptível das mais assombrosas manobras.
O autor debruça-se ainda sobre a maneira como o estilo de vida e pensamento norte-americanos se têm introduzido progressivamente nos outros países, através do cinema e da televisão, da música e da forma de vestir, das tecnologias e da alimentação. É recordado, a propósito, o livro de Benjamin R. Barber (1995), Jihad vs. McWorld: How Globalism and Tribalism Are Reshaping the World. Mas existem muitas obras sobre este tema. Convém citar este parágrafo do livro, página 231: «A única defesa contra este imperialismo cultural é o nacionalismo, que tanto pode expressar-se no benigno e ligeiramente hipócrita antiamericanismo francês ou, de uma forma muito mais perigosa, no enraivecido fanatismo racial de Usama bin Laden e do defunto e nada lamentado governo talibã do Afeganistão. No mundo de George W. Bush, as duas únicas escolhas possíveis são entre a McDonald's e bin Laden; entre o bem do capitalismo e da globalização e o mal do terrorismo; entre o acesso sem restrições dos gigantes dos media americanos às cadeias de televisão e às salas de cinema estrangeiras e o Ministério do Vício e da Virtude dos talibãs.»
Poderia transcrever centenas de parágrafos, poderia mesmo transcrever integralmente o livro mas tal não é possível. Tendo sido publicado há vinte e dois anos este livro mantém plena actualidade e só é pena que, dado o intervalo de tempo, não estejam registados os acontecimentos das últimas duas décadas como, por exemplo, o conflito na Ucrânia que, na sua forma militar, já se arrasta há mais de dois anos.
Para os interessados nas tentativas (grande parte com êxito) dos Estados Unidos, desde a Segunda Guerra Mundial, para controlarem o planeta, impondo uma só verdade, o livro em apreço (muito bem escrito, e bem traduzido) é de inestimável utilidade.