terça-feira, 30 de novembro de 2010

PETER HOFMANN

Peter Hofmann em Siegmund, em Die Walküre

Morreu hoje, com 66 anos, o famoso tenor alemão Peter Hofmann, que se notabilizou nos principais palcos mundiais, inclusive no Teatro de São Carlos. Afastado da cena lírica há anos, Hofmann sofria da doença de Parkinson e encontrava-se actualmente num hospital da Baviera. Iniciou-se na vida artística como cantor de uma banda rock e começou a aprender o canto lírico durante o serviço militar. Interpretou diversas óperas, tendo-se contudo distinguido no repertório wagneriano, nomeadamente no Parsifal, de que foi um dos mais notáveis protagonistas.

FERNANDO PESSOA


Em 30 de Novembro de 1935, há precisamente 75 anos, morria em Lisboa Fernando Pessoa. Porque muito se escreveu já sobre Pessoa, a partir especialmente do centenário do nascimento e do cinquentenário da morte, proporcionando estudos e juízos sérios e também oportunismos de vária ordem, a maior parte estéreis, como se adivinha, nada mais pretendemos com esta evocação senão registar que, ao longo destes 75 anos, se tornou evidente ser Fernando Pessoa uma das figuras mais lúcidas não só da poesia como do pensamento português contemporâneo.

Recordemos o

SONETO JÁ ANTIGO

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aí de Londres,
embora não o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de
Londres p'ra Iorque, onde nasceste (dizes...
que eu nada que tu digas acredito),
contar àquele pobre rapazito
que me deu tantas horas tão felizes,
Embora não o saibas, que morri...
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará... Depois vai dar
a notícia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

UM ATAQUE DA MOSSAD?


Devido a duas explosões, morreu esta manhã o cientista iraniano Majid Shahriari e ficou gravemente ferido outro cientista, Fereydun Abbasi. Ambos eram professores da Universidade Shahid Beheshti, de Teerão, e trabalhavam na área da energia nuclear. 

Já no passado mês de Janeiro fora assassinado outro cientista nuclear, o professor Massud Ali Mohammadi. É suposto que a Mossad possa estar por detrás destes atentados.

BLANCO GIL


Morreu na passada 6ª feira, dia 26, em Ciudad Juárez, no México, após um espectáculo, o actor e encenador Xosé Manuel Blanco Gil, de 64 anos, director do Teatro Ibérico, a funcionar há anos no Convento de Xabregas. Licenciado em Filosofia e Filologia Românica pela Universidade de Santiago de Compostela, começou a trabalhar em Portugal em 1976, tendo sido, em 1979, director do Teatro Experimental do Porto. Em 1980, fundou o Teatro Ibérico, onde encenou mais de 40 peças. Organizou também a Mostra de Teatro Espanhol em Portugal, acontecimento que teve a mais ampla repercussão cultural. Recebeu inúmeros prémios em Portugal, Espanha e outros países.

Em 1993, Mário Soares agraciou-o com a comenda da Ordem do Mérito e em 2005, a secretária de Estado da Cultura, Teresa Caeiro concedeu ao Teatro Ibérico, na sua pessoa, a Medalha de Mérito Cultural.

Homem profundamente culto e amante do teatro, Blanco Gil, de quem tive a honra de ser amigo e cuja actividade teatral em Portugal acompanhei durante anos, desenvolvia com dificuldades financeiras a programação do Teatro Ibérico, devido á escassez dos subsídios que recebia, talvez com excepção do período em que António Braz Teixeira foi secretário de Estado da Cultura e que muito o apreciava. Essa situação obrigava-o a encenar periodicamnete em outros países.

Também homem solidário, Blanco Gil era membro do Grande Oriente Lusitano-Maçonaria Portuguesa.

REVELAÇÕES DA WIKILEAKS


Toda a gente sabe que as embaixadas dos Estados Unidos são verdadeiros centros de espionagem. Aliás, como a maior parte das embaixadas, especialmente as das grandes potências. Normalmente as informações confinam-se à discrição alcatifada e silenciosa dos gabinetes. Mas agora, que a organização internacional WikiLeaks, sediada na Suécia, colocou na net 250.000 mensagens trocadas entre as representações diplomáticas americanas e o Departamento de Estado, instalou-se o pânico.

As comunicações divulgadas referem-se ao desejo expresso do rei da Arábia Saudita (um país artificial criado pelos Estados Unidos) e de outros dirigentes árabes no sentido dos EUA bombardearem o Irão, ao apoio americano ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, às tentativas de isolamento de Chávez, ao perscrutar da possível agenda islamista de Erdogan, à inquirição sobre as atitudes da Coreia do Norte, à devassa da vida particular de governantes como Sarkozy, Merkel, Berlusconi, Putin, Medved, Khadafi, e até do secretário-geral da ONU, Ban-Ki-Moon.

Tudo com abundância de pormenores, como a utilização dos cartões de crédito dos visados, os seus horários, os seus voos, a sua vida sexual. Nada escapa ao olhar atento de Hillary Clinton, como de certo não lhe haviam escapado em tempos as escapadelas do marido. A indignação não foi mais do que uma comédia.

Aguardam-se, desta novela, os próximos episódios.

domingo, 28 de novembro de 2010

A FOME EM PORTUGAL


Teve lugar ontem e hoje, em todo o país, uma recolha de alimentos em mais de 1.100 superfícies comerciais, promovida pelo Banco alimentar contra a fome, dirigido pela mão solidária de Isabel Jonet. Esta campanha, que tem lugar em vésperas de Natal, destina-se a minorar a situação aflitiva em que se encontra grande parte da população portuguesa. É uma campanha que não deverá realizar-se apenas na altura de dias festivos mas sim durante todo o ano, já que que comer é uma necessidade quotidiana.

Para além da pobreza endémica, que se regista desde sempre em Portugal, surgiu nos últimos tempos uma pobreza "mais discreta", o que antigamente chamávamos a pobreza envergonhada e que não dá nas vistas mas existe. Gente que perdeu o emprego ou viu o seu salário reduzido, gente menos prevenida e que se deixou aliciar pelas propostas de empréstimos bancários para adquirir o que não podia e que, se calhar, nem lhe fazia falta, e que agora não consegue solver os seus compromissos, gente que, pelos mais diversos motivos, ficou sem recursos para o dia-a-dia.


Preocupada com a situação gravíssima que se vive no país, a Igreja Católica já se manifestou, pedindo, inclusive, aos seus ministros, para contribuírem com dádivas para os mais necessitados. Também as instituições de solidariedade social vão fazendo o que podem, e que não é muito, se compararmos com o que seria indispensável.

Admira-me que, em época de profunda crise social, ainda haja quem se preocupe com os restaurantes de cinco estrelas, onde uma refeição não custa menos de cinquenta euros.


O secretário-geral da AHRSP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal)., José Manuel Esteves afirmou-se preocupado com o empobrecimento da população, ciente do desperdício que ainda existe. Pelos seus cálculos, só os refeitórios e as cantinas de hospitais, estabelecimentos prisionais, universidades e escolas deitam 35 mil refeições ao lixo todos os dias. E são as famílias que têm de ir buscar aos contentores do lixo as refeições que lhes poderiam ser directamente entregues. Parece que a lei idiota que proibia que se dessem as sobras (que não os restos dos pratos, obviamente) aos mais carenciados, vai ser alterada. Dizem os deputados que houve uma má interpretação e que apenas estava em causa a garantia das condições de higiene, mas desde há tempo que muitos empresários ignoravam essa lei e enviavam as sobras para quem delas precisasse. Para garantir o encaminhamento das refeições é indispensável a a colaboração das autarquias, muitas vezes mais preocupadas com o acessório do que com o essencial.

Suponho que muitos portugueses, especialmente em meios urbanos, em que as pessoas mal se conhecem, ainda não se deram conta da gravíssima situação que o país atravessa. O país e, dentro em pouco, a Europa inteira, onde o actual modelo económico está completamente esgotado. Aguardam-nos dias difíceis, porventura semelhantes aos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, mas menos espectaculares, já que não se vislumbram, por ora, os vestígios das destruições causadas pelos bombardeamentos. A insensibilidade dos líderes europeus, e até de parte da população que inconscientemente os elegeu e que não foi ainda afectada pela crise, mas que certamente virá a ser, provoca calafrios. Em breve chegará a sua hora!

A GUERRA POR OUTROS MEIOS


Escreveu Carl von Clausewitz que "a guerra é a política continuada por outros meios". A frase do autor de Vom Kriege (Da Guerra) tem sido glosada ao longo dos anos.

Pode ler-se aqui que a actual guerra financeira é outra face das chamadas guerras limpas, como a química, a bacteriológica ou a  biológica.

Deixo o post citado à reflexão dos leitores.

sábado, 27 de novembro de 2010

O ORÇAMENTO


Finalmente, foi ontem aprovado o Orçamento do Estado para 2011. Contemplando as gravíssimas medidas já anunciadas e que penalizam, como é habitual, uma parte considerável da população, já que os portugueses, na sua maioria, se incluem na classe média baixa ou na classe baixa, além, é claro, dos absolutamente pobres.

A introdução destas medidas justifica-se, diz o Governo e o PSD, para evitar a intervenção do FMI. Pode perguntar-se, com propriedade, se a Irlanda, que tomou anteriormente medidas igualmente drásticas, conseguiu evitar essa intervenção? A resposta é não! 

Também seria interessante saber, já que essa situação foi escamoteada à maioria dos portugueses, porque nos últimos anos Portugal atingiu uma dívida externa como a actual? Não foi o país que beneficiou dela. E, ainda que tivesse sido, deveria ter-se evitado que tal acontecesse. Dizia um velho professor de Economia Política (Costa Leite Lumbrales): "Na base finanças sãs". Nunca me esqueci e até escrevi aqui sobre isso.

O desbaratamento dos dinheiros públicos ocorrido na última década (Guterres, Barroso, Sócrates) é um exemplo de como não se pode governar um país. Mas em Portugal não se pedem contas aos governantes. Aliás, a má gestão financeira verifica-se desde 1974, quer por opções ideológicas irrealistas, quer pelo deslumbramento com os dinheiros comunitários, quer pela incompetência administrativa, quer pela corrupção que se tornou endémica entre nós.

Não é certo que as medidas agora tomadas nos salvem da intervenção das instâncias internacionais, cujos pensamentos reservados são, por isso mesmo, do conhecimento de muito poucos. Mas, mesmo sem FMI e quejandos, nada nos garante que não nos sejam exigidos novos sacrifícios daqui a mais alguns meses.

Valeu a pena a entrada na zona euro? Valeu a pena a entrada na União Europeia? VALE A PENA A PRÓPRIA UNIÃO EUROPEIA? Não sei.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

INCIDENTES NO CAIRO




Registaram-se anteontem violentos incidentes no Cairo, na zona de Gizeh, devido à vontade de um grupo de cristãos coptas de adaptar a igreja um centro comunitário local. Os habitantes muçulmanos opuseram-se e o confronto verbal degenerou em violento confronto físico. A intervenção da polícia de choque restabeleceu a calma, pelo menos provisoriamente, tendo resultado do conflito um morto e cerca de 50 manifestantes feridos bem como 20 polícias. Segundo o procurador-geral egípcio verificaram-se 133 detenções.

Os cristãos representam apenas 10 a 15% da população egípcia, e têm sempre dificuldade em construir igrejas ao contrário dos muçulmanos para quem não há obstáculos à edificação de mesquitas. Apesar das relações quotidianas de cristãos e muçulmanos serem normalmente pacíficas (existe uma antiga tradição de convivência) surgem por vezes situações de confronto, nomeadamente quando se trata da edificação de novas igrejas. A tensão latente entre as duas comunidades tem-se acentuado nos últimos anos devido à acção de grupos islâmicos radicais, encabeçados pelos Irmãos Muçulmanos. O poder central e os poderes locais têm primado pelo alheamento do problema, numa altura em que o longo consulado do presidente Hosni Mubarak se aproxima do fim.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O CASO CHLOMOVITCH



Quando no Verão de 2000, sob um calor sufocante, passei uma semana em Belgrado, não deixei obviamente de visitar o Museu Nacional. Ignorava então tudo do caso Chlomovitch. A minha estada na capital sérvia era de alguma forma uma contrição pelos bombardeamentos da NATO ocorridos no ano anterior, por insistência americana, a fim de conduzir a Jugoslávia à esfera da democracia, leia-se, à esfera da economia de mercado ultra-liberal. Para os americanos e alguns europeus, o regime de Slobodan Milosevic constituía um empecilho, depois da queda do muro de Berlim e do desmoronamento da União Soviética. Importava, pois, bombardear Belgrado e a Sérvia e desintegrar a Jugoslávia, já então em fase de estertor. Vi, em Belgrado, na Kneza Milosa, os edifícios destruídos de alguns ministérios, bem como as consequências dos ataques à embaixada da China e à Televisão.

A minha visita ao Museu Nacional foi rápida. Na ausência de ar condicionado (as refinarias tinham sido bombardeadas e o combustível escasseava), as janelas abertas não conseguiam disfarçar os 46º centígrados do exterior. Adquiri o modesto catálogo na única versão disponível, em alemão, que só viria a consultar alguns anos mais tarde. Nem me preocupei em averiguar porque várias salas estavam encerradas.



Voltei este ano a Belgrado, com temperatura amena e a firme intenção de revisitar o Museu, agora que já conhecia a extraordinária história da colecção Chlomovitch. Fi-lo no primeiro dia desta minha segunda estada, mas não passei da porta de entrada. O Museu encontrava-se temporariamente encerrado. Não foi para mim uma total surpresa, pois lera algum tempo antes, numa publicação especializada, que o Museu Nacional se encontrava fechado a maior parte do tempo. Ignoro porquê e os guardas da entrada, que só falavam sérvio, nem sequer tentaram dar-me alguma explicação.

(Clique na imagem para ver melhor)


O caso Chlomovitch encontra-se pormenorizadamente descrito no livro Dosije Slomovic, de Momo Kapor, traduzido para francês com o título Le mystère Chlomovitch. O autor, Momcilo (Momo) Kapor (1937-2010), que morreu em 3 de Março deste ano, foi o mais popular dos escritores jugoslavos do Pós-Guerra, com cerca de quarenta obras publicadas. Romancista, mas também pintor, argumentista, ensaísta, diplomou-se em 1961 pela Academia de Belas-Artes de Belgrado, expôs na Europa e nos Estados Unidos e está traduzido em mais de vinte línguas. Pertenceu à Comissão para a Protecção da Verdade, de Radovan Karadzic, e foi testemunha de defesa de Slobodan Milosevic, no Tribunal Internacional da Haia.

Momo Kapor


(Milosevic morreu durante o julgamento, nunca se tendo esclarecido inequivocamente se foi de morte natural ou devido a suicídio ou assassinato).



Contemos então a história.

Em 1928, um jovem judeu jugoslavo de 13 anos, Erich Chlomovitch, estudante do liceu e que se apaixonara por uma obra que lhe caíra nas mãos, La Vie et l'Oeuvre de Pierre-Auguste Renoir, de Ambroise Vollard (editada em Paris em 1919), escreveu ao seu autor um bilhete dizendo-lhe que quando fosse grande gostaria de ser como ele. Vollard, grande especialista de arte moderna, galerista famoso, íntimo e biógrafo dos maiores artistas da época, organizador das primeiras exposições de Cézanne, Picasso e Matisse, achou curiosa a missiva do jovem e respondeu-lhe pelo seu punho, convidando-o a visitá-lo quando fosse a Paris.

Em 1935, com 20 anos, Chlomovitch chega à capital francesa e bate à porta de Vollard, mostrando-lhe a carta que dele recebera. Por insondáveis desígnios do destino, Vollard admite-o imediatamente como seu secretário e apresenta-o a todos os grandes pintores do seu círculo. O jovem, que então possuía já uma profunda sensibilidade artística, torna-se no braço direito do famoso galerista. Constou então, e continua a afirmar-se, que Chlomovitch, em cuja vida não existe uma única mulher, se tornara amante de Vollard. Durante quatro anos, Chlomovitch contacta os nomes mais famosos do impressionismo, auxilia o galerista com uma dedicação inexcedível e começa a fazer as suas próprias aquisições. Em 1939, Vollard morre num acidente de automóvel e, para espanto geral, deixa ao jovem, em testamento, a parte mais importante da sua grandiosa colecção de obras de arte.

Após a morte de Vollard, Chlomovitch regressa a Belgrado acompanhado pela sua preciosa colecção de pinturas, esculturas, fotografias, livros de arte, etc. onde figuram obras de Matisse, Cézanne, Renoir, Picasso, Degas, Roualt, Pissarro, Bonnard, Chagall, Dufy, Gauguin, Forain, Redon, Derain, Maillol, Le Corbusier, Daumier, etc. Quer expô-las na capital do Reino da Jugoslávia. De preferência no Museu do príncipe Paulo, o Regente (hoje Museu Nacional), mas Sua Alteza não se mostra interessada, apesar do inestimável valor das obras. Chlomovitch resolve então optar por Zagreb, a segunda cidade do país, onde apresenta finalmente a colecção, em 1940, na Casa das Belas Artes. Contudo, a estada em Zagreb não o entusiasma e, reembaladas as obras, regressa a Belgrado. 

Em 25 de Março de 1941, o governo jugoslavo do príncipe Paulo adere ao Pacto Tripartido (Alemanha, Itália e Japão) e a 27 há um golpe de Estado no país. O regente é expulso, o jovem rei Pedro II, de 18 anos, assume efectivamente o poder e o novo governo demarca-se do Eixo. Em 6 de Abril, Hitler, como represália, manda bombardear Belgrado, considerada como cidade aberta, fazendo 17.000 mortos, e invade a Jugoslávia

Perante a nova situação, os Chlomovitch, sendo judeus, decidem abandonar Belgrado. Assim, Erich, com seu irmão Egon, o pai Bernard e a mãe Roza, e as obras de arte, tomam o caminho de Varvarin, no centro da Sérvia. Daqui partem para a vila de Bacina, onde se instalam o mais discretamente possível. As caixas com o tesouro são enterradas numa cozinha e construído um muro de protecção. Pouco tempo depois as tropas alemãs passam pela vila e, talvez devido a uma denúncia, identificam Chlomovitch como judeu e prendem-no bem como ao pai e ao irmão. Nunca mais serão vistos.

Em 1944, estando parte da Sérvia libertada das tropas nazis, Roza Chlomovitch visita em Belgrado Ivan Ribar, presidente da Assembleia Popular Provisória e amigo de longa data da família. Conta-lhe toda a história e pede-lhe ajuda para transportar a colecção, que deseja oferecer ao Museu Nacional, devendo ficar numa ala com o nome do filho. Ribar dá ordem para que a mesma seja embarcada em Bacina num vagão especial com destino à capital. Acompanham a preciosa carga Roza Chlomovitch, uma prima afastada, Mara Herzler e duas crianças, filhas desta. Mas perto de Velika Plana, de madrugada, acontece o imprevisível. O comboio colide com outra composição transportando tropas búlgaras. Várias carruagens são destruídas. Roza e as duas crianças têm morte imediata. Mara Herzler sobrevive. 

Parece que uma maldição caiu sobre a invejada colecção. Durante um tempo não se fala dela, até que a segurança do Estado toma conhecimento, através de escutas telefónicas a um adido de imprensa ocidental, conhecido por Mr. Clifford mas de quem nunca se soube o verdadeiro nome, que alguém, em Belgrado, desejava vender parte da colecção dos mestres franceses. Recorde-se, a propósito, que Lawrence Durrell era, ao tempo, adido de imprensa da embaixada britânica em Belgrado e é dessa altura o seu romance Águias Brancas sobre a Sérvia. Entretanto, a polícia, já em campo, dá-se conta da existência de outro potencial comprador da colecção invisível, o embaixador de um país importante, recentemente chegado a Belgrado. Em 1948, iniciam-se investigações sistemáticas para encontrar Mara Herzler, que é finalmente descoberta na sua nova morada em Prizren, no Kosovo, rebaptizada como Mara Albahari, devido ao seu novo casamento. Intimada pelas autoridades, Mara revela que as caixas se encontram em Belgrado, na praça Slavija, confiadas à guarda do antigo comerciante Perisa Velykovic, que é obrigado a entregá-las.

A colecção será então exposta à porta fechada no ministério do Interior, sendo convocados para a identificação das obras, sob juramento de silêncio, os mais destacados especialistas de arte do país. Saber-se-á depois que Mara, cunhada de Erich, conservou a colecção em seu poder até ao Outono de 1947, altura em que, tendo morrido o marido e os filhos, se voltou a casar. 

A colecção foi enfim entregue ao Museu Nacional, em 1949, constando, segundo inventário, de 321 obras, mais exactamente 163 quadros e 158 gravuras, litografias e águas-fortes, ou seja um número inferior das obras apresentadas em 1940 em Zagreb. Em 1989, o historiador de arte Vlado Buzancic afirmava que o Museu possuía 352 obras da colecção Chlomovitch. Este tesouro repousa ainda hoje nas caves blindadas do Museu.

Todavia, em 1980, tivera lugar um golpe de teatro. Um empregado da Société Générale, em Paris, verificou que o aluguer de um dos cofres-fortes do banco expirara em 1943. Aberto o mesmo na presença das autoridades, encontrou-se uma parte ignorada da colecção Chlomovitch, composta por 190 quadros, gravuras, esboços, fotografias, primeiras edições, etc. dos mais importantes mestres franceses, muitas das obras até então ignoradas. O banco, para se ressarcir do não pagamento do aluguer, promoveu a venda em leilão das obras, que teria lugar no Hôtel Drouot, onde estiveram expostas para contemplação dos apreciadores, não fora o recurso apresentado pela embaixada da Jugoslávia em Paris. Aceite o mesmo, a venda foi interdita e a colecção recolheu aos cofre-fortes, desta vez da Banque de France.

No que respeita à parte francesa da colecção, os herdeiros potenciais em 1981 eram a tia de Erich, Hilda Fleischmann, a prima Judita Herzler e os filhos da tia, Ruben e Rutka Godfinger, todos a viver em Israel, e ainda Mara Albahari, viúva de Friedrich Herzler. Em 1996, um tribunal de Amiens, declarou que o proprietário legal das obras depositadas no banco francês era Louis Sébastien, então de 75 anos, como herdeiro de Ambroise Vollard, ainda que nenhuma constasse do inventário elaborado aquando da morte deste. 

Aguarda-se uma longa batalha jurídica, e internacional, para determinar afinal, a quem pertencem as obras agora depositadas na Nanque de France e no Museu Nacional de Belgrado.

A história desta colecção, e as vicissitudes que a têm acompanhado, constituem, sem dúvida, um folhetim apaixonante.


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A DERROCADA


Ruiu mais um prédio em Lisboa, desta vez na Avenida 5 de Outubro. As derrocadas na cidade sucedem-se a um ritmo assustador. Ano após ano os prédios vão caindo, sem que se conheçam medidas da Câmara Municipal de Lisboa que possam travar os consecutivos desabamentos. Chega a parecer que há gente interessada em que os edifícios caiam para poderem edificar outros no mesmo lugar. Se calhar até é verdade. Porque não se assegura, quando se efectua uma demolição, que os edifícios contíguos não fiquem em perigo?

Para tudo isto a Câmara deveria estar atenta. Creio que existe legislação bastante para prevenir estas situações e quanto a dinheiro seria mais bem empregue a obviar estas calamidades do que a gastá-lo em manifestações perfeitamente dispensáveis, mas nem por isso menos onerosas.

Lisboa é das capitais europeias que eu conheço, e conheço quase todas, a única que deixa degradar os seu prédios a misérrimo estado, favorecendo a especulação imobiliária e descaracterizando a cidade. Os prédios antigos não são recuperados, deixam-se cair e no seu lugar surgem outros, certamente de maior rendimento mas a maior parte das vezes autênticas aberrações arquitectónicas.

É tempo de se adoptarem as devidas providências, antes que nada reste da cidade antiga.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

EVOCAÇÃO DE PESSOA


Teve lugar a noite passada no Teatro São Luiz uma sessão de poesia evocativa dos 75 anos da morte de Fernando Pessoa (efeméride que ocorre no próximo dia 30) e que assinalou também o 50º aniversário da criação do Grupo Fernando Pessoa.

O Grupo nasceu em 1960, no Centro Nacional de Cultura, que promoveu a sessão de ontem, por iniciativa de Fernando Amado, e apresentou-se então com O Marinheiro, de Pessoa, interpretado por Glória de Matos, Isabel Ruth e Clara Joana, e Antes de começar, de Almada Negreiros, com Irene Cruz e João d'Ávila. Por ele passaram muitos artistas, como Laura Soveral, Norberto Barroca, Rui Mendes, Carlos Cabral, Manuela de Freitas, João Perry, Maria do Céu Guerra, Lídia Franco, Catarina Avelar, Fernanda Alves, o brasileiro Luís Tito, etc. Actuou não só em Portugal, mas igualmente no Brasil, em Angola, em Moçambique e na África do Sul.

Intervieram na sessão de ontem, que encheu o Jardim de Inverno do São Luiz, Glória de Matos, Isabel Ruth, Laura Soveral, João d'Ávila e Norberto Barroca.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MISÉRIAS DA GLOBALIZAÇÃO


Jacques Généreux, professor em Sciences-Po, acaba de publicar um oportuníssimo livro, La Grande Régression, sobre a forma como resistir à globalização neo-liberal. Em entrevista ao Nouvel Observateur desta semana (nº 2402), este defensor de um certo modelo de Estado-providência desenvolve as suas ideias, que também se podem encontrar aqui, neste texto onde o autor faz uma constatação implacável sobre as perversões do sistema capitalista neo-liberal na globalização, um sistema destruidor tanto socialmente como no plano económico, e inclusive da própria espécie humana.

GOVERNO OU JUNTA

Começou a falar-se nas últimas semanas na necessidade de se constituir um governo de salvação nacional. Há algum tempo que sustento neste blogue que o regime se encontra num impasse e que importa adoptar medidas políticas, já que as meramente económicas apenas sobrecarregarão os mais desprotegidos da sorte, no caso português a própria classe média, que já não é média mas baixa. Como De Gaulle fundou em França a V República, seria preciso que em Portugal alguém criasse uma IV República.

O sistema actual está esgotado e é indispensável uma pausa para reflexão. Até concordo com Manuela Ferreira Leite quando disse, no tempo em que foi líder do PSD, que era conveniente suspender por uns meses a democracia. 

Por isso entendo que, nas presentes circunstâncias, um governo de salvação nacional não adiantará coisa algumas para a resolução dos nossos problemas. Do que precisamos agora é de uma junta de salvação nacional, sem representação partidária, para pôr ordem na casa. Constituída por gente sensata e honesta, de orientação política ao centro, preferencialmente de origem castrense, retirada ou no activo. Nem mais.

domingo, 21 de novembro de 2010

LEV TOLSTOÏ


Comemorou-se ontem o centenário da morte de Lev Tolstoï, (1828-1910), celebrado autor de Guerra e Paz, Anna Karenina, Ressurreição, Sonata a Kreutzer, etc. O grande romancista russo, que teve um percurso ideológico inverso do seu grande contemporâneo Dostoïevski, acabou a vida longe da religião e defendendo ideias próximas do socialismo, que aliás traduziria na administração das suas vastas propriedades rurais. Marx não terá sido indiferente a essas ideias, que tiveram grande divulgação na Rússia da época e o escritor, que foi subrepticiamente subversivo, mereceu mesmo a excomunhão do Santo Sínodo em 1901.

Citando Marco-Aurélio, Tolstoï costumava dizer: "Preparar-se para a morte é o nosso destino mais elevado". Do seu leito de morte, Turguéniev escreveu-lhe: "Fico feliz por ter sido seu contemporâneo. Você é o maior escritor da terra russa". Senão o maior, um dos maiores nesse período de ouro da literatura russa que foi o século XIX.

sábado, 20 de novembro de 2010

A CIMEIRA DA NATO


Começou ontem e termina hoje em Lisboa uma cimeira da chamada Aliança Atlântica. Como vem sendo habitual, a realização destes encontros suscita vivo repúdio de parte das populações, não só a nível local mas mundial. Essa hostilidade provém dos manifestantes profissionais e dos activistas políticos ditos de esquerda, naturalmente, mas também de muita gente que considera a NATO um instrumento dos desígnios do "imperialismo ocidental" capitaneado pelos Estado Unidos. E há igualmente os que protestam pelo facto de reuniões deste tipo, que exigem rigorosíssimas medidas de segurançaprejudicarem largamente a vida quotidiana dos cidadãos. 

Por isso, seria desejável que estes conclaves tivessem lugar em regiões desérticas (ou na Antártida) a fim de não alterarem significativamente o dia a dia das pessoas normais e também porque, dispensando tão ostensiva panóplia securitária, os tornaria menos dispendiosos.

Realizar esta cimeira em Lisboa, no centro da cidade, com um pais à beira da falência, é coisa de doidos. É certo que o local estava escolhido há largo tempo, mas já nessa ocasião a situação económica aconselhava alguma moderação relativamente a tais eventos.

Afirmam alguns que estas reuniões magnas prestigiam o país. Mas também há opiniões exactamente opostas.

Foi a NATO criada em 1949, sob a égide americana, para "proteger" a Europa Ocidental do "perigo comunista". Em 1955, a União Soviética promoveu o Pacto de Varsóvia, como contraponto. Desmoronada a URSS, caído o Muro de Berlim, dissolvido o Pacto de Varsóvia e transformadas as "democracias populares" em aliadas do Ocidente (e membros da própria NATO), deixa de fazer sentido a existência da Aliança Atlântica. Aliás, e ainda antes destes acontecimentos, o general De Gaulle, em 1966, retirara a França da estrutura militar da NATO, a que só regressou em 2009 pelas mãos de Nicolas Sarkozy.

O bombardeamento da Jugoslávia, em 1999 (por exigência da sinistra Albright) constituiu um triste episódio da história da Aliança, que pretende agora alargar a sua influência a todo o mundo, actualizando o seu conceito estratégico para poder actuar (na prática já podia) "legalmente" nas mais remotas paragens, sempre que os seus próceres considerarem que existe uma ameaça, real ou virtual, contra os países que a compõem.

Nesta reunião, a NATO vai procurar obter o apoio da Rússia (outrora inimiga) contra o terrorismo internacional. O terrorismo é um flagelo (todos o sabemos) mas mais do que por causas políticas ou religiosas é provocado pelas desigualdades sociais que são cada vez mais gritantes no planeta que habitamos. Também se dedicará, diz-se, ao ambiente e à pirataria informática.

Aguardemos, pois. Nisto, como em tudo, importa ter presente a máxima evangélica: "Pelos frutos os conhecereis".

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O GOVERNO MUNDIAL


Em 1903 foi publicado na Rússia um texto intitulado Os Protocolos dos Sábios de Sião, que teve então sucessivas edições e foi depois traduzido em várias línguas e amplamente divulgado. Segundo esse documento, existiria uma conspiração sionista internacional com o objectivo de controlar sucessivamente a economia e a imprensa e de criar finalmente um governo mundial composto por judeus. O próprio Henry Ford incluiu o texto no seu livro The International Jew, editado nos Estados Unidos em 1920.


As comunidades judaicas consideraram que se tratava de um texto falso forjado pela polícia czarista, mas a controvérsia instalou-se e o documento tem sido objecto das mais vivas discussões e até de processos célebres como o de Berna, em 1934. Adolfo Hitler não deixou de o mencionar em Mein Kampf e em 2002 a televisão egípcia produziu uma série inspirada nessa obra que foi difundida em todo o mundo árabe.

Não se trata aqui de analisar o conteúdo dos Protocolos nem de discutir a sua autenticidade. O que importa é verificar que se assiste, de facto, à progressiva instalação de um governo mundial, independentemente dos seus membros serem ou não judeus.

A recente reunião do G20, em Seul e a próxima cimeira da NATO, em Lisboa, mais não são do que formas disfarçadas, ou não tanto, de alguns países (ou algumas pessoas ou interesses) controlarem todo o mundo. E é isto que deverá merecer a nossa atenção.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

OUTRO ATENTADO?

O ministro alemão do Interior anunciou hoje estar previsto um novo atentado na Alemanha nos próximos dias, provocado por terroristas islâmicos. O que motivou um reforço da segurança no país.

Curiosamente, estas declarações têm lugar nas vésperas de mais uma cimeira da NATO.

O que faz correr Thomas de Maiziere? Parece que o ministro até dispõe de alguns pormenores quanto à realização dessa acção terrorista.

Começa a haver muita gente que se interroga sobre a natureza e a oportunidade destes anúncios de atentados e até sobre os ditos, quando eles realmente têm lugar. Não é caso para menos.

NEM SALAZAR...
























 Nem Salazar, em cerca de 40 anos de governo autoritário, foi tão odiado pelos portugueses como José Sócrates. Não é difícil perceber porquê.

INTERRUPÇÃO (II)

Após a interrupção de alguns dias por motivos técnicos (os computadores também se avariam), o blogue retoma hoje a sua actividade.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

NÃO TÊM VERGONHA


O casal McCann veio pedir em Lisboa a reabertura do processo Maddie 

 
Kate e Gerry McCann estão a fazer circular uma petição com a qual pretendem levar os governos inglês e português a rever o caso Maddie. Até agora, já conseguiram 31 mil assinaturas e pretendem chegar às 100 mil. Na conferência que deram hoje à tarde, em Lisboa, Kate e Gerry garantiram que não pretendem baixar os braços e que existem informações importantes, às quais não tiveram acesso, na posse das autoridades inglesas e portuguesas. 

Ler mais aqui.
 

A OUTRA HISTÓRIA DO MUNDO


Acabou de ser traduzido para francês o notável livro do antropólogo britânico Sir Jack Goody (n. 1919), professor da Universidade de Cambridge e membro da Academia Britânica, The Theft of History (2007), com o título Le Vol de l'histoire: Comment l'Europe a imposé le récit de son passé au reste du monde.


A propósito da edição francesa, o autor concedeu uma entrevista, que importa consultar, ao Nouvel Observateur desta semana (nº 2400). Não sendo possível aceder ao site com o texto, transcrevemos algumas passagens da mesma, que traduzimos para português:

«Foi só a partir do Renascimento que se impôs uma tradição nova com os progressos da ciência, e nas artes com a emergência da pintura clássica e dos temas herdados da Antiguidade. Durante esse tempo, e até ao fim do séc. XVIII, a China vendia a sua seda e as suas porcelanas nos quatro cantos do mundo. A prosperidade económica que a China actualmente conhece não tem nada de novo: o seu declínio no séc. XIX foi parcialmente compensado pelo impulso no fim do séc. XX. Esta "história pendular" é ignorada pelos historiadores europeus que preferem afirmar uma superioridade ininterrupta do seu modelo cultural da Antiguidade aos nossos dias, apesar de termos conhecido uma passagem a um vazio cultural profundo, o que conferiu ao Oriente uma superioridade que não foi posta em causa até ao Renascimento, quando regressámos ao modelo antigo com a ajuda dos árabes que tinham traduzido e preservado todos os textos em que estavam consignados o saber e a cultura da idade clássica.»


«A democracia e a consulta popular eram frequentes em numerosas sociedades antigas. A Grécia não foi um caso isolado. O Ocidente apropriou-se dos ideais de liberdade e de individualismo, que se encontram contudo em outros lados sob formas ligeiramente diferentes. Sobrestimámos a nossa singularidade, como o demonstra o que se passa actualmente no mundo. As sociedades primitivas consultavam muitas vezes o povo quando era preciso tomar uma decisão importante. ... A nível local, quer se tratasse de uma aldeia ou de uma cidade, as sociedades pretensamente despóticas da Ásia funcionavam muitas vezes de forma "democrática". ... O Ocidente tem tendência a considerar que a democracia faz parte da herança grega. ... »

«Os conceitos de renascimento e de renovação estão presentes em numerosas sociedades evoluídas... O Ocidente é devedor de todas essas culturas do escrito em graus diversos, seja do Islão  pela transmissão e aperfeiçoamento do saber dos gregos, seja da Índia pelas matemáticas e pelo nosso sistema numérico (onde estariam as matemáticas sem ele) , seja da China pelo seu contributo tecnológico e científico (a pólvora para canhão, a imprensa, o papel, a porcelana, o ferro). Estas contribuições maiores foram muitas vezes ignoradas pelos pensadores ocidentais, que consideraram que a troca se realizou em sentido inverso e em sentido único. »

NOTA: O livro está também publicado em tradução brasileira

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A DÍVIDA INTERMINÁVEL

A insistência com que se tem falado nas últimas semanas na dívida pública portuguesa e na possível intervenção do Fundo Monetário Internacional talvez não seja inocente. Sabemos todos que a repetição, até á exaustão, de alguma coisa, mesmo que seja mentira, acabará por torná-la verdade.

Reflecte-se aqui sobre o problema e a responsabilidade da triste situação a que chegámos. Mas como já afirmei neste blogue, a ninguém será pedida a responsabilidade deste estado de coisas.

É a vida.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O PROCESSO INTERMINÁVEL


Segundo o que se encontra aqui descrito, o processo Casa Pia poderá ter de ser repetido, pelo menos parcialmente, dado não se terem cumprido os requisito essenciais à boa administração da justiça. Decorrida quase uma década sobre o início deste processo e julgamento, que se efectuou primeiro na comunicação social e só depois nos tribunais, interrogo-me sobre o que pensarão os portugueses da Justiça do seu país.

JACINTO SIMÕES


Faleceu ontem o médico Jacinto Simões, antigo professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e antigo director do Hospital de Santa Cruz (Carnaxide). Homem de tertúlias, recebeu semanalmente na sua casa de Linda-a-Velha, durante anos, muitas das principais figuras intelectuais e artísticas do nosso país.

Especialista em nefrologia, ramo em que se doutorou, Jacinto Simões foi também um destacado membro do Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa.

MICHEL HOUELLEBECQ


Michel Houellebecq (n. 1958) ganhou finalmente este ano o Prémio Goncourt. A presidente da Académie Goncourt, Edmonde Charles-Roux, já o deixara entrever há duas semanas e o Nouvel Observateur da passada quinta-feira dava-o como certo.

Autor de uma dúzia de obras, entre romances, poesia e ensaio, li dele Les particules élémentaires (1998) e Plateforme (2001), de que gostei moderadamente. O seu último romance, La Carte et le territoire, que foi publicado em Setembro passado, obteve agora o mais alto galardão literário francês.

domingo, 7 de novembro de 2010

SHIRLEY VERRETT



Morreu anteontem, com 79 anos,  a cantora Shirley Verrett, uma das glórias da ópera do século passado. E com a sua morte é também mais um bocado do nosso passado que desaparece.

Neste vídeo interpretando Lady Macbeth, no Scala de Milão, em 1975.

O FIM DA DEMOCRACIA


O professor e diplomata Jean-Marie Guéhenno, que foi subsecretário-geral das Nações Unidas de 2000 a 2008, publicou em 1993 um interessante livro, La Fin de la Démocratie, que importa revisitar.

Começa o autor por se interrogar se a democracia sobreviverá ao ano 2000. Afirma Guéhenno que a queda do muro de Berlim marcou o fim de uma época, que os "optimistas" pretendem ter começado em 1945 e que os "pessimistas" sustentam ter-se iniciado em 1917. Defende o autor a tese de que essa época começou em 1789 e que 1989 pôs um termo à era dos Estados-nações.

«Os cidadãos nostálgicos da República Romana moribunda apelavam, não sem grandeza, à virtude dos tempos antigos. As nossas lamentações de hoje não travarão mais do que as suas a marcha para um novo império. 1989 marca com efeito o crepúsculo de uma longa época histórica, de que o Estado-nação, progressivamente aparecido sobre as ruínas do Império Romano, foi a coroação. Esta forma política, muito mais europeia do que a ideia de império, foi, nos dois últimos séculos, imposta ao mundo, e nós tomámos por um resultado necessário o que não foi talvez mais do que o resultado precário de uma rara conjunção histórica, ligada a circunstâncias particulares e que poderia desaparecer com elas. Chamamos a era que chega de "imperial" em primeiro lugar porque sucede ao Estado-nação como o Império Romano sucedeu á República Romana: a sociedade dos homens tornou-se demasiado vasta para formar um corpo político. Os cidadãos formam cada vez menos um conjunto capaz de exprimir uma soberania colectiva; são apenas sujeitos jurídicos, titulares de direitos e submetidos a obrigações, num espaço abstracto com fronteiras territoriais cada vez mais indecisas.

Esta era pode ser qualificada de imperial também por uma segunda razão: a ideia de império não é exclusiva da Europa, e não está portanto prisioneira da nossa tradição política. Corresponde a uma nova época, em que a definição europeia da política será relativizada pelo sucesso do mundo asiático; descreve um mundo simultaneamente unificado e privado de centro. A existência de um centro reclama uma organização piramidal do poder que já não corresponde ao nosso mundo complicado. Entrámos na era da complexidade, sem saber se essa complexidade seria um progresso ou um handicap.»

Muita água correu sob as pontes desde 1993, mas este livro não só antecipa acontecimentos que vieram a verificar-se posteriormente como mantém ainda grande actualidade.

sábado, 6 de novembro de 2010

O ÓDIO À DEMOCRACIA


Nestes tempos de discussão sobre as virtudes da democracia é útil reler o livro que o filósofo Jacques Rancière, professor emérito da Universidade de Paris, publicou há cinco anos.

Diz Rancière que o «ódio à democracia não é uma novidade, é tão velho quanto ela, pela simples razão de que a própria palavra é uma expressão de ódio. Antes de tudo, foi um insulto inventado na Grécia antiga por aqueles que viam a ruína de toda a ordem legítima no inominável governo da multidão. E continuou um sinónimo de abominação para os que pensavam que o poder pertencia legitimamente aos que a ele estavam destinados pelo nascimento ou eram chamados pelas suas competências. E ainda o é hoje pelos que fazem da lei divina revelada o único fundamento legítimo da organização das comunidades humanas.»

Acrescenta o filósofo que o novo ódio à democracia não decorre dos modelos referidos já que os seus arautos habitam todos em países que se declaram não apenas Estados democráticos mas democracias "tout court". Não lhes interessa a mecânica das instituições que apaixonava os contemporãneos de Montesquieu, Madison ou Tocqueville. «A democracia para eles não é uma forma de governo corrompida, é uma crise de civilização que afecta a sociedade e o Estado através dela.» ... «Fomos habituados a ouvir que a democracia era o pior dos governos à excepção de todos os outros. Mas o novo sentimento antidemocrático dá da fórmula uma versão mais perturbadora. O governo democrático é mau quando se deixa corromper pela sociedade democrática que quer que todos sejam iguais  e todas as diferenças respeitadas.»...«O novo ódio á democracia pode então resumir-se numa simples tese: há apenas uma boa democracia, a que reprime a catástrofe da civilização democrática.»

Ao longo de 100 páginas, Jacques Rancière desenvolve a sua tese, com a erudição que o caracteriza. Como não é possível sintetizar aqui o seu pensamento, concluiremos com mais uma pequena transcrição: «A democracia, diz-nos Platão no Livro VIII (562d-563d) da República, é um regime político que não o é. Não tem uma constituição por que as tem todas. É um bazar de constituições, um hábito de arlequim como gostam os homens para os quais o consumo dos prazeres e dos direitos é o grande negócio. Mas ela não é apenas o reino dos indivíduos fazendo tudo á sua maneira. É propriamente a inversão de todas as relações que estruturam a sociedade humana: os governantes têm o ar de governados e os governados de governantes; as mulheres são iguais aos homens; o pai habitua-se a tratar o filho como igual; o meteco e o estrangeiro tornam-se iguais ao cidadão; o professor receia e lisonjeia os alunos que, por sua vez, zombam dele; os jovens igualam-se aos velhos e os velhos imitam os jovens; os próprios animais são livres e os cavalos e os burros, conscientes da sua liberdade e da sua dignidade, atropelam na rua os que não lhes cedem a passagem.»

Com este livro provocador, Rancière não pretende extinguir a democracia mas fazer-nos reflectir sobre o estado da sociedade contemporânea. Vale a pena lê-lo.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O REGIME (II)

 

"Este regime chegou ao fim", escreve hoje Vasco Pulido Valente no PÚBLICO. Já aqui o tinha dito no passado dia 28. Importa encontrar rapidamente as alternativas políticas mais convenientes a fim de se evitar o colapso da Nação.

UM ASSUNTO DE FAMÍLIA (III)


Prossegue em França a saga L'Oréal. Françoise Bettencourt Meyers, filha de Liliane Bettencourt, essa dama muito "vieille France" que é a mulher mais rica do hexágono, acusa os que se aproveitaram da fraqueza da mãe para obterem avultados proventos. E, numa mesma semana, já pediu por três vezes a interdição da velha senhora de 88 anos.

Dadas as repercussões também políticas do caso, como referimos em posts anteriores, no Eliseu consideram já a filha como responsável de um conflito sem precedentes na magistratura francesa. O perfil desta estranha filha de 57 anos, casada com o neto de um rabino morto em Auschwitz, a sua aversão a François-Marie Banier, esse fotógrafo e romancista, íntimo de Dali, Cocteau, Aragon (et j'en passe), que pretendia ser adoptado por madame Liliane, os seus comportamentos estranhos para a sociedade em que vive, catapultaram-na para as primeiras páginas dos jornais.

Hoje, é Liliane Bettencourt quem acusa a filha de "violências morais" e que ameaça "revogar algumas doações". Ela poderia desalojar a filha e o genro do conselho de administração de L'Oréal e ceder uma parte das acções a um dos netos, Jean-Victor, de 24 anos, a fim de que este sucedesse a seu pai em 2012.

No meio deste furacão encontra-se o presidente Nicolas Sarkozy e o seu  ministro do Trabalho Éric Woerth, bem como juízes, procuradores, advogados e também psiquiatras e psicólogos que procuram explicar a difícil relação entre a mãe e a filha.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

UMA REVOLUÇÃO MASCARADA



O sociólogo Willy Pelletier co-dirigiu com Laurent Bonelli uma obra recentemente publicada com o título L'État démantelé. Enquête sur une contre-révolution silencieuse. Diz Pelletier, em entrevista ao Nouvel Observateur (Nº 2399) que está em marcha uma revolução mascarada, silenciosa, visando desmantelar o Estado através das políticas de Revisão geral das Políticas Públicas, as famosas RGPP, iniciada imediatamente após a eleição de Nicolas Sarkozy. O discurso do presidente da República girando em volta do tema "Menos Estado, melhor Estado" (onde é que já ouvimos isto???) e os ziguezagues presidenciais só o são na aparência. Existe uma vontade firme, organizada, sistemática de depauperar o Estado praticando a política de esvaziamento dos cofres. Lá (como cá) vivemos um paradoxo formidável: com a crise, o Estado salva os bancos, endividando-se a si mesmo.

Este desmantelamento deliberado do Estado-Providência provoca um progressivo mal-estar social que se reflecte em todos os domínios: escola, exército, polícia, hospitais, justiça. O perigo é que um Estado vendido às fatias aos privados torna-se um Estado encarregado de organizar a insegurança social para preservar os interesses dos poderosos. A razão de Estado como serviço universal do público está em vias de desaparecer. Os funcionários possuídos por uma certa ideia do interesse geral já não se encontram. A noção de serviço desaparece em proveito da de desempenho. É o que Paul Virilio chama o estabelecimento de um sistema de individualismo de massa.

Conclui Willy Pelletier, nesta lúcida entrevista à revista francesa, que cabe à Esquerda refabricar o Estado sobre um modelo mais eficaz e solidário.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

OS PACOTES ARMADILHADOS


Estão as embaixadas estrangeiras em Atenas a receber encomendas postais real ou supostamente armadilhadas, uma das quais já explodiu ao ser aberta. Foi também enviada para a embaixada de França uma embalagem destinada a Nicolas Sarkozy, o que não deixa de provocar algum sorriso, como se o presidente francês fosse ele mesmo abrir um pacote proveniente da representação diplomática em Atenas.

Existe igualmente algum alvoroço internacional devido a presumíveis peças desmontáveis para fabrico de bombas que parece não terem sido detectadas em pelo menos dois aeroportos, que se destinavam aos Estados Unidos e que seriam provenientes do Dubai.

Estes movimentos costumam ocorrer em determinados períodos, muitas vezes não devidamente analisados, e nunca são gratuitos em termos gerais, embora possam provocar estragos em termos particulares.

Acontece, todavia, que estas actividades, ditas terroristas, servem muitas vezes interesses que nada têm a ver com o propósito imediato que as motiva.

Nunca vi o completo e inequívoco esclarecimento dos ataques ocorridos em New York e Washington em 11 de Setembro. Mas sei que serviram de pretexto para os americanos invadirem o Afeganistão e o Iraque. Também toda a gente sabe que tendo sido o presidente De Gaulle alvo de um atentado em França, posteriormente François Mitterrand encomendou para si mesmo um atentado para não ficar inferiozado perante o general.

Há demasiadas coincidências na vida política internacional - e isto não é teoria da conspiração mas uma elementar análise dos factos - para suscitar as maiores interrogações sobre os motivos de determinados actos. Como nos romances policiais: a quem aproveita o crime?

terça-feira, 2 de novembro de 2010

CARLOS AMADO


O escultor Carlos Amado, professor jubilado da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, faleceu ontem subitamente num hotel da Ericeira, onde comemorava o seu 74º aniversário.

Especialista em museologia, ocasionalmente cenógrafo, animador cultural em permanência, reunia Carlos Amado desde há anos no seu atelier numerosas personalidades da vida artística e literária do país, numa tertúlia a que chamou Laboratório de Cultura. Aí se realizaram sessões de poesia, de música, de dança, de projecção de filmes, mas sobretudo de convívio cultural.

Com a sua morte, extinto que foi há anos o célebre Botequim, de Natália Correia, desaparece agora o último espaço privado lisboeta de confraternização, discussão e criação cultural da cidade.

Ao registarmos o óbito de uma figura singular do universo artístico português, assinalamos também que o seu desaparecimento é mais uma contribuição para o progressivo desmoronar do antiquíssimo edifício de convivência cultural de uma Lisboa agonizante.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

OS PENSIONISTAS MILIONÁRIOS

Se fosse só o Cavaco, como se diz  aqui. Mas são às centenas e se um não tem grande significado na redução da despesa, como muitos costumam invocar, algumas centenas já têm. É como o caso dos automóveis, mais um não representa um aumento substancial, mas se forem uns milhares então já são uns milhões de euros. Pois é.

SEQUESTRO EM BAGDAD


Os iraquianos, mais de uma centena, que ontem assistiam à missa na igreja de Nossa Senhora da Salvação (Sayyidat al-Najat), em Bagdad, foram ontem sequestrados por um grupo de indivíduos supostamente ligados à Al-Qaeda. Os atacantes exigiam a libertação de presos detidos no Egipto e no próprio Iraque, segundo afirmou Shlemon Warduni, bispo auxiliar do Patriarcado de Babilónia da Igreja Católica Caldaica.

A operação de resgate, levada a cabo por forças iraquianas com a participação norte-americana,  saldou-se por um banho de sangue, tendo morrido cerca de 30 pessoas e ficado feridas outras 30, entre os fiéis, os sequestradores e as forças de segurança.

A situação dos cristãos do Oriente vem sendo amplamente discutida nos últimos tempos. A Santa Sé informou que dos 800 mil cristãos existentes no Iraque antes da invasão anglo-americana de 2003, não restam hoje mais de 550 mil. De facto, existia no país uma verdadeira liberdade religiosa no tempo de Saddam Hussein, que garantia o exercício dos vários cultos cristãos, tal como ainda hoje se verifica na Síria ou no Líbano, ou mesmo no Irão.