A morte, por assassinato, de Carlos Castro, em Nova Iorque, surpreendeu o país. Não, naturalmente, pela morte em si mesma. A morte é a coisa mais certa que temos na vida, é aliás a única certeza. Nem mesmo o assassinato, já que tantas pessoas são assassinadas diariamente por esse mundo fora. O que verdadeiramente surpreendeu foram as circunstâncias. E enquanto essas não forem conhecidas, se alguma vez o forem cabalmente, tudo o que se disser, para além dos factos, não passa de especulações.
Por isso, atenhamo-nos aos factos.
Segundo o que a imprensa tem noticiado, Renato Seabra, agora com 21 anos, conhecera há meses Carlos Castro através do Facebook. Pedira para se encontrar com ele. Daí nasceu uma "amizade". O jovem passou a acompanhar Carlos Castro em viagens ao estrangeiro, a saber: Madrid, Paris, Londres, finalmente Nova Iorque. Renato é um rapaz interessante, desportista, aluno universitário, que participou num concurso televisivo (onde os concorrentes masculinos desfilam quase nus, como acontecia outrora com as raparigas, mas as regras do jogo inverteram-se) e que pretendia ser (ou já era, ignoro-o) manequim. Carlos Castro era um homossexual público e notório, na plena acepção da palavra, e um conhecido cronista social.
A primeira pergunta que se coloca é: porque pretendeu Renato entrar em contacto com Castro, conhecendo-lhe, obviamente, o
curriculum?
A segunda é: porque aceitou sucessivos convites para o acompanhar, inclusive em viagens ao estrangeiro?
Não vem qualquer mal ao mundo por uma pessoa aceitar convites doutra para umas férias no estrangeiro. Mesmo atendendo á diferença de idades. Mas no caso em apreço é por demasiado evidente que se estabelecera uma "relação" entre ambos. E que ela teria funcionado. Caso contrário, Carlos Castro, após a primeira viagem, não teria certamente renovado o convite. Coloca-se, então, a questão de saber que razão teria motivado a consumação do crime, para mais em circunstâncias particularmente aviltantes.
Parto do princípio que Renato é o autor do crime, visto já o ter confessado á polícia nova-iorquina, de acordo com o
New York Post, embora não tenha sido ainda formalmente acusado, submetido a julgamento e com sentença transitada em julgado.
Segundo a comunicação social, tem a
entourage de Renato Seabra sustentado por todas as formas que o jovem não é homossexual. É o que menos interessa. Sabe-se, há pelo menos cem anos, que o ser humano é naturalmente bissexual, desenvolvendo uma preferência pelo mesmo sexo ou pelo oposto devido a factores diversos, esses ainda não devidamente identificados, mas nomeadamente de carácter sócio-cultural. Preferências essas que se manifestam desde tenra idade, ainda que a maior parte das vezes recalcadas, quando se verifica uma atracção pelo mesmo sexo. De resto, a termo "homossexual" surge pela primeira vez em 1869, num escrito de Karl Maria Kertbeny. E o termo "heterossexual" surgirá depois, como contraponto do primeiro.
A tão badalada questão da procriação não entra nestas contas. É doutro foro. Os gregos antigos sempre mantiveram relações a que hoje chamaríamos homossexuais e sempre tiveram filhos. Uma coisa não obsta à outra.
Por isso, e voltando à homo ou heterossexualidade do rapaz, que para o caso não interessa, o que se afigura de meridiana clareza é que ele manteria relações com o seu anfitrião, única hipótese sustentável para justificar a sucessão de convites para o acompanhar e viajar e receber presentes e não sei o que mais, pois como não os conhecia reproduzo as informações da comunicação social..
É claro que não acredito que Renato Seabra estivesse apaixonado por Carlos Castro. Embora teoricamente possível, na prática a probabilidade desta hipótese é inferior a 1%. Apesar de considerado pelo seu círculo familiar e de amigos como "modelo", mas de virtudes, o rapaz terá pensado que a proximidade e a intimidade com o cronista lhe daria oportunidades de singrar na carreira que, pelo menos nos últimos tempos, pretendia seguir. E que, concomitantemente, essa privança lhe proporcionaria viagens (como aconteceu), lhe facilitaria o acesso a alguns bens que não estariam ao ao seu alcance, e lhe facultaria outras prebendas. Não sendo néscio, certamente não ignorava também (já que na vida tudo, ou quase, tem um preço) que deveria retribuir da forma que, nestes casos, é a adequada. Não seria, portanto, o jovem inocente que uma certa comunidade pretende agora justificar, mas alguém consciente do jogo em que entrava e que, pelos vistos, durou vários meses, a contento de ambas as partes, tanto quanto se pode inferir do percurso conhecido.
Assim sendo, nesta última viagem alguma coisa correu mal. O quê? Saber-se-á mais tarde, ou talvez nunca, já que só poderemos dispor de uma versão.
Resta uma palavra final para a nossa sociedade e para os malefícios da televisão.
A sociedade em que vivemos, nomeadamente no Ocidente, é uma sociedade que tudo consome, inclusive as próprias vidas. E que tem na televisão um dos seus instrumentos mais poderosos e mais perniciosos. Leia-se, a propósito, o livro
Sur la télévision, do famoso Pierre Bourdieu. A influência da televisão, em especial nos jovens, é determinante. Aparecer na televisão, ainda que por breves instantes, é, julgam eles, a consagração definitiva, a glória. Vale tudo por uns instantes de fama que a televisão pode, ilusoriamente, proporcionar. Daí o cortejo de telenovelas, povoadas apenas por jovens, os concursos, os desfiles de moda, onde se explora (alguém explora) despudoradamente o sexo.
Esse mesmo sexo, que se exalta até à exaustão, e que depois é hipocritamente censurado pelas ligas da moralidade e dos "bons costumes", em nome da "paz das famílias" (como diria Jorge de Sena). Uma contradição nos termos. Renato Seabra terá cedido ao fascínio de uma carreira iluminada pelas luzes da ribalta televisiva, aceitou durante meses as regras do jogo mas, por razões que desconhecemos, interrompeu a partida. Da pior forma. Para ele, que destruiu a sua vida, e para Carlos Castro, cuja vida foi por ele violentamente destruída. Por mais razões que se invoquem, um crime (e neste caso, hediondo) é sempre um crime.
Há muita gente, mesmo em Portugal, que passado o fugaz momento de presença nessa "caixa que mudou o mundo" ficou com a vida destruída. Não deve a televisão acalentar falsas esperanças às pessoas, não pode utilizá-las e depois remetê-las para o lixo.
Não foi sem razão que Karl Popper, um insuspeito liberal, defendeu, nos seus últimos escritos, a necessidade de se instituir uma censura à televisão. Que venha ela!