quinta-feira, 15 de março de 2018

VLADIMIR PUTIN




O nº 2783 (8 a 14 de Março) de "L'Obs" inclui um dossier dedicado ao presidente da Federação Russa, Vladimir Vladimirovitch Putin, uma figura incontornável da política internacional.

Não se trata de um trabalho exaustivo, obviamente, nem particularmente objetivo (a peça de abertura é assinada por Sara Daniel), mas, em todo o caso, merece ser lido.  Aborda a trajectória rápida de Putin, de agente do KGP a presidente da Câmara Municipal de São Petersburgo, rapidamente primeiro-ministro sob a presidência do bêbado Yeltsin e finalmente presidente da Rússia.

Debruça-se sobre a vida íntima de Vladimir Vladimirovitch, o segredo mais bem guardado da Rússia, o seu divórcio, uma pretensa amante, mas omite que o incumbente já foi considerado um ícone gay por uma revista, salvo erro holandesa, e que não perde oportunidade de exibir os seus dotes físicos. Há, contudo, um clima pouco favorável à homossexualidade no país, mais de natureza social do que legal, e em grande parte motivado pelas pressões da Igreja Ortodoxa que, como todas as obediências ortodoxas (muito mais do que as católicas, pelo menos nos tempos presentes) sempre se caracterizou por uma ostensiva homofobia.

É certo que Putin será reeleito este mês para a presidência da Rússia, e muitos aventam que no final do próximo mandato, em 2024, em vez de trocar o lugar com o primeiro-ministro Dmitry Medvedev, como fez anteriormente, Putin, através de uma emenda à Constituição, este possa prosseguir com um quinto mandato na chefia do Estado.

É dedicada uma peça ao ressurgimento dos Cossacos, que beneficiam de um apoio claro do presidente, e que constituem uma juventude dedicada à prossecução dos ideais da Santa Rússia, e outra peça ao poderio militar russo, ainda recentemente evocado por Putin no seu discurso sobre o estado da Nação, onde salientou a existência de uma nova arma capaz de iludir os sistemas de defesa norte-americanos.

Putin é considerado pela opinião pública russa como o homem providencial capaz de restaurar o prestígio da antiga União Soviética, depois do desmoronamento desta, em consequência da trajectória errática e incompreensível de Gorbachev, e do percurso trágico-cómico de Yeltsin, que permitiu aos antigos países de Leste, e especialmente a antigos países da União, como a Estónia, a Letónia e a Lituânia, integrarem a União Europeia e mesmo a NATO, quando já fora dissolvido o Pacto de Varsóvia. Às tentativas da Ucrânia de prosseguir idêntico caminho, Putin disse, obviamente NÃO. Daí a ocupação da Crimeia, que aliás era russa antes de ser ucraniana, e o apoio à secessão de Donbass.

Mas o prestígio de Putin tornou-se mais evidente com o apoio ao regime de Bashar Al-Assad, na Síria, combatendo os terroristas islâmicos, constituídos por diversos grupos e que englobaram no seu seio aquilo que foi inicialmente chamado de Oposição Democrática. Estes grupos jihadistas, fiéis ao Estado Islâmico (ISIS ou Daesh) e partidários da instauração da sharia, têm-se caracterizado pelos actos mais atrozes, recebendo inexplicavelmente (ou talvez não, interesses comerciais obligent) apoio dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França, da Arábia Saudita, do Qatar, da Turquia, etc.  Não sendo totalmente desinteressada a ajuda da Rússia (os russos têm interesses estratégicos na Síria, como a base naval de Tartus e a base aérea de Lataqia), ela tem permitido enfrentar e derrotar os guerrilheiros jihadistas, primeiro em Alepo e outras zonas e agora em Ghuta Oriental, onde estes constituíram a população como cativa, para lhes servir de escudo humano, o que tem provocado numerosas e lamentáveis baixas. Parece que o Ocidente se convenceu agora de que a única alternativa ao caos geral, com repercussões na Europa, é a manutenção do regime de Assad, cuja queda transformaria toda a região num verdadeiro inferno. O presidente Assad preside um Estado laico, com total liberdade religiosa, e tem recebido o aplauso de altos dignitários católicos e ortodoxos. A batalha pela libertação da Síria conta também, ao lado dos russos, com a participação do Irão e do partido xiita libanês Hizballah, o que tem provocado as maiores reticências dos sauditas (sunitas), que vêem com os piores olhos a emergência de uma potência xiita na região, o Irão, nação milenária herdeira de notáveis civilizações.

Evidentemente, existem na Rússia alguns condicionalismos à liberdade de expressão, mais por exigência dos sectores religiosos, mas também pela oligarquia financeira que suporta Putin e na qual este se apoia. Longe, todavia, das restrições existentes na União Soviética, da qual o presidente é naturalmente saudoso. Vladimir Vladimirovitch pode recuperar parcialmente a "honra perdida" da velha União mas não pode - e possivelmente não quer - restaurar o regime comunista, do qual tantos russos são nostálgicos. Basta ouvir o testemunho dos imigrantes russos em Portugal para podermos formar uma opinião objectiva a esse respeito.

A Rússia é hoje um Estado democrático, embora de um padrão diferente das chamadas "democracias liberais". Mas o poder reside, aparentemente, num só homem. E escrevo aparentemente, porque Putin está constrangido a uma série de compromissos com a elite política, económica e financeira. É um tsar menos poderosos do que os que chefiaram o Império. Em qualquer caso, é sempre conveniente recordar a máxima de Catarina II: «A Rússia é demasiado grande para ser governada por mais de uma pessoa».


5 comentários:

Zephyrus disse...

Platao escreveu que tinham tendencia para a Politica. Portanto, a ser verdade, nao seria de admirar.

Zephyrus disse...

A tentativa de preparar a entrada futura da Ucrania na UE foi um erro estrategico promovido subterraneamente pelos EUA e ingenuamente por algumas potencias europeias. A UE ganhou um inimigo desnecessariamente e os russos tem se revelado excelentes na internet. Quando foram as eleicoes nos EUA, quando houve o referendo ingles ou nos dias em torno do referendao catalao era notorio que havia comentadores profissionais nas caixas de jornais online e nas redes sociais a defender respectivamente Trump, o nao a UE e a independencia da Catalunha. Sucedeu o mesmo na eleicao francesa, com comentarios a favor de Le Pen. Hoje em dia suspeita-se que tudo tera origem numa maquina bem montada pela Russia. Mas como referi, a UE nao precisava de nada disto. A aceitacao de tantos paises de Leste foi precipitada, e prejudicou o Sul da Europa e a Franca, alem de ter inundado o Reino Unido de imigrantes (a imigracao para Inglaterra quase triplicou). Esta imigracao foi alias ma para os paises de Leste, que sofrem com problemas de despovoamento e baixos indices de fertilidade, os mais baixos do mundo juntamente com o Sul da Europa. Se tivessem sido sensatos no passado hoje em dia o Reino Unido nao estaria a sair e ter-se-ia evitado a guerra na Ucrania. De resto, a lista de erros ja e muita longa: a questao grega deveria ter sido resolvida rapidamente e nos bastidores, a Russia nao deveria ter recebido sancoes, a Turquia deveria ter outro tratamento na questao da adesao a UE, e deveria ter sido promovida a paz e a estabilidade nos paises muculmanos do Norte de Africa e do Medio Oriente, e nao a guerra e as falsas Primaveras. De resto, a Europa encaminha-se para um abismo, tal como na decada de 30 do seculo passado. A Primeira Guerra estoirou o Imperio Otomano ou o Austro-Hungaro, a Segunda Guerra levou a fuga da nata intelectual e arrasou o Continente. Agora nao havera guerra. Mas o caos do fim do euro e da UE colocara os bens de varios paises a preco de saldo, tudo isto com uma fuga de capitais e dos melhores para o Norte e para a America. Resta saber: sera tudo isto premeditado, e se sim, por quem?

M.G.P.MENDES disse...

Eu acho muita piada a todos os comentários que inundam a comunicação social - a escrita, a das tvs, a dos blogues...- em que os males do mundo são todos, todinhos, da responsabilidade da "maldita" Rússia, sim, porque da U. Soviética já não podem falar, já não existe...e o comandante-em-chefe claro, é o Presidente Vladimir Putin!...
Quer dizer...se ele fosse tão louco como os que o provocam...já não estaríamos cá!
Leiam a obra de uma "SENHORA" da Academia Francesa, a historiadora Marie Hélène d'Encausse que de forma objectiva descreve e analisa toda a trajectória da grande Rússia e sobretudo, aponta as traições que o Ocidente , sobretudo os E.U.A., após as negociações que se seguiram à queda do Muro de Berlim...
PS - Não sou "do Partido", mas amo a verdade acima de tudo...e hoje, mais do que nunca, parece que ninguém está interessado nela...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Existe uma sistemática campanha de desinformação relativamente à Rússia. Só que a comunicação social ocidental está de tal forma desacreditada que dificilmente alcança os seus objectivos. E ainda bem.

Putin tem restituído à Rússia o prestígio que ela gozou enquanto Império e depois União Soviética e que lhe foi subtraído após o desmoronamento consentido (ou provocado) por Gorbachev.

É isso que irrita o Ocidente, impotente para travar esta marcha "triunfal". E ainda a procissão vai no adro!

Abraham Chevrolet disse...

Então o mal não era o comunismo? Não era para o conter que eram necessárias todas as armas que se fizessem? Muito ingénuo acreditou em tal,hoje só uma má fé cínica é que não vê que tudo se resume a ...dinheiro! E a nada,nada mais que isso. A mãe Rússia saberá lidar com os pigmeus.