terça-feira, 13 de dezembro de 2016

ALEPPO



Entrada da Cidadela

A Questão do Oriente é velha de dois séculos. Isto para não recuarmos às Cruzadas.

Mas a situação agravou-se nos últimos cem anos com a queda do Império Otomano, no fim da Primeira Guerra Mundial, e subsequentes Acordos Sykes/Picot, Declaração Balfour e estabelecimento dos territórios de mandato francês e inglês. A criação do Estado de Israel, em 1948, tornou explosiva uma conjuntura já de si precária. No último meio século, o chamado conflito israelo/palestiniano foi um permanente foco de instabilidade regional.

Portão da Cidadela

Como se tanta cobiça e tantas asneiras não fossem suficientes para reconduzir à razão um Ocidente alucinado, George W. Bush, invocando despudoradamente mentiras comprovadas, decidiu, com o apoio de Tony Blair e de outros comparsas menores, invadir o Iraque. Esta acção militar, entre mortos, feridos, desalojados, enlouquecidos, estropiados, saldou-se por milhões de vítimas. Mas Bush e Blair continuam em liberdade, não tendo sido processados, nem julgados, nem condenados por qualquer instância internacional. Uma confirmação de que o crime compensa.

Grande Mesquita

Seguiram-se as "primaveras árabes", apoiadas pelo Ocidente, com consequências de todos conhecidas, em que a destruição do regime líbio transformou o país no caos em que se encontra. Na Síria, Bashar Al-Assad resistiu e mantém-se no poder. Entretanto, surgiu do "nada" o "Estado Islâmico", também conhecido por ISIS ou Daesh, com a pretensão de restaurar o califado. E rapidamente, apoiado financeira e militarmente pelos Estados Unidos, pela Arábia Saudita e pelo Qatar, entre outros, implantou-se num território maior do que Portugal.

Museu Nacional

A contestação ao regime autoritário de Assad por uma oposição classificada pelos media como moderada foi amplamente divulgada no Ocidente. Não se disse que essa oposição se conluiou com a Frente de Apoio ao Povo da Síria (Jabhat al-Nusra li-Ahl al-Sham), com o Daesh, Ahrar al-Sham e com outros grupos menores, na tentativa de derrubar o regime, contando com a cooperação da dita Arábia Saudita, do Qatar, da Turquia e de alguns países ocidentais (EUA, Reino Unido, França) e ainda de Israel. O regime sírio obteve então o apoio do Irão, da Rússia e do Hizbollah.

Suq Bab Antakyah

A guerra que devasta o país desde há cinco anos, com o seu cortejo de centenas de milhares de vítimas e actos ominosos de ambos os lados, está a ter o seu epílogo na cidade de Aleppo, existente desde o século XIX A.C. e uma das belíssimas metrópoles do Oriente, hoje parcialmente destruída. As carpideiras da comunicação social oficial têm tecido nos últimos dias as mais violentas críticas ao exército sírio e às forças russas, acusando-os de crimes contra a humanidade. Não que não se tenham certamente cometido atrocidades, porque, infelizmente, guerra é guerra. Mas pretendiam estas euménides da desinformação que os rebeldes djihadistas permanecessem na parte da cidade que haviam conquistado, mantendo em cativeiro a sua população, que lhes servia de escudo contra a ofensiva militar. Para memória futura, deve reter-se este facto como um exemplo da hipocrisia (des)informativa em todo o seu esplendor.

Restaurante Bait al-Wakil

O regime de Bashar Al-Assad tinha (e tem, porque permanece) muitos defeitos, mas gozava-se no país de uma liberdade infinitamente superior à que existe, por exemplo, na Arábia Saudita, essa terra incensada pelo mundo ocidental e que, na ONU, faz parte do Conselho de Direitos Humanos! O regime sírio garante a liberdade religiosa a todas as confissões e é liberal em matéria de costumes. Não será democrático, no sentido ocidental do termo, mas é muito mais democrático do que os regimes que os EUA e a União Europeia apoiam por esse mundo além.

Catedral Maronita

Não querendo alongar-me, acrescentarei que a invasão do Iraque, o apoio às sublevações em Marrocos (infrutífera), na Tunísia, na Líbia, no Egipto, na Síria, no Iraque, foram o despoletar do terrorismo de que agora se queixa o Ocidente. E a luta contra o terrorismo, como afirmou o papa Francisco, e ainda ontem reiterou a Bashar Al-Assad pela voz do núncio apostólico em Damasco, o cardeal (sim, cardeal) Mario Zenari, é um imperativo civilizacional.

Catedral Católica

Esperemos que vencida esta etapa, e prosseguindo na luta contra os extremismos, se possa restaurar a paz na Síria, retomar a convivência e restaurar a coexistência cultural e religiosa. Tarefa indubitavelmente difícil, dadas as circunstâncias, mas todos os esforços são indispensáveis à reconciliação nacional. Os interesses das potências são contraditórios, os jogos de poder múltiplos, as pretensões ainda mal definidas neste xadrez internacional. Há que percorrer o caminho das pedras. Que ele possa ser feito com o mínimo de perdas.

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