sexta-feira, 15 de novembro de 2019

TEIXEIRA DE SAMPAYO




Tive, por estes dias, necessidade de consultar os Estudos Históricos, do embaixador Luiz Teixeira de Sampayo (1875-1945), que foi secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 1929 a 1945, e que morreu, nas vésperas de atingir o limite legal de idade, vítima de uma síncope fulminante, aos pés da rainha D. Amélia, quando a antiga soberana visitou Portugal. A comoção que dele se apoderou ao beijar a mão da rainha foi-lhe fatal.

Estes Estudos Históricos, publicados em 1984 pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, constituem o primeiro volume da Biblioteca Diplomática, criada em 1983 pelo então titular da pasta, o embaixador Vasco Futscher Pereira. A apresentação é do embaixador José Calvet de Magalhães e assina o prefácio o embaixador Eduardo Brazão. 

 
Luiz Teixeira de Sampayo


Não pretendo traçar a biografia de Teixeira de Sampayo nem possuo à mão dados que o permitam. Mas importa referir que o embaixador Teixeira de Sampayo foi o braço direito de Salazar para a política externa, durante o tempo em que o presidente do Conselho ocupou cumulativamente a pasta dos Negócios Estrangeiros, de 1936 a 1947. O meu propósito é tão só de mencionar os dez trabalhos incluídos no livro, alguns de relevante interesse, que foram publicados em diversas revistas e que agora surgem editados em volume próprio.

Indico, a seguir, os títulos e a data em que foram escritos:

I - A exclusiva nos Conclaves (1903)
II - Os Chavões (1921)
III - Os desafios do Duque João de Bourbon (1921)
IV - Para a História do Tratado de Methuen (1923)
V - Antes de Ceuta (1923)
VI - O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros (1925)
VII - Em volta do processo dos Távoras (1929)
VIII - Elementos para o estudo da Aliança luso-britânica (1933)
IX - Cartas do Padre António Vieira no Arquivo Cadaval (1944)
X - Observações sobre as cartas de Prim (1944)

Sugere Eduardo Brazão, no prefácio, que seria de interesse reunir um dia, em volume, os apontamentos de conversa de Teixeira de Sampayo com diplomatas estrangeiros, muitos deles espalhados pelas páginas dos volumes de Dez Anos de Política Externa, e alguns dos seus telegramas com minuciosas instruções aos nossos Chefes de Missão. Uma tarefa ainda não concretizada.

Na Advertência Prévia do título VI, o autor escreve: «Nunca os diplomatas tiveram de desvelar-se por mais numerosos e mais transcendentes problemas. Contudo, todos os dias escritores vários nos dizem não ser presentemente grande a popularidade da diplomacia. "La diplomatie n'est pas à la mode en ce moment", escrevia, ao findar 1924, um diplomata historiador, Gabriel Hanotaux; "considerée longtemps comme le dernier mot de la politique, on lui reproche maintenant son secret, sa lenteur, et je ne sais quel arrière faix d'un vieux machiavélisme désuet". Assim será; mas algumas destas razões, que diminuem o aplauso quanto ao presente, mantêm o prestígio quanto ao passado. Ninguém supõe nos diplomatas de nossos dias a elegância de Metternich ou o espírito de Talleyrand; menos ainda se lhes atribui o génio de  Richelieu ou a habilidade de Mazarino; continua porém a ligar-se aos de outrora aquela ideia de maquiavelismo, e a conceder-se aos seus despachos o valor de depoimentos de testemunhas argutas, sabedoras dos mais recônditos segredos.»   

Este "capítulo" VI é, para mim, o mais importante do livro, e só a ele farei referência. Sampayo discorre sobre a origem do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ao estabelecer as práticas da Governação, após 1640, D. João IV nomeou para o expediente de todos os negócios um Secretário de Estado, que foi o célebre Francisco de Lucena (1641), que, falsamente acusado do crime de lesa-majestade, foi decapitado em 1643. Ainda em 1643, foram retirados da Secretaria de Estado os assuntos relativos a mercês, tendo sido criada a Secretaria das Mercês.

No reinado de D. Afonso VI, foi restabelecido o lugar de Escrivão da Puridade, nele sendo provido o conde de Castelo Melhor, Luís de Vasconcelos e Sousa, que se tornou o verdadeiro ministro dos Negócios Estrangeiros,  ficando o Secretário de Estado, então Pedro Vieira da Silva, com as atribuições largamente reduzidas. Pelo afastamento de D. Afonso VI e do Conde seu valido as coisas regressaram à situação anterior.

Com D. João V houve necessidade de reorganizar o despacho. Segundo um parecer do Cardeal da Mota, na sequência de um plano do Cardeal Cunha, foi passado um Alvará, em 28 de Julho de 1736, criando as Secretarias de Estado. «Estabeleceu este diploma que as Secretarias passariam todas elas a ter o título de Secretarias de Estado; que secretários de Estado seriam os respectivos ministros; e que pela natureza dos assuntos que a cada uma ficavam pertencendo as secretarias seriam divididas em Secretaria dos Negócios Interiores do Reino, Secretaria da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, e Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Destas repartições, a dos Negócios do Reino era a mais complexa na sua acção. Competiam-lhe, além dos negócios que permaneceram sempre seus privativos na monarquia constitucional, os que vieram com o tempo a pertencer à secretaria da Justiça, à da Fazenda e à das Obras Publicas. Daí vem talvez a impressão que o Secretário de Estado do reino era o Primeiro Ministro, como que o Presidente do Conselho moderno.»

«Assim continuou tudo até 1801, sem que deixassem os soberanos de tratar negócios importantes com os seus privados ou com um ministro valido como Pombal. Em 1801, porém, por  carta régia de 6 de Janeiro, o Príncipe Regente, ao nomear Ministro da Guerra o Duque de Lafões, separou o expediente da Guerra do dos Estrangeiros, formando duas secretarias independentes uma da outra, reforma pouco duradoura, logo anulada pelo aviso de 28 de Julho de 1801, que juntou de novo as duas repartições.»

Na Portaria da Junta Provisória do Governo de 27 de Setembro de 1820, os Negócios Estrangeiros e os da Guerra aparecem novamente como administrações distintas sob a gerência de pessoas diversas. A carta de Lei de 12 de Junho de 1822, organizando as Secretarias de Estado, confirmou a separação, que foi expressamente mantida pelo Alvará de 30 de Setembro de 1828 e não mais foi alterada. 

O autor refere-se depois aos problemas verificados com o Arquivo Diplomático e aos formulários da correspondência diplomática. A correspondência diplomática obedecia a fórmulas rigorosas que não poderiam ser ignoradas. Tal como os discursos na entrega de cartas credenciais e coisas afins. «Os ministros e os embaixadores estranhos à carreira diplomática, confiados nos seus méritos literários, afastam-se por vezes dos modelos consagrados, e alargam os seus discursos adornando-os em pensamentos e palavras. Nesse género, o discurso de Chateaubriand em Roma, no conclave por morte de Leão XII, anda citado como um dos mais belos que têm sido proferidos. Mas, posto que constitua uma calorosa apologia do Cristianismo, dizem algumas memórias ter escandalizado o Sacro Colégio. A reserva e o respeito das tradições são de boa regra, ainda mesmo para homens como Chateaubriand, e poucos eles são.» 

Suponho que a rigidez das fórmulas e dos costumes esteja hoje um pouco atenuada e que as missões dos diplomatas ficaram um tanto esvaziadas do seu conteúdo original devido aos frequentes encontros de ministros dos Negócios Estrangeiros e de Chefes de Governo e de Estado. A rapidez das deslocações e as facilidades de comunicação nos nossos dias, devido às novas tecnologias, alteraram substancialmente os hábitos do passado.

Mas voltemos a Sampayo: «Foi Veneza a criadora das missões diplomáticas permanentes desde o século XVI. Os seus embaixadores ordinários em Viena, em Paris, Madrid e Roma, foram os primeiros com residência prolongada nas Cortes para onde iam. À presença dos embaixadores venezianos nas suas Cortes correspondiam os príncipes com a nomeação de embaixadores seus em Veneza. Questões de precedência e de economia levaram porém aqueles países a nomear representantes diplomáticos de categoria mais modesta, ou ministros de segunda ordem, nos postos de menor importância. Este exemplo foi seguido pelas Cortes menos ricas. Apareceram, assim, na Europa representantes diplomáticos de classe inferior à dos Embaixadores e que se tornaram mais frequentes à medida que se generalizou a prática das missões permanentes.

O título destes ministros variou bastante. "Agentes" ou "Encarregados de Negócios" se lhes chamou primeiramente; mas essa designação caiu em desuso. Substitui-se-lhe a de "Residente", que compreendia também às vezes os "Embaixadores ordinários" para os distinguir dos "extraordinários". Em regra ficaram sendo os "Residentes" os representantes diplomáticos abaixo dos Embaixadores.

Em meados do século XVII o título de "Enviado" não era muito mais prezado do que o de "Residente". Mas assim como o "Residente" relegara para um plano inferior o "Agente", assim o "Enviado" (com a designação de "extraordinário", que de começo foi apenas uma maneira de os distinguir dos residentes ou enviados permanentes) passou a ter superioridade sobre o "Residente".

Não se prestaram todas as Cortes, desde logo, a reconhecer esta distinção, e a de Luís XIV foi uma delas. Mas, a pouco e pouco, a diferença firmou-se. Os Enviados deram-se então ares de "petits ambassadeurs", dizia Wicquefort. No século XVIII, além das categorias de Enviado Extraordinário e de Residente, vêem-se as de Ministros Residentes e Plenipotenciários. No congresso de Nimegue apareceram pela primeira vez reunidos na mesma pessoa os títulos de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário, que passaram a ser a denominação vulgar dos agentes diplomáticos abaixo dos Embaixadores. Mas nos começos do século XVIII ainda o nome de Plenipotenciário tinha uma acepção restrita. Nas suas Memórias notava D. Luís da Cunha estas diferenças: "O carácter do Plenipotenciário é diferente do de Embaixador, porque pode haver Embaixador sem ser Plenipotenciário, e Plenipotenciário sem ser Embaixador, ou para melhor dizer a qualidade de Plenipotenciário não é um carácter representativo no primeiro grau e somente mostra a extensão do poder e autoridade do que a tem, sem acrescentar alguma coisa ao carácter do Enviado".

Ministros públicos, considerava D. Luís da Cunha naquela época, 1714, os Embaixadores, os Enviados, Residentes e Comissários, mas não os Agentes, embora estes gozassem por cortesia, até certo ponto, dos mesmos privilégios. Procuradores dos Príncipes eram os Plenipotenciários, e procurações eram os Plenos poderes. Por esta definição compreende-se a importância que D. Luís atribuía aos termos e formalidades de tais diplomas.

Em França, o Enviado apresentava credenciais ao Soberano, mas o simples Ministro Residente, ou "agente", como "chargé d'affaires" moderno, entregava-as somente ao Ministro dos Estrangeiros.

O Congresso de Viena em 1815, e o de Aix la Chapelle em 1818, regularam a classificação do Corpo Diplomático tal como ainda vigora. Nas referências que houvemos de fazer à correspondência dos diplomatas abstrairemos destas diferenças de categoria. Quando falamos genericamente dos "representantes" estrangeiros ou portugueses, ou até dos "ministros" de Portugal e do estrangeiro, compreenderemos todos os agentes com carácter representativo, desde o Agente ao Embaixador.» 

O autor trata depois das Instruções públicas e das secretas e dos Despachos, das cartas dos diplomatas, dos estilos, e da própria linguagem diplomática. E de muitas outras coisas que não cabem neste texto.


Debruça-se a seguir sobre as Colecções do Arquivo. E escreve: «A correspondência histórica conservada no Arquivo está dividida em quatro corpos, ou núcleos principais, a saber: os Processos; a Correspondência das séries ou das caixas; os Registos; e a Correspondência avulsa ou diversa. A estes quatro corpos podemos adicionar o grupo especial dos Arquivos das Legações. E resume: Os Processos (raros na época de que nos ocupamos), dão a negociação em conjunto. As Caixas fornecem a correspondência recebida de diplomatas e cônsules portugueses e estrangeiros, de Ministérios e de outras procedências. Os Registos facultam os documentos expedidos pela Secretaria de Estado. As lacunas dos Registos e das Caixas serão supridas (nem sempre, infelizmente) pelos Arquivos das Legações e pela Correspondência avulsa ou diversa, arrumada em livros encadernados ou em maços catalogados. Nesta última colecção incluímos todas as espécies que não teriam cabimento no outros corpos.»

Recordo que o texto do embaixador Teixeira de Sampayo é de 1925, o que significa que desde então, há quase cem anos, algumas coisas possam ter mudado. 


Trata ainda o texto de Sampayo das Investigações e das Publicações (Tratados e Livros Brancos) e termina com a inclusão de vários quadros:

I - Representantes diplomáticos portugueses no estrangeiro e estrangeiros em Portugal de 1640 a 1834 e Secretários de Estado (1641-1834)

II - Séries denominadas "Correspondência das Caixas" (anteriores a 1833); Legações portuguesas; Legações estrangeiras; Consulados de Portugal; Consulados Estrangeiros

III - Colecções de livros de registo e de documentos compreendidos na mesma série, anteriores a 1833

IV - Correspondências avulsas não compreendidas nas Colecções das caixas, e Processos Diversos (anteriores a 1834); Extractos de correspondência aberta nos Correios de 1823 a 1826 e de 1829 a 1833; Processos

De tudo isto, e de muito mais que nem o tempo nem o espaço permitiram aqui consignar, se ocupam as 91 páginas deste "ensaio" do embaixador Luís Teixeira de Sampayo.

Vale a pena ler.

 

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