quarta-feira, 1 de setembro de 2010

UM ASSUNTO DE FAMÍLIA (II)

Liliane Bettencourt

Enquanto a indigente comunicação social portuguesa continua mergulhada nos fait-divers da politiquice interna, ignorando o que se passa além-fronteiras (à excepção dos grandes cataclismos), a França vive apaixonadamente o caso Bettencourt-Banier. Já aqui nos referimos duas vezes ao assunto (15 de Julho e 29 de Agosto), e voltamos hoje novamente a mencioná-lo, a propósito do artigo publicado no Nouvel Observateur desta semana (Nº 2390). Ver http://hebdo.nouvelobs.com/sommaire/notre-epoque/100211/le-phalanstere-de-francois-marie-banier.html

François-Marie Banier

Liliane Bettencourt, uma senhora de 87 anos, muito "vieille France", proprietária do império L'Oréal, viúva de um ministro de Mendès-France e de De Gaulle, frequentadora de Pompidou, Giscard, Mitterrand, Chirac e Sarkozy, íntima de escritores e artistas, mulher de inexcedível bom gosto, e também possuidora da segunda fortuna de França, está acusada por sua filha única de delapidar a fortuna a favor do escritor, fotógrafo e pintor François-Marie Banier, e seus amigos, e também de contribuir ilegitimamente para as campanhas políticas de Nicolas Sarkozy e de fuga aos impostos com a cumplicidade do governo. O caso rebentou em 2009, através de escutas clandestinas efectuadas pelo seu mordomo na sumptuosa residência de Neuilly.


Rua Servandoni

Este "folhetim" tem sido seguido com o maior interesse pela opinião pública francesa, não só pelos contornos políticos que afectam a imagem do presidente da República e do seu governo, mas igualmente pelos benefícios que Banier, de 63 anos, figura controversa mas irresistivelmente sedutora, recebeu até hoje da velha senhora, avaliados em mil milhões de euros. Banier, que começou a sua "carreira" aos 15 anos, e que terá sido íntimo de Salvador Dali, Jean Cocteau, Louis Aragon, Pierre Cardin, Yves Saint-Laurent e outras personalidades, instalou-se em 1968 num apartamento da rua Servandoni, entre o jardim do Luxembourg e a praça de Saint-Sulpice, adquirindo progressivamente todo o imóvel. Vivia na altura com o seu companheiro, o famoso decorador Jacques Grange, de quem se separaria anos mais tarde.

Pascal Greggory

Em 1974, instala-se no apartamento (o nº 18 desta rua estreita, mas famosa, onde viveram, por exemplo, Roland Barthes e Lionel Jospin), o seu novo companheiro, o actor Pascal Greggory, que hoje habita um apartamento contíguo. É que, e a vida tem destas coisas, Greggory apresentou a Banier, em 1991, o seu sobrinho Martin d'Orgeval, que acabava de completar  18 anos. Foi o coup de foudre. Martin substitui o tio em casa de Banier, e estão ligados por um PACS (união de facto em França) desde 2007. Liliane Bettencourt, que é uma frequentadora da rua Servandoni, como Banier e os amigos o são da sua residência de Neuilly, considera já Martin como um neto.

Martin d'Orgeval

Dados os intervenientes, o caso Bettencourt tem todos os ingredientes para um livro ou um filme, que decerto não faltarão. Como escreve o articulista do N.O., em casa dos Banier tudo se mistura: negócios e vida de salão, sedes sociais e quartos de dormir, interesses e amizades, paixões e amores defuntos.

Aguardam-se os próximos episódios.

Adenda: Refira-se, por curiosidade, que Servandoni (que dá o nome à rua habitada por Banier) foi um arquitecto franco-italiano a quem se deve, por encomenda de D. João V, o Convento da Congregação do Oratório que, tendo escapado á destruição do terramoto de 1755, e após modificações, é hoje o Palácio das Necessidades, onde está instalado o ministério dos Negócios Estrangeiros.

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