sábado, 17 de dezembro de 2016

HALFAOUINE



Estando a arrumar livros e papéis, encontrei um exemplar de "L'Avant-scène-Cinéma", de Junho de 1999, dedicado ao filme Halfaouine, l'enfant des terrasses, (no original árabe عصفور السطح 'Asfur Stah, traduzido à letra, "O pássaro dos telhados"), do realizador tunisino Férid Boughedir. A película é de 1990 e comprei, em data que não recordo, a edição em vídeocassete, numa altura em que ainda não existiam dvd's.



A acção do filme desenrola-se no bairro de Halfaouine, uma das zonas mais características de Tunis, e debruça-se sobre o despertar da sexualidade de um rapazinho no limiar da adolescência e da sua curiosidade pelos corpos das mulheres frequentadoras do hammam feminino local, onde a sua tenra idade ainda lhe permitia entrar com a mãe, até ser definitivamente excluído por ter abusado da sua indiscrição. Em fundo, Férid Boughedir preocupa-se em demonstrar as relações entre homens e mulheres no país, ainda marcadas pelos interditos religiosos ou, mais propriamente, culturais, apesar da Tunísia ser, então (1990), uma das nações árabes mais avançadas em matéria de costumes. Situação que progrediu nos vinte anos seguintes, como tive oportunidade de comprovar nas muitas deslocações que efectuei a tão acolhedora terra. Receio, porém, que após a revolução de 2011 se tenha verificado uma considerável regressão nesta matéria. Aliás, durante os anos 80 e 90 o cinema tunisino produziu filmes de grande abertura, como os do realizador Nouri Bouzid (L'homme de cendres e Bezness), tratando de sexualidades alternativas.


Ao longo da película, além do protagonista Noura, interpretado pelo jovem Selim Boughedir, filho do realizador, perpassam várias personagens, das quais convém distinguir a do sapateiro Salih, desempenhado pelo meu amigo, grande actor e encenador, Mohamed Driss, que foi director do Théatre National Tunisien entre 1988 e 2012.

Mohamed Driss, em Salih (ao centro)
Selim Boughedir, em Noura
Cena no hammam

Curiosamente, ou não, o Teatro Nacional (não confundir com o belo edifício do Teatro Municipal, da avenida Bourguiba) funciona hoje no Palácio Khaznadar, na praça de Halfaouine, perto de Bab Souika, uma das portas da cidade antiga. Este imóvel, construído no século XIX e que teve diversos usos, era já a sede social (desde 1988) do Teatro Nacional, mas, não se encontrando ainda convenientemente adaptado, os espectáculos eram apresentados na Salle du 4ème Art, na avenida de Paris, que tantas vezes frequentei.

Palácio Khaznadar

Importa referir que as cenas relativas ao hammam feminino foram filmadas no próprio local e as mulheres que aparecem com os corpos parcialmente descobertos eram frequentadoras habituais do mesmo, não hesitando em figurar na película com a naturalidade do quotidiano. Não se tratou, portanto, de contratar figurantes, ou, como alguém chegou a interrogar-se, prostitutas para esse fim. Permito-me duvidar, dada a vaga "moralizante" que alastra pelo mundo muçulmano, se tal procedimento seria hoje possível.

Café da Praça de Halfaouine (Abril de 2000)

A rua de Halfaouine, que vai de Bab Souika à praça de Halfaouine é um dos mais interessantes mercados de rua e de cafés populares de Tunis. Uma área privilegiada de comércio e convívio, e também de proveitosos encontros fortuitos.

Abdelwahab no Café do Suq de Halfaouine (Dezembro de 1996)

Anis no Café do Suq de Halfaouine (Dezembro de 1996)

Recomendo aos meus leitores que tentem procurar o filme (encontra-se hoje já disponível em dvd) e que, se forem a Tunis, não falhem a visita ao suq de Halfaouine.


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