sábado, 5 de junho de 2021

QUEM MATOU PUSHKIN?

Aleksandr Pushkin

Aleksandr Sergeyevitch Pushkin (1799-1837), pai da moderna literatura russa, morreu em 29 de Janeiro de 1837, na sequência dos ferimentos recebidos no duelo que manteve dois dias antes com Georges Dantès, a quem desafiara por uma questão de saias.

Georges d'Anthès

Segundo as fontes coevas, Georges Dantès (1812-1895), foi um militar francês, oriundo de família nobre, que após a abdicação de Carlos X e a instauração da Monarquia de Julho, sob Luís Filipe, em 1830, se recusou a servir o novo regime,  emigrando para a Prússia e logo a seguir para a Rússia onde, com autorização do Governo de Paris, ingressou (1834), com apenas 22 anos, no Regimento dos Cavaleiros da Guarda da Imperatriz, criado por Catarina II.

Barão Jacob van Heeckeren

Os laços familiares permitiram-lhe a frequência dos salões aristocráticos, onde conheceu o Barão Jacob van Heeckeren van Bewerweerd (1792-1884), embaixador dos Países Baixos na Corte de São Petersburgo, celibatário e sem descendência, com quem iniciou um prolongado e frutuoso comércio bíblico. Georges Dantès era um jovem muito bonito, a quem a natureza prodigalizara especiais dotes físicos, o que suscitou o especial interesse do Barão que, com a anuência dos pais de Dantès e a permissão do rei holandês, instituiu o rapaz como herdeiro universal dos seus bens, com direito à transmissão do título. A partir da data de adopção, Georges Dantès, passou a assinar Georges-Charles de Heeckeren d'Anthès. A ligação entre ambos foi muito bem sucedida, apesar da diferença de idades (o Barão tinha mais vinte anos que o jovem) e era do conhecimento geral. A propósito, o Príncipe Aleksandr Trubetskoy escreveu nas suas notas pessoais: «...d'Anthès was known for his antics, quite inoffensive and appropriate to youths except the one, of which we learnt much later. I don't know what to say: whether he took Heeckeren or Heeckeren took him... All in all, ... in the intercourse with Heeckeren he was ever a passive partner».

Nataliya Goncharova

Talvez esta estreita ligação ao Barão tenha levado Dantès a um excesso de assiduidade junto das damas, (hoje seria considerado assédio sexual) mais do que recomendava a elementar cortesia. Percebe-se a razão: distrair as atenções do seu relacionamento "inapropriado". Uma das senhoras objecto dos seus galanteios era precisamente Nataliya Goncharova, a jovem e bela mulher de Pushkin. Houve boatos de que esta manteria uma relação extra-conjugal com Dantès. O próprio Pushkin recebeu uma carta nesse sentido, avisando-o também da condescendência da sua mulher para com o atraente francês e, mais do que isso, com o próprio Czar Nicolau I, o que justificaria a protecção dispensada ao escritor pelo imperador. Diga-se que, entretanto, Dantès se casara com Ekaterina Goncharova, a irmã de Nataliya. Todo este enredo conduziu Pushkin a desafiar Dantès para um duelo, em defesa da honra. Para evitar um drama familiar, Dantès propôs retirar-se, mas o poeta recusou. Nicolau I ainda tentou evitar o confronto, mas era tarde.

Escritório de Pushkin

O duelo teve lugar às 16 horas de 27 de Janeiro de 1837, num lugar conhecido como Rivière Noire, perto de São Petersburgo. O tiro de Dantès, que ficou ligeiramente ferido, atingiu Pushkin no ventre e foi-lhe fatal.

Secretária de Pushkin

Preso na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, aguardando julgamento, foi, depois de ter protestado a sua inocência, agraciado pelo imperador e conduzido à fronteira (acompanhado pela mulher que nunca duvidou da sua inocência), não mais regressando à Rússia.

Eu, à entrada da Fortaleza de São Pedro e São Paulo

Melhor fora que dois homens tão jovens e atraentes, Pushkin com 38 anos e Dantès com 25 anos, tivessem ido para a cama em vez de se terem batido em duelo.

A obra literária de Pushkin é notável e significa a inovação da literatura russa. Ele inspirou Gogol (1808-1852), Lermontov (1814-1841), Turgeniev (1818-1883), Dostoievsky (1821-1891), Tolstoi (1828-1910), para apenas citar alguns dos nomes cimeiros das letras russas dos dois últimos séculos.

Diversas obras de Pushkin foram passadas à música: Russlan i Liudmila (ópera de Glinka), O Prisioneiro do Cáucaso (ópera de César Cui), As Ciganas (ópera de Rachmaninov), Poltava (ópera de Tchaikovsky, com o título de Mazeppa), A Pequena Casa de Kolomna (ópera de Stravinsky), Tsar Saltan (ópera de Rimsky-Korsakov), Boris Godunov (ópera de Mussorgsky), O Convidado de Pedra (ópera de Dargomyjski), Mozart e Salieri (ópera de Rimsky-Korsakov), Festim em Tempo de Peste (ópera de César Cui), Rusalka (ópera de Dargomyjski), O Cavaleiro Avarento (ópera de Rachmaninov), A Dama de Espadas (ópera de Tchaikovsky), Eugeni Oniegine (ópera de Tchaikovsky).

A casa de Pushkin, no nº 12 do Cais Moïki

Registe-se, como curiosidade, que o bisavô de Pushkin, Abraham Hannibal (1696-1781), era africano, natural do Chade (ou dos Camarões ou mesmo da Etiópia, a origem permanece incerta). Capturado em 1703 (quando tinha sete anos), por mercadores de escravos, e levado para Constantinopla, sendo um rapaz de grande beleza foi comprado secretamente por Pedro o Grande, que se lhe afeiçoou, tendo-se tornado afilhado e secretário do Czar. De grandes aptidões físicas e intelectuais, foi mais tarde general do Exército Imperial Russo.

Abraham Hannibal, em Petrovskoïe

4 comentários:

Anónimo disse...

Já agora, acrescente-se que o alsaciano D'Anthès seguiu depois uma carreira política em França assaz bem sucedida,partidário do príncipe Louis-Napoleon depois Napoleão III,tendo chegado ao grau de Senador do Império. Manteve a sua relação familiar com a Ekaterina,de quem teve três filhas e um filho.Terá voltado à Rússia,enviado pelo príncipe-presidente para sondar o Imperador sobre a sua reacção ao reestabelecimento do império em França.Note-se ainda que o encantamento do Ministro dos Países Baixos com o jovem alsaciano não era o primeiro do seu carnet,pois quando oficial estagiário em Toulon já tinha mantido uma relação íntima com o duque de Rohan-Chabot.Pormenores interessantes dos rodapés da História.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para o Anónimo das 00:31:

Muito interessante o seu aditamento ao "post".

No último período não percebi bem se foi o ministro dos Países Baixos que teve uma relação íntima com o duque de Rohan-Chabot, ou o jovem alsaciano.Da frase deduz-se que foi o primeiro, mas pela lógica terá sido o segundo.

Anónimo disse...

Foi de facto o ministro dos Países-Baixos, que começou por fazer carreira na Marinha.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Havendo vários duques de Rohan-Chabot, não descobri a qual deles se refere.