domingo, 26 de novembro de 2017

OS CRISTÃOS DO ORIENTE (II)



Escrevi neste blogue, em 24 de Agosto de 2010, um post dedicado aos Cristãos do Oriente. Durante os passados sete anos, a situação destes não parou de degradar-se. Consagra agora a revista "Qantara", do Institut du Monde Arabe, um dossier sobre "L'avenir incertain des chrétiens arabes", a propósito da exposição promovida por aquele instituto, com o título "Chrétiens d'Orient - 2000 ans d'histoire", patente ao público de 26 de Setembro passado a 14 de Janeiro próximo. Regressemos, pois, ainda que rapidamente, ao tema.

Nos dias que correm, tornou-se normal muita gente espantar-se com o facto de existirem cristãos no mundo árabe. Apenas concebem que lá existam muçulmanos. Ora, antes da religião muçulmana surgir na Arábia (século VII DC) e se espalhar pelo Médio Oriente e o Norte de África, as populações eram cristãs ou, eventualmente, pagãs. Converteram-se depois ao islão, mas não totalmente. Minoritariamente, perduraram até hoje naquelas regiões muitos habitantes de confissão cristã, nomeadamente no Egipto, onde o seu número é estimado acima dos 10%. E também no Iraque, na Síria e no Líbano. Nos outros países árabes, a sua expressão é diminuta.

As Igrejas Cristãs do Oriente são provenientes de dois cismas. O primeiro deu origem ao nascimento, no século V, da Igreja dita Persa, ou Nestoriana, da Igreja Jacobita Ortodoxa da Síria e da Igreja Copta, todas em ruptura com a Igreja Bizantina. Estas Igrejas, devido à acção de missionários latinos, cindiram-se em duas nos séculos XVII e XVIII e originaram ramos católicos ligados a Roma mas preservando a liturgia própria. A Igreja Maronita, do Líbano e da Síria, saída dos primeiros cismas, está em comunhão com Roma desde o século XII.

Vejamos, em primeiro lugar, o Egipto.

A discriminação da minoria cristã vem desde a conquista muçulmana, com períodos mais brandos ou mais severos, mas importa-nos agora o nosso tempo. A exclusão dos cristãos das funções públicas começou nos anos setenta do século passado, com Anuar Al-Sadat, ainda que um copta, Butros Butros-Ghali (antes de ser secretário-geral da ONU), tivesse sido ministro do seu Governo, inclusive ministro interino dos Negócios Estrangeiros, quando o titular da pasta se recusou a acompanhar Sadat na polémica visita a Jerusalém.

Mas a retirada de estrangeiros começou com a nacionalização da Companhia do Canal de Suez por Gamal Abdel Nasser. Foram mais ou menos expulsos os judeus e também os italianos, gregos, libaneses, etc. que detinham grande parte da actividade económica e estavam especialmente concentrados em Alexandria. É a altura do começo de uma grande emigração, nomeadamente para a Austrália e os Estados Unidos. Nasser nacionalizou também os bens dos coptas que, verdade seja dita, tinham em suas mãos dois terços da economia do país.

Nasser não era marxista mas pretendia uma governção não alinhada com o Ocidente e o Bloco de Leste. E empenhava-se na justiça social. Sadat, que lhe sucedeu, era muito diferente de Nasser.e fizera parte da Irmandade Muçulmana. Assim, libertou os Irmãos presos no tempo de Nasser, que retomaram a sua influência,  e iniciou uma discriminação dos cristãos. Foi ele que colocou em residência fixa o Papa Copta Chenuda III.

O único momento de real união entre muçulmanos, cristãos e judeus foi em 1919, aquando da revolução contra a ocupação britânica. Realizaram-se manifestações à frente das quais figuravam estandartes com a cruz e o crescente. Os padres pregavam nas mesquitas e os sheikhs faziam alocuções nas igrejas.

Registe-se, por curiosidade, que a Lei da Nacionalidade Egípcia só foi promulgada em 1926.

Um dos grandes responsáveis da difusão de um islamismo mais radical ficou a dever-se, inadvertidamente, a Nasser, quando resolveu dotar a Universidade de Al-Azhar de cursos "profanos" com o intuito de promover um melhor conhecimento da língua árabe por parte dos estudantes e de "misturar" matérias religiosas e laicas. Até então a Universidade dispunha apenas de três faculdades: direito religioso, teologia e língua árabe, e o sheikh de Al-Azhar era nomeado pelo rei. Nasser promoveu a criação das faculades de farmácia, medicina, comércio, engenharia e agricultura.

A Universidade de Al-Azhar tem hoje três milhões de pessoas, das quais dois milhões de estudantes e dispõe de nove mil institutos. Ela constitui, pela doutrinação dos seus alunos, um dos grandes obstáculos à modernização do Egipto.

Os católicos do Egipto, hoje, são poucas dezenas de milhares (talvez 200.000), quando comparados com os mais de dez milhões de coptas. São na maioria católicos provenientes das antigas províncias do Império Otomano, quase todos maronitas, caldeus, sírios-católicos, melkitas (gregos católicos) e arménios-católicos.

No começo do século XIX, Muhammad Ali (Mehemet Ali), que governou o Egipto em nome do sultão durante 44 anos, procurou uma modernização do país, tentando prendê-lo à Europa, especialmante à França.

Uma segunda tentativa de modernização ocorreu com Jamal Al-Din Al-Afghani e Muhammad Abduh (franco-maçon e que foi Grande Mufti do Egipto), na segunda metade do século XIX. O seu pensamento preconizava um entendimento das três religiões do Livro.

A Nahda (Renascimento), no fim do século XIX, princípios do século XX, especialmente promovida pelos sírio-libaneses constituiu uma terceira tentativa de reforma. O Egipto desenvolveu a imprensa, a literatura, o teatro, as belas-artes, mas a cultura foi travada pela islamização progressiva do país. Um dos grandes obstáculos ao diálogo inter-religioso tem sido a atitude preconizada pela Universidade de Al-Azhar, e a posição do seu Imam Sheikh Ahmed Muhammad Al-Tayeb. O actual presidente da República, Abdel Fattah Al-Sisi tem-se esforçado por estabelecer pontes de entendimento, até porque, por óbvias razões, recebeu um especial apoio dos cristãos à sua tomada do poder.

Curiosamente, a Turquia conhece agora uma regressão semelhante com Recep Tayyip Erdoğan, que vem destruindo sistematicamente a modernização imposta (muitas vezes à força, reconheça-se) por Mustafa Kemal Atatürk.


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Continuaremos a discorrer sobre este número da revista "Qantara" num próximo post.

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