quarta-feira, 27 de março de 2019

AS PRIMAVERAS ÁRABES NUNCA EXISTIRAM



O investigador e jornalista francês Thierry Meyssan publicou agora um livro surpreendente, Sous nos yeux: Du 11-Septembre à Donald Trump, relatando a forma como foram organizadas e se desenvolveram as chamadas "primaveras árabes", e os outros acontecimentos ocorridos desde o início da "guerra contra o terrorismo". O autor já se notabilizara pelo seu livro L'effroyable imposture, editado em 2002, onde contesta a versão oficial dos ataques de 11 de Setembro de 2001 a New York e Washington, defendendo a tese de que esses atentados foram provocados pela administração norte-americana, ou pelo menos com a sua conivência, uma tese hoje largamente consensual.



Thierry Meyssan (n. 1957) é o fundador do "Réseau Voltaire" e presidente do colóquio anual "Axis for Peace". Tem-se distinguido na luta a favor do direito internacional e da paz mundial e especializou-se em problemas do Médio Oriente.

Ao longo da obra, prenhe das mais variadas, inesperadas e espantosas revelações, Meyssan pretende dar-nos a chave para compreendermos as transformações, muitas vezes ininteligíveis à primeira vista, que o mundo sofreu nos últimos 15 anos. E explica-nos como o comportamento dos dirigentes mundiais se tornou irracional e como em nome da democracia e da paz se têm matado milhões de pessoas no Médio Oriente e em África, sem esquecer o anterior bombardeamento da Jugoslávia pela NATO  e o mais recente golpe de Estado na Ucrânia. O desejo do autor de transmitir a maior quantidade de informações conduziu-o a produzir um livro algo dessincronizado, o que por vezes dificulta a articulação dos factos. Uma narrativa organizada cronologicamente propiciaria ao leitor uma melhor compreensão da natureza dos acontecimentos. E também teria sido conveniente que fossem sempre indicadas as datas desses acontecimentos e que existisse uma tábua cronológica, bem como um índice onomástico.

Os factos relatados por Meyssan são todos reais, qualquer pessoa que siga a política internacional pela imprensa, rádio, televisão ou internet pode constatá-lo. O que suscitará algumas interrogações é a descrição que é feita das intenções subjacentes a determinadas decisões e a autenticidade dos seus protagonistas. Alguns dirão que se trata de teorias da conspiração, mas parece mais avisado acreditar na existência de verdadeiras conspirações, ainda que disfarçadas dos mais piedosos objectivos. Se recortarmos todas as notícias das últimas duas décadas e formarmos com elas um puzzle, verificaremos que ele se identifica com a descrição feita pelo autor, ainda que em certos casos se possa objectar que existem na obra algumas confusões e imprecisões e algumas conclusões precipitadas, mas sem nunca desvirtuar o sentido geral do panorama apresentado.

Não sendo possível relatar aqui a infinidade de informações que o livro fornece, referirei, por exemplo, que as chamadas "primaveras árabes" foram organizadas pelos serviços secretos britânicos - o MI6 - com o apoio dos Estados Unidos, com a intenção de colocar no poder os Irmãos Muçulmanos, que sob uma aparência democrática satisfariam melhor os interesses ocidentais do que a actuação dos governos ditatoriais então existentes. Assim, a imolação de um jovem tunisino (em condições bem diferentes daquelas que foram internacionalmente relatadas) deu lugar à expulsão da Tunísia do presidente Ben Ali e ao regresso da Grã-Bretanha do líder do Ennhada, Rached Ghannouchi, tal como muitos anos antes a partida forçada do Irão do shah Reza Pahlevi precipitara o regresso de Paris do ayatollah Ruollah Khomeiny. Também o presidente do Egipto, Hosni Mubarak foi forçado a renunciar, embora recusando-se sair do país, tal como fez o guia da Líbia, Muammar Qaddafi, que permaneceu no território, onde viria a ser assassinado. Na Tunísia triunfou a Revolução do Jasmim e no Egipto a Revolução do Lotus, embora aqui a eleição de Mohamed Morsi e a sua vontade de islamizar a nação tivesse dado lugar a um golpe de Estado e à instalação de um regime presidido pelo marechal Al-Sisi, ainda mais autoritário do que o de Mubarak. Em Marrocos e na Argélia estas revoluções "coloridas" não tiveram êxito, devido a medidas dos respectivos governos, mas na Síria, perante a recusa de cedência da parte de Bashar Al-Assad, ocorreu uma sangrenta guerra civil que provocou até hoje milhões de mortos, feridos, desalojados, desaparecidos, mas que não logrou obter o êxito desejado pelas potências ocidentais empenhadas no controlo do pais, devido à intervenção da Rússia e do Irão, tendo a Turquia desempenhado um papel de grande ambiguidade, aliás característico da política instável do presidente Recep Tayyip Erdoğan.

Muito interessante as várias referências ao "governo de continuidade", uma estrutura informal existente nos Estados Unidos, sediada em Raven Rock Mountain, cujos membros são mais ou menos secretos e cuja missão é manter uma política favorável aos interesses considerados "profundos" da nomenclatura norte-americana, independentemente do ocupante da Casa Branca. Por isso, a partir de 2012, os EUA sustentaram duas políticas contraditórias no Médio-Oriente (p. 238). De um lado, o "governo de continuidade" prosseguindo o plano anglo-americano de remodelação da região, em colaboração com os Irmãos Muçulmanos; do outro, a administração Obama, tentando travar o massacre e partilhar com a Rússia o controlo da região. Um dos autores desse plano foi Jeffrey Feltmann, antigo adjunto de Hillary Clinton e director dos Assuntos Políticos da ONU, que articulou o programa de "transição democrática na Síria" com Angis McKee, agente do MI6 e depois embaixador britânico em Damasco, que concebera o papel a desempenhar pelos Irmãos Muçulmanos. Também Gene Sharp é várias vezes citado, como teórico da NATO e especialista em fomentar "revoluções coloridas", como na Sérvia, na Tunísia ou no Egipto.

Há no livro uma curiosa referência a António Guterres (p. 235). Tendo o patrão da indústria pesada alemã, Ulrich Grillo, tido a ideia de canalizar para a Alemanha 800.000 trabalhadores imigrantes para desenvolver as fábricas e travar as reivindicações salariais no seu pais, decidiu expor o seu plano na reunião anual do Grupo de Bilderberg, em 2013, apresentando-o não como uma oportunidade mas como uma forma de humanismo europeu. Para tornar o argumento convincente, foi dado um pontapé de saída com a difusão por todo o mundo, durante dias consecutivos, em jornais e televisões, da fotografia do menino sírio de três anos, Aylan Kurdi, que morreu afogado numa praia turca quando tentava, juntamente com a família, atravessar o Mediterrâneo. Assim, e porque era preciso parar com o drama e acolher os refugiados sírios na Europa, foi obtida a confirmação pública da gravidade da pressão migratória pelo alto-comissário para os Refugiados, António Guterres, uma caução que, segundo o autor, lhe permitiu ser eleito para secretário-geral da ONU. Não é possível confirmar esta afirmação, mas têm-se verificado diversas "recompensas" demasiado óbvias, como a ida de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia, depois de ter acolhido nas Lajes a Cimeira que desencadeou a invasão do Iraque ou a ida de Vítor Gaspar para director no FMI, depois de ter aplicado com particular zelo o plano da troika para Portugal, quando exerceu o cargo de ministro das Finanças.

As revelações deste livro serão espantosas para os mais desatentos da política mundial, ou porventura mais ingénuos, mas o desenrolar dos acontecimentos, analisado a posteriori, só poderá confirmar as conclusões de Thierry Meyssan, ainda que este peque, algumas vezes, por ser menos preciso nas referências, provavelmente pela urgência que pôs na redacção de um trabalho manifestamente complexo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Em 1957,quando foi lançado o primeiro Sputnik, um professor do Técnico cujo nome não recordo foi entrevistado e afirmou que se tratava de uma enorme aldrabice,baseada em falsos sinais rádio,falsas imagens celestes,etc. Não foi desmentido,pois não valia a pena,e sempre arranjaria outros argumentos tão pertinentes como os primeiros. Para ficarmos no espaço,quando da expedição lunar de 1969, tambem foi imediatamente esclarecido em vários pontos do globo que se tratava de uma encenação hollywoodesca para promoção da glória americana.Tambem que saiba não houve refutação,pois de facto não valia a pena.O jornal "Público" todas as sextas-feiras inclui um divertido suplemento de nome "Inimigo Público" com títulos como : "Navegador do avião para Dusseldorf que aterrou em Edimburgo era o Governador do Banco de Portugal",ou ainda "Ana Gomes denuncia que jogadores emprestados do Benfica são transportados para outros clubes em voos secretos da CIA". Suponho que obviamente ninguem refuta... A imaginação humana é extraordinária,e pode ser usada de modos variadissimos,desde o perverso ao humoristico. Os vendedores de elixires donizettianos que o digam...O sr. Meyssan,cujas reviravoltas politico-ideológicas são muito animadas, entra bem nestas galerias.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA O ANÓNIMO DE 29 DE MARÇO:

Como escrevi no post, onde fiz apenas breves referências ao texto, as revelações de Meyssan estão muito bem documentadas e não são susceptíveis de arrumar em qualquer Inimigo Público. Se uma ou outra conclusão pode ser precipitada no seu todo as "novidades" de Meyssan, novidades só para alguns, encaixam bem na realidade. Até porque os acontecimentos subsequentes a algumas das suas afirmações confirmam plenamente os antecedentes. Mas só a leitura do livro permitirá uma compreensão da obra. De há muito que algumas pessoas se obstinam em chamar teorias da conspiração ao que são verdadeiras conspirações. O tempo vai-se encarregando de demonstrar a verdade.