Visitei hoje o Museu do Tesouro Real, no Palácio da Ajuda. Tivera intenção de fazê-lo nas semanas seguintes à inauguração oficial mas outros compromissos impediram-me de concretizar esse desejo.
No caminho para o Palácio, subindo a Calçada da Ajuda, verifiquei que se encontra desertificado o antigo quartel do Regimento de Lanceiros de Lisboa, de saudosa memória e que, em frente (não passava lá há anos), foram destruídas as casas existentes e construída habitação particular estilo louça sanitária. É o que temos.
O Museu encontra-se situado no piso 3 da ala poente do Palácio, aquela que foi recentemente concluída com um gosto mais do que duvidoso e que retira ao edifício a sua nobreza original. Mais valia ter deixado as coisas como estavam. Não eram propriamente ruínas mas também não configuravam um aborto.
Mas o pior estava para vir!
Entrar no Museu é como entrar num caixão. Eu sei que existe desde há anos uma paixão necrófila dos organizadores de exposições, que procuram transformar os recintos dos museus em túmulos, mas aqui exagerou-se. O espaço, dividido por três sub-pisos, entre o piso 3 e o piso 4, aos quais se acede por rampas ziguratianas, estão absolutamente às escuras, encontrando-se apenas iluminadas as vitrinas e sendo de vidro, escuro como breu, as paredes fronteiras aos expositores, o que propicia ao visitante menos prevenido irromper por um desses vidros dissimulados.
A própria iluminação dos expositores é deficiente, as peças estão mal arrumadas, as legendas estão quase no chão (como já vem sendo hábito) e dificilmente se lêem sem um esforço da espinha. Por trás dos expositores há paredes de espelho (caso da Baixela Germain) talvez com a pífia intenção de mostrar o traseiro das peças. Ou, noutros casos, vídeos que correm por trás das peças, impedindo uma contemplação adequada.
Certos objectos deviam estar colocados em posição de destaque, para evidenciar a dignidade da sua função (por exemplo, a Coroa Real) e não amontoados como os despojos do Anexo do Túmulo de Tut-Ankh-Amun. E mesmo as Cronologias, ao longo dos corredores das rampas, são perfeitamente ineficazes.
De tudo o que vi retenho apenas uma insígnia do Tosão de Ouro, designada na legenda como "hábito", expressão que não sendo incorrecta é pouco usual para denominar o distintivo de uma Ordem.
Dificilmente seria possível fazer pior, embora o pior seja sempre possível.
Estive neste Museu pouco mais de dez minutos. Sendo o único visitante e sentindo-me como num sarcófago, às escuras, sem um banco para me sentar, fui acometido de um ataque de claustrofobia, o que me obrigou a sair rapidamente, tendo ido parar à Cafetaria do Museu. Dali desci de elevador para a saída, mas fiquei bloqueado na porta giratória, pois o papel que me tinham dado com o código digital para entrar não servia para a saída. Era outro. Tive de gritar para me abrirem a porta.
De novo na rua, respirei, reencontrei a liberdade e não tornarei a pôr os pés naquele Museu, a não ser que me levem, depois de devidamente amortalhado.
P.S.: Sugiro a algum incauto que pretenda aventurar-se neste espaço que vá munido de uma lanterna, se é que o deixam passar com ela no rigoroso controlo de segurança montado na Recepção.
2 comentários:
Só hoje tive conhecimento deste post, mas não perdi nada pelo atraso. Ao contrário, comungo totalmente com as apreciações do ilustre bloger e, a única forma que encontrei para exorcizar uma tremenda decepção com a forma decidida de expor a coleção, foi rir-me com gosto face aos seus comentários ferozes mas certeiros que nem uma seta.
Se a coleção é da maior dignidade e qualidade, acerca disso não restam quaisquer dúvidas, já a chamada "musealização" é uma aborto de primeira água.
Porque razão os autores daquele horrendo projecto desprezaram e trataram abaixo de cão a equipa do Paláco da Ajuda responsável por décadas de estudo acerca da matéria? A ignorância e a arrogância costumam andar de braço dado e só assim se compreeende o resultado miserável obtido, gastos que foram rios de dinheiro.
Não vou perder tempo a analisar a chamada "musealização" das coleção dos Tesouros Reais, pois acerca disso já conhecedores categorizados se pronunciaram todavia, refiro apenas um detalhe que me mereceu o maior desgosto pela negligência demonstrada. Trata-se da tiara de Senhora D. Maria II, emprestada pelo seu actual dono para fazer parte da exposição durante um ano. A uma atitude desta magnanimidade e gentileza, haveria que responder de igual modo, isto é: expor a referida tiara em lugar de destaque (vitrine própria), não apenas para que o público a pudesse visualizar com pormenor e clareza, mas também para homenagear o emprestador pela sua ação generosa em prol da cultura. Mas não, o que fizeram os responsáveis pela montagem? Trataram de arrumar a peça num espaço mínimo disponível, num local escuro, e misturada com as peças das coleções nacionais, erro crasso e imperdoável, uma vez que não se pode confundir o público misturando o que não é miscível.
Acresce a desconsideração e falta de respeito pelo proprietário da mencionada tiara.
Tudo isto é do domínio do anedótico e surreal e profundente lamentável.
Oportuno comentário do Anónimo das 23:48.
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