sábado, 30 de novembro de 2024

OS FALSOS D. SEBASTIÃO

O conselheiro de embaixada Miguel D'Antas, então em serviço em França, publicou em Paris, em 1866, Les Faux D. Sébastien: études sur l'Histoire du Portugal, que viria a ser editado em português, sem data, (presumivelmente em 1985, data em que o adquiri), com o título Os Falsos D. Sebastião, com introdução e notas de Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Antes de entrarmos no livro propriamente dito, importa referir a Introdução, que se debruça sobre: I - a "Mitogenia", com a trilogia Condicionalismo Sebástico/ Raiz e Formas do Sebastianismo/Anatomia de um Mito, e II - a "História", considerando a Questão Sebástica e o Valor Historiográfico da Obra.

Na primeira subdivisão da Primeira Parte, Sales Loureiro faz uma rápida incursão no reinado de D. Sebastião. 

Na segunda, debruça-se sobre os cultores literários do Sebastianismo (tema que desenvolveremos oportunamente, a propósito de livros específicos), falando do Padre António Vieira, de Oliveira Martins, de Lúcio de Azevedo, de Afonso Lopes Vieira, de Almeida Garrett ou de Guerra Junqueira, Jaime Cortesão, António Sardinha, Teixeira de Pascoaes, Mário Beirão, Fernando Pessoa, Miguel Torga, Augusto Ferreira Gomes, Tomás Ribeiro Colaço, Metzner Leone, Aquilino Ribeiro, Carlos Malheiro Dias, Machado Pires, Queiroz Velloso, António Quadros, José Régio, Natália Correia, e tantos mais.

Já o Padre António Vieira, conduzido pelo messianismo-sebastianista, escrevera na História do Futuro que aos Impérios Assírio-Babilónico, Persa, Grego e Romano sucederia naturalmente o Quinto Império (cristão e universal) português.

E o anti-Sebastianismo não é senão a outra face do Sebastianismo, como anotou Miguel de Unamuno, marcando o contraste que nos diferencia dos espanhóis:

«Los españoles, en el fondo, creemos menos en los milagros, ni aun en los de la ciência. Y no es por escépticos; es porque aun tenemos alguna más fé en nosotros mismos. No esperamos en la vuelta de ningún Sebastián. El futuro Mesías ha de salir de un laboratório, me decia una vez Guerra Junqueiro. No es esto sebastianismo cientificista?» (Por Tierras de Portugal y España, 1930)

Na terceira, trata da existência de uma mitografia nacional. Fala das Trovas, do milagre de Ourique, do Quinto Império e da ressurgência do mito em períodos de crise. 

Na Segunda Parte, a "História", escreve primeiro sobre a Questão Sebástica e depois sobre o Valor Historiográfico da Obra.

Na Questão Sebástica, recorda a perda de possessões portuguesas no Norte de África, um certo abatimento nacional depois do período dos Descobrimentos, da esperança no nascimento de D. Sebastião e do clima que se criou depois da derrota de Alcácer-Quibir. O Desejado aparece-nos na História com a característica de um proto-Sebastianismo. O seu desaparecimento fez nascer no fundo místico do Povo a ideia do Encoberto - mito que tomou forma mais precisa quando em 1580 Portugal perdeu a independência.

Quanto ao Valor Historiográfico da Obra, Sales Loureiro refere que o trabalho de Miguel D'Antas obedeceu às melhores regras da mais avançada historiografia (pelo menos, naquela data). A obra está dividida em cinco Livros.

No Primeiro Livro é tratado o Reinado de D. Sebastião, a Expedição a África e a Morte do Rei;

O Segundo Livro debruça-se sobre a Dominação Espanhola em Portugal e os Primeiros Impostores;

Refere-se o Terceiro Livro a Gabriel de Espinosa, o Pasteleiro do Madrigal;

O Quarto Livro é sobre Marco Túlio (Veneza e Florença);

No Quinto Livro prossegue o estudo sobre Marco Túlio (Nápoles e San-Lucas de Barrameda) [Ignoro a razão porque o autor usou a grafia San-Lucas de Barrameda já que o local é designado por Sanlúcar de Barrameda].

Passamos a referir os sumários dos capítulos:

LIVRO PRIMEIRO

Capítulo I: Nascimento de D. Sebastião - Regência de Catarina de Áustria. Influência dos cortesãos sobre o carácter do jovem Rei. O Cardeal D. Henrique. Sua Regência. Qualidades e defeitos de D. Sebastião. Os seus sonhos de regeneração social, as suas ideias belicosas e os seus projectos de conquista em África. O carácter arbitrário do seu governo. Primeira expedição em África. Desembarque em Tânger. Regresso a Lisboa. Reflexão sobre um plano de invasão em África. Este projecto torna-se um ideia fixa. Estado de Portugal sob o seu reinado. Leis sumptuárias. Causas principais da decadência do país.

Capítulo II: D. Sebastião toma a resolução de fazer uma grande expedição a África. Motivo desta determinação. Estado político de Marrocos nesta época. O Xerife Mulei Mulei-Ben-Abdalá faz apelo a D. Sebastião. O rei rejeita obstinadamente todas as objecções ao seu projecto  de expedição. Dirige-se ao rei católico para obter a sua ajuda. Filipe II promete-lhe, mas com restrições. Entrevista dos dois reis em Guadalupe. Promessas sob certas condições do rei de Espanha. Ele aceita-as. Apreciação da conduta de Filipe II neste assunto.

Capítulo III: Preparativos da expedição. Pormenores da sua composição. Meios empregues para criar recursos. Entusiasmo do Xerife Mulei-Ahmed. Partida da expedição.

Capítulo IV: Chegada da frota a Tânger e Arzila. Permanência do exército em Arzila. Conselho de guerra. Decidem avançar sobre Alcácer-Quibir. Dificuldades e perigos da marcha. Chegada a Alcácer-Quibir. Razões que terão comprometido o rei a retardar o combate.

Capítulo V: Situação dos dois exércitos. A sua força numérica. Pormenores estratégicos. A luta desenrola-se Batalha de Alcácer-Quibir. Erros de D. Sebastião. Coragem inútil. Derrota do exército cristão. Morte de Mulei-Ahmed-ben-Abdalá e de Abd-el-Melek. Apreciação das perdas de cristãos e marroquinos. Versões sobre o fim do rei D. Sebastião.  

Capítulo VI: Mulei-Ahmed Mohamed é aclamado imperador de Marrocos. Pormenores que lhe são atribuídos sobre a morte de D. Sebastião, pelos prisioneiros portugueses. O cadáver do rei é levado diante do xerife e reconhecido por vários fidalgos portugueses. Apreciação do seu testemunho. O corpo do rei é enterrado em Alcácer-Quibir. Belchior d'Amaral envia ao Cardeal D. Henrique um relatório dos acontecimentos. Efeito produzido em Portugal pela notícia da derrota de Alcácer-Quibir. Começam os boatos contraditórios sobre a morte do rei. As classes populares não acreditam. Origens e causas dessa incredulidade.

LIVRO SEGUNDO

Capítulo I:  Descontentamento dos portugueses depois da anexação a Espanha. Convocação das Cortes em Tomar. Restrições alegadas pela amnistia. Papel do Embaixador de França junto de Filipe II. Aconselha Henrique III a vir em auxílio do Prior do Crato. Catarina de Bragança. Nobreza do seu carácter. Convocação das Cortes em Lisboa. Filipe II regressa a Espanha. O Cardeal-Arquiduque Alberto, Governador de Portugal. Disposição moral do povo português. A ideia que D. Sebastião podia ter sobrevivido à derrota de Alcácer-Quibir ocasionada em consequência do descontentamento da nação

[Transcrevo da página 80: «Na primeira fila de portugueses descontentes figurava o próprio Duque de Bragança. Este grande Senhor, não tinha sabido ou ousado fazer prevalecer os direitos incontestáveis que tinha à coroa de Portugal, figurava entre os aderentes de Espanha. Mas esta adesão, por importante que fosse, só teve como recompensa o cargo de condestável que o duque tinha solicitado antes, em vão, a D. Henrique e o colar do Tosão de Ouro, bem aquém das promessas que Filipe II lhe tinha feito, para obter a sua desistência da pretensão ao trono. Tratava-se, com efeito, de lhe ceder o Brasil com o título de Rei, de lhe conceder o grau perpétuo de grão mestre da Ordem de Cristo e de casar o príncipe D. Diogo com uma das suas filhas. Parecia simples que o cargo de condestável e o colar do Tosão de Ouro fossem considerados sem proporção adequada em relação ao que tinha concedido e ao que lhe haviam prometido. Se a duquesa, sua mulher, tivesse a elevação de carácter e a energia para vencer, graças às quais D. Luiza de Gusmão pôde em 1640, colocar uma coroa na cabeça do marido, certamente que o começo da dinastia de Bragança teria começado sessenta anos mais cedo.»]

Capítulo II: O impostor conhecido pelo nome de rei de Penamacor. O seu nascimento, peregrinações e estado. Entra num convento e sai para se tornar eremita. A sua influência sobre algumas pessoas devotas. Começa-se a dizer que pode ser o rei. Este boato propaga-se sobretudo nas zonas rurais. O eremita desempenha o papel do rei D. Sebastião. Funda o seu quartel general em Penamacor. Cúmplices. Meios empregues na fraude. Detenção do falso rei. É conduzido a Lisboa. O seu processo. É condenado às galés. Evade-se em França.

Capítulo III: Mateus Álvares, o impostor conhecido como rei da Ericeira. A intriga apresenta-se mais ou menos com a mesma forma que a precedente. Algumas pessoas notáveis ligam-se a ele. Em breve numerosos adeptos proclamam-no rei D. Sebastião. Enviam um corregedor para prender os culpados. Depredações e crueldades cometidas pelos grupos do impostor. Pedro Afonso. Papel deste auxiliar. Organização da casa real do falso rei. A filha de Pedro Afonso coroada rainha. Missiva ao cardeal-arquiduque Alberto. Ericeira, quartel.general dos sebastianistas. Luta armada. O impostor e um grande número dos seus partidários são presos. Trazem-no para Lisboa. O seu processo e confissão. Plano que tinha feito. Sua condenação e execução. Suplícios na Ericeira. Rigores da repressão.

 LIVRO TERCEIRO

Capítulo I: Captura de um novo impostor, devido ao acaso. Gabriel de Espinosa, pasteleiro do Madrigal. A intriga de que ele é o centro, conduzida por um frade. Papel de Frei Miguel dos Santos. Sua detenção. Uma filha de D. João de Áustria implicada nesta intriga. Primeiros interrogatórios de Gabriel de Espinosa. Frei Miguel e D. Ana de Áustria. Personalidade desta princesa. Condições em que entrou no convento. Suas cartas a Espinosa. Conflito de jurisdição. O impostor é transferido para Medina del Campo.

Capítulo II: D. Juan de Llano, juiz apostólico interroga Dona Ana. A princesa escreve ao rei Filipe II, seu tio, e a Gabriel de Espinosa. Ela recusa-se a entrar em detalhes com o juiz. Encarrega-o de levar duas cartas para o rei e Espinosa. Depoimento do médico português Mendes Pacheco. Papel de Dona Ana de Áustria nesta intriga. Evidência da sua boa-fé. Influência funesta exercida sobre ela por Frei Miguel dos Santos. Narração tradicional de uma das suas primeiras conversas com Espinosa.

Capítulo III: Informações sobre Espinosa fornecidas por um cozinheiro do Conde de Nieba. Interrogatório de Roderos, um dos servidores de Dona Ana. Interrogatório de Frei Miguel. Encarrega a princesa com o fim de o desculpar a ele próprio. Promessa de casamento feita pelo pretenso rei a Dona Ana. Novos interrogatórios de Dona Ana e Espinosa. O impostor deixa escapar algumas confissões. Suas contradições. Reserva nas respostas, no que diz respeito à filha de D. João de Áustria. Carta anónima endereçada ao alcaide D. Rodrigo de Santillana.

Capítulo IV: Práticas de tortura em Espinosa e Frei Miguel. Espinosa é explícito nas confissões, excepto no que toca à identidade da sua pessoa. As confissões do padre comprometem várias pessoas estranhas ao grupo. Pretende estar combinado com o Prior do Crato. Opinião do Conde de Portalegre sobre o assunto. A amante de Espinosa é interrogada. Suas confissões. Boatos espalhados entre o povo a respeito do impostor. Prisão de dois indivíduos em Olmedo, suspeitos de serem cúmplices no assunto do Madrigal. Relações de um deles com António Peres. Pormenores.

Capítulo V: Conduta do juiz apostólico no convento de Madrigal. Ameaças de excomunhão. Carta de d. Ana ao rei. Queixas das religiosas. Carta do vigário do convento a D. Cristóvão de Moura. Significado do acto de acusação contra D. Ana. A princesa apresenta a sua defesa numa carta que escreve ao Rei. Detenção de um português portador de cartas de um pretenso filho de D. João de Áustria. Textos destas cartas. Falta de documentação para descobrir a identidade do autor.

Capítulo VI: Condenação de Dona Ana e de duas religiosas, suas confidentes. Ela pede clemência a seu tio. As suas cartas ao rei e à rainha. Filipe II mostra-se inflexível. Dona Ana é transferida para um mosteiro em Ávila. Condenação à morte de Espinosa. Sua atitude assim que tomou conhecimento da sentença. Sua execução. Considerações sobre o papel e identidade deste impostor. Continuação da instrução contra Frei Miguel. Retratação das suas precedentes confissões. Confrontação com dois portugueses presos em seguimento de declarações anteriores. Desgraduação e execução de Frei Miguel. Apreciações históricas.

LIVRO QUARTO

Capítulo I: Morte de D. António, Prior do Crato. Os emigrados portugueses em França. Pensam reunir-se ao governo espanhol. D. João de Castro. Os seus escritos a propósito da existência do rei D. Sebastião. Navio enviado para a Costa da Mina à procura do rei. Senhor de Chattes, governador de Dieppe. Suas relações com os emigrados portugueses. A paz concluída entre França e Espanha desencoraja a emigração portuguesa. Escrevem de Veneza que tinha aí chegado um indivíduo que se dizia ser o rei D. Sebastião. Os portugueses em Veneza. D. João de Castro faz eco da estranha notícia.

Capítulo II: Detalhes sobre a aparição existência do pretenso rei D. Sebastião em Veneza. O embaixador de Espanha lamenta os seus enredos. O pretenso rei é levado para a prisão, por ordem da Senhoria. As suas aventuras contadas por D. João de Castro. Dão a entender que estava em Paris. História a este propósito. Não fala português. Como se procura explicar esta circunstância.

Capítulo III: A Senhoria manda instruir o processo do aventureiro. Frei Crisóstomo, um dos confidentes. Despachos do Embaixador de França. Frei Estêvão chega a Veneza. Não lhe permitem ver o prisioneiro. Põe-se em ligação com o senhor Marco Quirini que o aconselha a dirigir-se a Portugal para procurar indícios que permitam conhecer a identidade do prisioneiro. Frei Estêvão volta a Veneza, acompanhado do cónego Rodrigues da Costa e relata a sinalética de D. Sebastião. Procuram em vão que a Senhoria se decida a examinar o pretenso rei. D. João de Castro chega a Veneza. 

Capítulo IV: A Senhoria de Veneza diz aos protectores do prisioneiro para arranjarem cartas de recomendação. O cónego Rodrigues da Costa e Frei Crisóstomo partem para Roma. Carta de um capuchinho português a Filipe III. Desentendimento entre D. João de Castro e Frei Estêvão. Cartas endereçadas por eles ao Padre José Teixeira. O emigrado português Diogo Botelho. Cartas de Henrique IV ao seu embaixador em Veneza, sobre o assunto do pretenso rei D. Sebastião. Rodrigo Marques e Diogo Manoel chegam a Veneza. Sebastião Figueira, portador das cartas dos Estados Gerais da Holanda, também aí chega. Carta endereçada pelo prisioneiro a Frei Estêvão e Frei Crisóstomo.

Capítulo V: Opiniões nos conselhos da Senhoria sobre o que se fazia do prisioneiro. O embaixador de Espanha insiste para que se tome uma resolução. Despachos do embaixador a Filipe III. Uma carta e versos do pretenso rei. Nuno da Costa, um dos seus partidários. Chegada a Veneza de D. Cristóvão , filho de D. António e de outros Portugueses. D. Cristóvão obtém uma audiência do doge. O prisioneiro recebe ordem de deixar os Estados da República. Sua entrevista com os Portugueses que se encontram em Veneza. Verificação insuficiente da sinalética e identidade do pretenso rei. Cartas que esclarecem este ponto. Detalhes sobre a entrevista com os Portugueses. Frei Estêvão e Frei Crisóstomo conduzem o pretenso rei ao convento onde estavam alojados. Decidem que ele irá na dianteira, na direcção de Florença e embarcará em Livorno para ir até França. Deixa Veneza acompanhado de Frei Crisóstomo. Descontentamento de d. João de Castro. Os Portugueses põem-se a caminho de Florença.

Capítulo VI: O pretenso rei e Frei Crisóstomo passaram por Pádua e chegam a Florença. São presos. Carta do embaixador de Espanha dando conta desta detenção. Medidas que tinha tomado para este efeito. Desapontamento dos Portugueses á sua chegada a Florença. Frei Crisóstomo é libertado. Intercedem junto do Grão-Duque em favor do prisioneiro. Insucesso das diligências. Separam-se. D. João de Castro volta a Paris. Os seus escritos e os do Padre Teixeira. Nuno da Costa abandona a causa do falso rei. Carta do embaixador de Espanha a este respeito. O Grão-Duque da Toscana envia o impostor para as autoridades espanholas de Orbitello. Conduzem-no a Nápoles, onde fica preso numa fortaleza. os venezianos parecem não aprovar o procedimento do Grão-Duque. Proposta atribuída a Henrique IV.

LIVRO QUINTO

Capítulo I: O vice-rei de Nápoles interroga o prisioneiro que sustenta ser o rei D. Sebastião. Confrontações. O impostor é forçado a confessar que é calabrês e que o seu verdadeiro nome é Marco Túlio Catazione. Meios que utilizou para mudar de identidade. Suposto envio de um mensageiro a Espanha e a Portugal. Cartas endereçadas por Marco Túlio sob o nome de D. Sebastião. Os partidários do impostor procuram demonstrar que o homem que tinha sido detido primeiro em Veneza e depois em Nápoles é o rei D. Sebastião e que Marco Túlio é o nome do mensageiro que foi enviado a Espanha e a Portugal. D. João de Castro relata à sua maneira o que se passou em Nápoles. Contradições na sua narrativa. Os partidários do impostor procuram encontrar meios para ele se evadir. Marco Túlio é julgado e condenado às galés perpetuamente. É posto a bordo. A frota de Nápoles parte para Espanha.

Capítulo II: Frei Estêvão continua a interessar-se pelo rei. Junta-se a Frei Boaventura de Santo António. Quem era este novo auxiliar. As suas diligências e dissabores. Frei Estêvão vem a Lisboa. Suas intrigas em Portugal. Vem a Sevilha e vai ver Marco Túlio a bordo da galera, que se encontrava no Porto de Santa Maria. Trata o impostor de rei. A sua correspondência com ele. Espécie de manifesto político formulado por este frade. Pensa num projecto de evasão. Carta curiosa a propósito de um chapéu pedido por Marco Túlio. Frei Estêvão pede ao falso rei para dar indicações precisas tendentes a acreditá-lo. Carta do cónego Tavares que se queixa de não receber as indicações pedidas. Frei Estêvão queixa-se a D. João de Castro. Compromete o pretenso rei a conceder diversos favores, quando da sua reabilitação.

Capítulo III: Frei Boaventura foge de um convento onde estava encarcerado e vem a Lisboa. Ocupa-se aí de assuntos do pretenso rei. Parte para Espanha e vai ver Marco Túlio a bordo da galera. Encarrega-se de levar para Portugal as cartas endereçadas pelo impostor a diversas personagens. Um frade capuchinho genovês que tinha ido ver Marco Túlio, encarrega-se de entregar uma carta deste à duquesa de Medina Sidónia. O capuchinho é preso. Visitam a galera e apoderam-se da correspondência de Marco Túlio. Este é encarcerado na prisão de San-Lucas de Barrameda [Como observei anteriormente o nome correcto é Sanlúcar]. Detenção de Frei Estêvão e outros cúmplices. Frei Boaventura chega a Portugal. É preso em Viana. Satisfação de Filipe III ao saber da prisão dos dois prelados. Cartas do rei a D. Cristóvão de Moura e ao duque de Medina Sidónia. Frei Boaventura chega como prisioneiro a San-Lucas. Começa o processo. O juiz laico e o juiz apostólico. Interrogatório de Marco Túlio. Sustenta que é o rei D. Sebastião e protesta contra as decisões do processo de Nápoles. Memorandum apresentado pelo impostor.

Capítulo IV: O processo dos dois prelados. Confissões de Frei Estêvão que protesta da sua boa-fé. Confrontação de Marco Túlio com um retrato de D. Sebastião. Hesitações de Frei Estêvão. Detalhes sobre os meios empregues por ele para favorecer a causa do impostor. Escreve um memorial a que chama a sua declaração testamentária. Confissões de Frei Boaventura e de outros cúmplices. Cristóvão de Moura não consegue apoderar-se dos principais partidários do impostor de Portugal. Cartas do vice-rei a Filipe III e ao Secretário de Estado D. Pedro Franquesa. Marco Túlio é torturado. Faz revelações que confirmam as confissões feitas precedentemente em Nápoles. Considerações sobre o carácter de Marco Túlio e obre a maneira como desempenhou o seu papel. 

Capítulo V: Carta de Cristóvão de Moura sobre a detenção dos indivíduos que em Portugal favoreciam o falso rei. O conselho da inquisição recomenda à benevolência de Filipe III o Português Nuno da Costa, antigo adepto de Marco Túlio, que se encontrava ainda exilado e implorava o perdão do rei católico. Razões pelas quais o conselho da inquisição apoia esta petição. Duas novas detenções. Manuel da Silva e Sousa e o sapateiro Pedro Dias Xardo. Manuel da Silva é reconhecido inocente e libertado. Entusiasmo excêntrico de Pedro Dias por Marco Túlio. Frei Estêvão é torturado. Confirma as suas precedentes declarações. Cerimónia da desgraduação dos dois frades. O juiz apostólico tenta obter ainda de Frei Estêvão algumas confissões. Faz declarações de natureza a comprometer Cristóvão de Moura. Apreciação do alcance destas declarações. Frei Boaventura. Carácter das suas revelações.

Capítulo VI: As sentenças pronunciadas contra Marco Túlio e seus cúmplices são confirmadas por Filipe III com algumas modificações. O impostor, Frei Estêvão, Frei Boaventura, um tintureiro português e três forçados são condenados à morte. As sentenças são dadas a conhecer a Marco Túlio e aos dois frades. Detalhes desta notificação. Censuras dirigidas por Frei Estêvão a Marco Túlio. Execução do impostor, do tintureiro e dos dois forçados. As outras condenações. Circunstâncias em que se produziu esta intriga. Considerações. Narrativas dos emigrados portugueses. Em que época teve lugar a execução dos dois frades. A sorte dos outros indivíduos que foram cúmplices de Marco Túlio. D. João de Castro, Padre Teixeira, Frei Crisóstomo, o cónego António Tavares. Conclusão.

Optei por transcrever com exactidão os sumários mencionados pelo autor antes de cada capítulo de preferência a tecer considerações sobre o texto pois eles são suficientemente significativos.

Apraz registar o pormenor com que Miguel D'Antas analisa os processos movidos contra os impostores. 

Esta obra é o resultado de apuradas pesquisas nos arquivos existentes, com especial destaque para o Arquivo Geral de Simancas.


terça-feira, 26 de novembro de 2024

D. SEBASTIÃO NOS JERÓNIMOS

Na revisitação dos livros sobre D. Sebastião existentes na minha biblioteca, reli agora O Encoberto nos Jerónimos (1972), de José Honorato Gago da Câmara de Medeiros (Visconde do Botelho), com um prefácio do Cardeal Cerejeira. 

Trata o livro da autenticidade das ossadas de D. Sebastião depositadas no Mosteiro dos Jerónimos e para este estudo o autor efectuou pesquisas no Arquivo Geral de Simancas e no Arquivo Secreto do Vaticano, publicando em anexo alguns dos documentos consultados. Como é sabido, persistiu durante muito tempo - e ainda persiste - a dúvida quanto à genuinidade dos restos mortais, razão que levou o Visconde do Botelho a empreender esta tarefa.

Depois de um Prólogo, segue-se um breve capítulo dedicado ao Sebastianismo, tema que desenvolveremos oportunamente em outros posts. No capítulo seguinte o autor trata da morte e identificação do cadáver de D. Sebastião, mencionando, como já fizera Queiroz Velloso (de acordo com frei Bernardo de  Brito), as pessoas que procederam ao reconhecimento do corpo: D. Duarte de Meneses, António de Azevedo, D. António de Noronha, D. Constantino de Bragança, João Rodrigues de Sá, D. Jorge de Meneses e D. Nuno Mascarenhas. É feita a descrição dos ferimentos do rei e o local onde o cadáver foi depositado, conforme referimos em post anterior. Segue-se um capítulo sobre os reinados de D. Henrique e de D. António [que não é, aliás, considerado rei de Portugal, embora o pretendesse]. É evocada a chegada ao Tejo da frota do almirante D. Diogo de Sousa e, a 27 de Agosto, a relação peremptória de Belchior do Amaral.

«Entretanto, o xerife Muley-Ahmed propôs-se devolver o corpo do falecido Rei contra a entrega de praças portuguesas no Norte de África. A resposta, porém, foi uma recusa formal. Voltou-se, então, o chefe marroquino para o Rei de Espanha, cujas boas graças desejava conservar, oferecendo-se para lhe entregar, sem qualquer resgate, o corpo de D. Sebastião, assim como dois prisioneiros de alta jerarquia, o jovem duque de Barcelos e o embaixador de Espanha, D. João da Silva, que tomara parte na jornada de Alcácer-Quibir. Filipe II, com muita dignidade, não quis, no entanto, aceitar o cadáver do Rei de Portugal, aconselhando que o entregassem aos Portugueses.

Foi assim que, tendo o Cardeal-Rei ordenado a frei Roque do Espírito Santo que negociasse o resgate do corpo, este, com o auxílio de André Gaspar Corço, genovês, conhecido de Filipe de Espanha e de Muley-Ahmed, obteve do xerife a sua entrega sem condições. Isto permitiu que o alcaide mandasse desenterrar da vila de Sufiane os restos mortais do soberano português e os entregasse a Gaspar Corço para os levar para Ceuta, então praça-forte portuguesa. Este emissário especial teria sido acompanhado, segundo alguns historiadores, por frei Roque e ainda pelo embaixador de Castela, por D. Jorge de Meneses, D. Miguel de Noronha, D. Duarte de Castelo Branco, D. Pedro de Castro  e outros. Ali foram entregues ao governador da praça, tendo sido lavrado um auto rezando o seguinte: [...] » (pp. 50-1) O autor transcreve o auto da entrega do corpo em 10 de Dezembro de 1578, assinado por D. Leonis Pereira, capitão e governador de Ceuta, frei Roque e D. Rodrigo de Meneses. 

«Prevendo a possibilidade de se candidatar à Coroa portuguesa, D. António procurou provar a  sua legitimidade, isto é, que seu pai, o Infante D. Luís, casara secretamente com sua mãe, D. Violante Gomes, senhora "mui formosa e honesta, de grande discrição e graça", que morreu recolhida num mosteiro, onde viveu anos com muita dignidade. Chegou mesmo a obter uma sentença de legitimação dada por um frei Manuel de Mello, da Ordem de Malta, a 24 de Maio de 1579. E o Cardeal Alexandre Riario, Legado a latere de Sua Santidade, vindo em missão a Portugal, trazia instruções pontifícias para rapidamente concluir o processo de legitimidade de D. António. Tudo, porém, o Cardeal-Rei D. Henrique impugnou, alegando que Violante Gomes era uma "mulher vil", com quem o Infante D. Luís não casara. Assim, quando do falecimento de D. Henrique, a bastardia do Prior do Crato não fora saneada. Este, apesar disso, com o apoio do braço popular, conseguiu fazer-se aclamar rei a 19 de Junho de 1580.

Filipe II (de Espanha) decidiu-se, então, a empregar a força das armas para conseguir o que não atingira através das intrigas diplomáticas, antes que D. António se consolidasse no trono.  As tropas castelhanas entraram em Badajoz, a 27 daquele mês, sob o comando do duque de Alba. E a esquadra espanhola, forçando o Tejo, desembarcou um exército, que a 25 de Agosto de 1580 desbaratou em Alcântara as hostes portuguesas, mal equipadas e pouco preparadas. O Prior do Crato logrou escapar-se para o Norte do País, de onde passou ao estrangeiro, iniciando, com o apoio da França, uma tentativa de reconquista, com base nas ilhas dos Açores, que se conservavam fiéis ao rei português. Tentativa efémera, mas dolorosa, durante a qual este monarca mais uma vez demonstrou uma tenacidade de ânimo invulgar.» (pp.52-3)

Filipe II entrou em Portugal a 5 de Dezembro de 1580, tendo chegado a Tomar a 16 de Março de 1581. A 16 de Abril fez-se aclamar nessa cidade "Rei de Portugal e seus senhorios". Só em 27 de Maio de 1581 Filipe II deixou Tomar com destino à capital, devido à peste que grassara em Lisboa, ressurgência da grande peste de 1569, quando D. Sebastião se refugiou em Sintra. Fez a jornada por terra até Vila Franca de Xira, aqui embarcando, em 19 de Junho de 1581, na galera do marquês de Santa  Cruz com destino a Almada, onde ficou alguns dias. Desembarcou, finalmente, com grande pompa em Lisboa a 29 de Junho.

«Instalado nos Paços Reais com muitas pessoas do seu séquito, Filipe I de Portugal prolongou na capital portuguesa a sua estada, só se começando a falar da sua partida para Madrid em Outubro de 1582. Eram, todavia, rumores sem grande fundamento. Filipe I havia dado ordens para que trouxessem de Ceuta as ossadas de El-Rei D. Sebastião e não queria deixar o País sem que se procedesse, na sua presença, à respectiva inumação no Panteão dos Jerónimos, onde também pretendia reunir todos os descendentes de D. Manuel I falecidos em Portugal. Este propósito estava-lhe bem vincado, embora o não tivesse tornado público.

Na verdade, a 1 de Novembro de 1582, a Nunciatura Apostólica em Lisboa, em ofício assinado por Juan del Monte e enviado ao Cardeal de Como, informava que havia poucos dias tinham chegado ao Algarve os ossos de El-Rei D. Sebastião, trazidos de Ceuta, onde era governador Jorge Pessanha, pelo duque de Medina Sidónia, em quatro galeras da Sicília, sendo acompanhado pelo bispo daquela praça, D. Manuel de Seabra. Ali os recebera o bispo da Sé de Faro, D. Afonso de Castello Branco, de onde deveriam seguir para o Mosteiro dos Jerónimos. Viria simultaneamente de Almeirim o corpo do Rei-Cardeal D. Henrique, e seriam recolhidos os de alguns outros príncipes da Casa Real Portuguesa, que Filipe I, como atrás se disse, desejava fazer depositar na igreja daquele Mosteiro.» (pp. 55-6)

Como a 21 de Novembro de 1582 falecera o Príncipe herdeiro de Espanha, D. Diogo, e o seu irmão mais novo D. Filipe (futuro Filipe III) teria de ser jurado como sucessor, Filipe II ficou com o dilema de abandonar Portugal antes dos funerais de D. Henrique e D. Sebastião ou fazer reunir em Portugal as Cortes. Finalmente, a 9 de Dezembro, chegou a Évora o cadáver de D. Sebastião. E no dia 20 de manhã entraram nos Jerónimos os corpos de D. Sebastião e D. Henrique e também de alguns infantes filhos de D. João III e de D. Manuel I. Foram recebidos por Filipe II e pelo Clero e Nobreza e rezou-se missa solene. Ficaram, assim, nos Jerónimos os corpos de D. Manuel I e de D. João III, da rainha D. Maria, irmã do Rei Católico e mulher de D. Manuel I, de D. Catarina, irmã de Carlos Quinto e mulher de D. João III, ficando em seus sepulcros vinte e três corpos de reis, rainhas e infantes de Portugal.

As Cortes reuniram-se a 30 de Janeiro para prestar juramento ao Príncipe. Filipe II regressou enfim no dia 11 de Fevereiro, deixando como governador e vice-rei o arquiduque Alberto de Áustria.

«Em 1682 foi o corpo do Cardeal-Rei tirado do seu sepulcro de madeira e trasladado para o altar da capela do Cruzeiro, do lado do Evangelho, em mausoléu mandado fazer por ordem de D. Pedro II, tendo o epitáfio que lá se encontra sido composto, ao que parece, pelo marquês de Alegrete, em substituição de outro feito pelo padre frei Diogo de Jesus, do Mosteiro de Belém, falecido em 1672.

No mesmo ano foram trasladadas as ossadas de D. Sebastião, que também ainda jaziam em caixão de madeira, para o topo da outra capela do Cruzeiro, do lado da Epístola. A cerimónia fez-se à porta fechada, segundo relataram César da Silva e Ribeiro Guimarães, e apenas com a presença dos monges e de alguns dignitários da Casa Real. As ossadas, que se encontravam num saco de linho atado com um pano preto, foram recolhidas noutro saco, que depois depositaram no mausoléu.

O epitáfio primitivo, também redigido provavelmente por frei Diogo de Jesus, foi registado por frei Manuel dos Santos na sua "História Sebástica" e rezava assim:

Hoc jacet in tumulo (si vera est fama) Sebastus                                                                                           /Quem dicunt Lybicis occubiesse plagis

(Se é verdade o que consta, neste túmulo jaz Sebastião,                                                                                                                                                            que dizem ter sido morto nas plagas africanas)

Foi este substituído em 1682 pelo seguinte, de que dizem foi autor o conde da Ericeira:

Conditur hoc tumulo, si vera est fama, Sebastus                                                                                            Quem tulit in Libicis mors properata plagis                                                                                             Nec dicas falli regem qui vivere credit                                                                                                      Pro lege extincto mors quasi vita fuit

(Se pudermos dar crédito à fama, este túmulo conserva os restos de Sebastião, morto nas plagas africanas/mas não digas que é falsa a opinião dos que acreditam que ele ainda é vivo, porque a glória lhe assegura a imortalidade)

O Sebastianismo era tão forte no século XVII que não seria lógico admitir que frei Diogo de Jesus escrevesse um epitáfio que traduzisse uma certeza quando todos se obstinavam na validade da dúvida. Nem que, já no reinado de D. Pedro II, se tivesse alterado essa validade.

Os autores daquelas legendas tumulares não quiseram mentir. Faltou-lhes, porém, a coragem para desfazer a lenda do Sebastianismo. Aliás, lendas e legendas confundem-se, exactamente como o lendário, que a não confirma ou mesmo a nega.» (pp. 61-2)

«O Sebastianismo não nasceu em África. Brotou da fantasia patriótica de alguns cérebros exaltados e, nomeadamente, de D. João de Castro. E foi acolhido, fortalecido e ampliado pelos políticos que, patrioticamente, execravam a dominação estrangeira. Desse escol passou, insensivelmente, mas com rapidez, à plebe, que para o efeito já estava preparada com o aparecimento dos primeiros falsos Sebastiões. Então, tudo se fantasiou ainda mais, sobrepondo-se à lenda original outras colhidas das tradições ancestrais, numa amálgama que apenas traduzia, no fundo, a esperança numa restauração nacional. O Sebastianismo transformou-se, deste modo, numa manifestação do patriotismo atávico do povo português, na expressão pública de um sentimento de amor à independência, herdado de Viriato e de seus próceres.

Inexistente ou amorfo à data da inumação de "O Encoberto" nos Jerónimos, a sua génese situam-na alguns, e com certo fundamento, ainda na mesma década, com o aparecimento dos primeiros impostores, o D. Sebastião de Penamacor, em 1584, e o D. Sebastião da Ericeira, no ano imediato. Foi, porém, na década seguinte que ganhou maior força, à medida que a autoridade castelhana, por morte de Filipe II, cuja política não teve continuidade, se foi tornando mais pesada.» (p. 65)

«As minhas conclusões firmam-se, porém, em alicerces mais sólidos. Com efeito:

1 - Nenhum escrito digno de crédito admitiu que D. Sebastião tivesse sobrevivido à batalha de Alcácer-Quibir. Os seus restos mortais foram, formal e incontestavelmente, identificados por muitos dos seus familiares. Não se verifica qualquer razão válida para que este facto seja posto em dúvida.

2 - Sabia-se, na actualidade, que umas ossadas tinham sido trasladadas de Ceuta papa o templo dos Jerónimos, por iniciativa de Filipe I, como sendo as de "O Desejado". Contudo, para muitos, subsistia uma dúvida de natureza política: não teria sido essa trasladação uma manobra hábil de Rei estrangeiro - embora consciente das dúvidas que subsistiam sobre a identificação dos restos mortais do monarca português - para destruir a força do Sebastianismo? A cronologia dos acontecimentos refuta a maquiavélica hipótese. E, sobretudo, os documentos do Arquivo Secreto do Vaticano, constituídos por ofícios da Nunciatura Apostólica endereçados ao Cardeal de Como, além de darem pormenores desconhecidos, mostram que os representantes pontifícios em Lisboa não tinham a menor dúvida de que os restos mortais inumados em Belém eram, de facto, os do nosso Rei. Se houvesse ocorrido em tudo isto o mínimo aspecto de farsa, o Vaticano, certamente, não deixaria de ser prevenido com todo o escrúpulo. Filipe I foi tão correcto para com D. Sebastião depois de este morto como o fora antes de Alcácer-Quibir.

3 - O primeiro epitáfio do túmulo de "O Encoberto" não é coevo do enterro feito num caixão de madeira. Assim se explica a expressão "si vera est fama", através da qual se preservava a sensibilidade popular e a crença no Sebastianismo. Teria sido impolítico e até mesmo impossível proceder-se de outra forma. E, aquando do segundo epitáfio, redigido em 1682, numa época em que a lenda ainda perdurava com todo o vigor e se não tinham feito estudos históricos profundos acerca da morte de D. Sebastião, acentuou-se o erro.

4- Não tenho, deste modo, quaisquer dúvidas em concluir que as ossadas de "O Encoberto" repousam há 388 anos na serenidade dos Jerónimos. São elas os restos, que tendem para o pó, do guerreiro valoroso, do indómito cavaleiro, morto em Alcácer-Quibir, cuja memória ainda hoje os próprios descendentes de seus adversários respeitam. Quando em Marrocos se deseja estimular em alguém o sentido da honra e do dever, diz-se-lhe: "Sede homem, como D. Sebastião."

A verdade histórica que resulta das minhas conclusões não me impede, porém, de gritar, do fundo da minh'alma, em homenagem a uma lenda maravilhosa que foi também um acontecimento altamente patriótico: Glória ao Sebastianismo!» (pp. 66-7)

O livro inclui em anexo uma carta de Filipe II ao Papa (não indica o nome do Papa, nem parece que o documento seja uma carta); duas cartas da Nunciatura de Espanha; uma carta da Nunciatura de Portugal (de D. António, Prior do Crato para o Papa); outras cartas da Nunciatura de Portugal (algumas das quais dirigidas ao Cardeal Di Como) e uma carta do Cardeal-Rei D. Henrique a D. Rodrigo de Meneses.

Estão inseridas no livro muitas ilustrações de retratos e de documentos.


sábado, 23 de novembro de 2024

RAMALHO EANES

O General Ramalho Eanes é uma referência fundamental do povo português. Primeiro Presidente eleito da III República constitui pela sua vida e obra política, militar e social um exemplo notável de cidadania.

Neste livro, resultado de uma longa entrevista da jornalista Fátima Campos Ferreira, Ramalho Eanes desenvolve o seu pensamento sobre múltiplos aspectos da vida nacional e internacional, sendo que, no segundo campo, muitas das suas análises coincidem, no todo ou em parte, com as minhas convicções na matéria, o que muito me regozija.

Posso não subscrever integralmente todas as suas opiniões mas é imperativo reconhecer a clareza e a frontalidade com que se exprime.

Em vésperas de completar 90 anos, Ramalho Eanes revela uma extraordinária lucidez de observador do tempo passado, do tempo presente e do tempo por vir. A sua palavra é uma Palavra que conta.


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

FILIPE II E D. SEBASTIÃO

Comprei em 1993 Felipe II y El Rey Don Sebastián de Portugal (1954), do embaixador Alfonso Danvila, na Livraria Campos Trindade, da Rua do Alecrim, hoje encerrada em consequência da lei das rendas, chamada Lei Cristas. O exemplar que adquiri, e que se encontra anotado, pertencia ao erudito e bibliófilo Castelo Branco Chaves, cuja biblioteca (ou parte dela, ignoro), por sua morte, fora vendida pelos herdeiros ao alfarrabista Tarcísio Trindade com quem mantive uma relação de amizade durante anos, até ao falecimento deste.

Trata-se de uma das mais importantes obras em língua castelhana sobre o período em causa, ainda que o autor seja por vezes um pouco laudatório em relação à Casa de Áustria.

Porque a matéria já tem sido abordada por mim em posts anteriores relativos à época, anotarei tão só algumas impressões.

O livro começa por referir a chegada a Villaviciosa do rei Carlos I (Carlos Quinto), em 19 de Setembro de 1517, tinha então o monarca 17 anos, acompanhado de sua irmã a infanta Leonor. Chegam a Tordesilhas em 4 de Novembro, onde visitam a mãe, Joana a Louca, recolhida voluntariamente no palácio pouco tempo após a sua viuvez, em pleno desequilíbrio da suas faculdades mentais. (p. 6)

Com Joana a Louca vivia sua filha D. Catarina (que viria a casar com D. João III), então com 10 anos, em triste condição, vítima dos caprichos e extravagâncias de sua mãe. Entendeu Carlos Quinto subtraí-la àquele ambiente, mas porque a rainha viúva não queria apartar-se dela resolveu o futuro imperador "raptá-la" de Tordesilhas e levá-la para Valladolid, onde estava a Corte. Foi grande a indignação de Joana a Louca e, por isso, D. Catarina foi devolvida à mãe, só saindo daquele palácio para se casar com D. João III. Para que a menina, naquele período, tivesse algum convívio, resolveu Carlos Quinto introduzir alguns jovens no palácio, entre os quais o primogénito do duque de Gandía, Francisco de Borja y Aragón, que viveu três anos em Tordesilhas, e que voltaria 34 anos mais tarde, já como religioso, para ajudar a morrer cristãmente a rainha Joana. Francisco de Borja, 4º duque de Gandía, vice-rei da Catalunha, etc., ficando viúvo retirar-se-ia do mundo ingressando na Companhia de Jesus, da qual viria a ser Superior Geral, criado também cardeal e finalmente canonizado. Remonta àquela época a amizade de D. Catarina com S. Francisco de Borja. «Este episódio histórico, por demás conocido, representa un ejemplo aleccionador de lo que significaba entonces el papel del jefe de familia [Carlos Quinto], así como de la subordinación perfecta con que todos los miembros de ella obedecían sus mandatos, sin pararse a discutirlos ni analizaros. Tal era lo costumbre, y tal la fuerza de la disciplina en los familiares de la Casa de Austria.» (p. 11)

Em 1 de Novembro de 1527 celebrou-se no palácio de Almeirim o matrimónio de Carlos Quinto, representado por Don Carlos, senhor de Laxão na qualidade de Procurador, com Isabel de Portugal, estando presentes os reis de Portugal, D. João III e D. Catarina, e também o cardeal infante D. Afonso (16 anos), o infante D. Luís (19 anos), o infante D. Fernando (18 anos), o infante D. Henrique (futuro cardeal-rei, 15 anos) e o infante D. Duarte (10 anos). Escoltada por seus irmãos D. Luís e D. Fernando e pelo duque de Bragança, D. Isabel foi entregue na fronteira do Caia em 14 de Fevereiro de 1528, sendo recebida por uma embaixada presidida pelo duque de Calábria, D. Fernando de Aragão, o único príncipe de sangue que então residia em Espanha, e pelo arcebispo de Toledo, D. Alonso da Fonseca que partilhava as honras com D. Álvaro de Zúñiga, duque de Béjar. A ratificação do matrimónio teve lugar em Sevilha, sendo celebrado em 10 de Março de 1526 com grande pompa e ficando Carlos Quinto encantado com a esposa, considerada  a mais bela princesa da época, o que é confirmado pela pintura do Ticiano, retrato que o imperador conservou junto de si até fechar os olhos em Yuste. (pp. 19/20)

[As datas mencionadas pelo autor não conferem, como é evidente.]

«Según un prestigioso escritor español [Antonio Sánchez Moguel] la Reina Doña Catalina fué la Princesa más inteligente de la Casa de Austria y la que por su carácter enérgico y varonil tuvo más semejanza con su abuela la Reina Católica: era su valor grandíssimo y sólo comparable a su religiosidad y firmeza; capaz de las resoluciones más extremas, nunca las adoptaba sino cuando su claro talento apreciaba la necesidad; apasionada en sus afectos, adoraba al Emperador, como después amó a Felipe II y a su nieto Don Sebastián, encontrando medio, en su delicadeza, de no hacer traición a ninguno de estos cariños; ambiciosa, nunca deseó el poder sino para servir a su descendencia, ni jamás concibió un proyecto que no fuera encaminado a la prosperidad del Reino lusitano; finalmente, a poco de su instalación in el trono, supo apoderarse de la voluntad de su esposo hasta el punto de poder afirmarse que fué ella la que gobernó el país durante la vida de Don Juan III, quien aunque a veces discutiera sus opiniones, acababa siempre condescendiendo en ellas, como si implicitamente reconociera la superioriad del talento y las dotes de gobierno en su esposa.» (pp. 21-2)

D. Catarina teve nove filhos mas só dois sobreviveram até tomar estado e morrendo aliás pouco tempo depois: D. Maria Manuela, que casou com Filipe II e foi mãe do infante D. Carlos, e D. João Manuel, que casou com D. Joana e foi pai de D. Sebastião. E foi verdadeiramente ela que governou Portugal no tempo de D. João III.

«La negociación del matrimonio de la Infanta Doña María con el Príncipe Don Felipe constituyó el motivo más poderoso de crítica entre los portugueses contra la política de Doña Catalina, a cuyos esforzos se debió indudablemente tal enlace. El mismo Rey no lo deseaba, por más que le halagase la idea de ver su hija convertida en Reina futura de España. La nobleza y el pueblo lusitanos, que veían en la Infanta la posible sucesora de la Corona, pues el Príncipe del Brasil Don Juan, constantemente enfermo, era "una cosa muy flaquita e muy dolentico", no pasando aún de los tres años, preferían que la Infanta se desposase con su tío Don Luis, Duque de Beja, a pesar de la diferencia de edad, por constituir el medio más seguro de alejar el peligro de la unión de ambas Coronas, caso de que el Príncipe Don Juan falleciese.» (p. 24)

[O autor comete um erro neste parágrafo. O herdeiro da Coroa portuguesa só passou a usar o título de Príncipe do Brasil no tempo de D. João IV]

Em 11 de Julho de 1554, Filipe II partia da Corunha para Inglaterra para casar-se com Maria Tudor, que havia sucedido no trono a seu irmão Eduardo VI. Ficou como regente sua irmã D. Joana, que havia regressado a Espanha depois da morte de seu marido D. João Manuel. Em 11 de Abril de 1555 falecia em Tordesilhas, com 76 anos, a rainha D. Joana (a Louca), assistida pelo padre Francisco de Borja, como se escreveu acima. Ela era ainda a Rainha proprietária de Castela e Aragão, reconhecida como tal pelas Cortes, e foi mãe de dois imperadores, um rei e quatro rainhas. 

«El 25 de octubre de 1555 abdicaba el Emperador todos sus Estados de España, Indias y Flandres en favor de su hijo Don Felipe, poseedor desde hacía poco de las Coronas de Italia, por césion de su augusto Padre, y Rey consorte de Inglaterra por su casamiento con Maria Tudor. Y en febrero de 1556, Felipe II, ya como Rey, ratificaba a su hermana Doña Juana los poderes para la gobernación de sus dominios, siendo solemnemente proclamado como Soberano de Valladolid, el 28 de marzo de 1556, alzando pendones por él, el Príncipe Don Carlos, su primogénito, que contaba once años de edad, delante de la Princesa, a quien rodeaban los Grandes y Prelados del reino.» (p. 67)

O imperador chegou a Yuste em 3 de Fevereiro de 1557, sendo recebido pela Comunidade dos Jerónimos. Ao contrário do que se disse durante largo tempo, Carlos Quinto não se entregou a um piedoso retiro mas continuou a governar a partir do mosteiro. «Todos sus proyectos de retiro tuvieron que ceder desde el primer momento ante su inveterada costumbre de mando y la necessidad que de sus consejos necessitaban, tanto Don Felipe en Flandres, como Doña Juana en Castilla; y, desde entonces, siguió reinando, no obstante haber renunciado a todo título para ello.» (p. 69)

Por morte súbita de D. João III (11 de Junho de 1557), que o impediu de firmar as suas últimas vontades, conseguiu D. Catarina, através do secretário Pedro de Alcáçova Carneiro (como escrevi em post anterior) apresentar uns apontamentos sem assinatura do monarca em que este desejava que a viúva assumisse a Regência até que D. Sebastião tivesse 20 anos. O Chanceler de Portugal, Gaspar de Carvalho, afirmou, sob juramento, que aqueles apontamentos continham as resoluções de D. João III. A 16 de Junho foi prestado juramento a D. Sebastião (então com três anos), com a presença do arcebispo de Lisboa, dos duques de Bragança e de Aveiro, dos condes de Vimioso e de Castanheira e de outras personalidades. O cardeal D. Henrique tinha perdido esta batalha a favor da cunhada, tendo resolvido passar a exercer toda a influência possível junto da pessoa de D. Sebastião. (p. 74)

Por ocasião de uma grave enfermidade de D. Catarina, Carlos Quinto encarou a hipótese de que fosse D. Joana a governar o reino no caso daquela falecer. Mas D. Joana opôs-se, considerando que não era bem vista em Portugal e melhor seria que D. Catarina não publicasse qualquer Pragmática sugerida. (p. 83)

Regista-se um capricho do imperador: proibiu a sua filha de o visitar no Mosteiro de Yuste. Ela não voltou a vê-lo desde a abdicação. 

Em 21 de Setembro de 1558 morreu Carlos Quinto. Houve grandiosas cerimónias fúnebres em Yuste, Valladolid, Roma e Bruxelas. 

«Quedaba la Reina Doña María de Hungria como representación de la época de Carlos V, y en verdad que el recuerdo vivo de aquel reinado había sido por su firmeza e inteligencia uno de los más poderosos auxiliares de la política del Emperador, y, como decía Badoero, "la mejor ejecutora de su pensamiento". Alta de cuerpo, de facciones enérgicas y mui parecidas a las de su hermano, gallarda en todos los ejercícios, famosa en la equitación y en la caza, de tal manera que no se había visto desde muchos años atrás señora alguna que la hubiera superado, en esto, mostró en la práctica de la guerra hasta dónde podía llegar el valor de una mujer. Compañera de los Consejos del César, intervino directamente en su política como Gobernadora de los Países Bajos y realizó habilíssimas maniobras para hacer elegir a Felipe II Emperador de Alemania, no obstante la enemistad que por él sentía; en una palabra: fué la hermana más semejante a Carlos V y a la que éste estuvo más estrechamente unido, no obstante su preferencia por Doña Leonor, considerándola más como camarada que como mujer y reconociendo sus excepcionales aptitudes para los negocios y materias de Estado.» (pp. 86-7)

Maria da Hungria morreu em Outubro de 1557. Maria Tudor, em 17 de Novembro de 1558. Henrique II de França, em 10 de Julho de 1559. Paulo VI, em 18 de Julho de 1559. Estas mortes tiveram repercussões na política espanhola. «La paz de Cateau- Cambresis, concluída el 3 de abril de 1559, hería de muerte la política de Carlos V e inauguraba una dirección totalmente opuesta a la que seguía guardando desde los reyes Católicos.» (p. 87)

«El nuevo Emperador de Alemania [Fernando I] odiaba a su sobrino el Rey de España y no había de cooperar en manera alguna a la prosperidad de éste; así que Felipe II, poco amante, por otra parte, de la guerra, escogió el partido que se le presentaba a la vista, admitiendo los ofrecimientos de Enrique II, casando con uma de sus hijas y consolidando la alianza de los dos países para conservar la fe católica.» (p. 88)

Sobre autos de fé:

«En este auto es donde, según fama, después de prestar juramento el Rey sobre la Cruz de mantener la fe y amparar su tribunal, empezó el desfile de los reos, que eran catorce, y al passar Don Carlos de Sesso, gritó, dirigiéndose a Don Felipe: Así me dejaréis quemar? Contestando el Monarca con aquellas palabras tan incriminadas después, pero que son las únicas capaces de excusar su impassibilidad por la rectitude y convicción profunda que revelan: "Para quemar a mi proprio hijo, si fuese hereje, traería yo la leña". (p. 92)

As figuras mais importantes da Casa de Áustria no tempo de Filipe II eram o príncipe D. Carlos (herdeiro do trono espanhol e débil mental, que seu pai haveria de encarcerar); D. João de Áustria (irmão natural de Filipe II e herói da batalha de Lepanto); Alessandro Farnese (filho de Ottavio Farnese, duque de Parma e Placência, e de Margarida de Áustria, filha de Carlos Quinto, e que casou com a infanta D. Maria de Portugal, filha do infante D. Duarte de Portugal, duque de Guimarães. Um dos seus filhos, Ranuccio, aspirou ao trono de Portugal por morte de seu tio-avô, o cardeal D. Henrique); e os arquiduques Rodolfo (futuro imperador Rodolfo II) e Ernesto de Áustria, filhos do imperador Maximiliano II e de sua mulher, a infanta Maria de Espanha, filha de Carlos Quinto. O imperador Maximiliano II era filho do imperador Fernando I.

Durante largo período do reinado de Filipe II havia dois "partidos" na Corte. Um chefiado por D. Fernando Álvarez de Toledo, duque de Alba, Grande de Espanha; o outro chefiado por Ruy Gómez da Silva (português de nascimento), confidente e amigo do rei, futuro príncipe de Eboli e duque de Pastrana. Entre as notáveis figuras contava-se D. Diego Hurtado de Mendoza, duque do Infantado e D. Ana de Mendoza y de la Cerda, princesa de Eboli (imortalizada por Verdi na sua ópera Don Carlo).

Sobre o cardeal D. Henrique, traduzo das páginas 122-3:

«O cardeal D. Henrique, herdeiro presuntivo da Coroa constituía um verdadeiro problema para a rainha D. Catarina. que sempre encontrou nele o seu pior inimigo e o seu constante opositor, em política e em todos os assuntos referentes à criação e educação do menino rei D. Sebastião.

Contava cinco anos a menos do que a soberana e era de corpo médio, fraco, macilento, de saúde precária; de acordo com a sua figura, as palavras resultavam secas, a alma calada, vivendo muito em si e falando para dentro. Humanista distinto, sabia latim, grego e hebraico, tendo escrito na primeira destas línguas um tratado piedoso.

Cumpridor exacto dos seus deveres religiosos, altamente zeloso dos serviços régios, e, como homem, completamente honesto. Humilde por fora, tinha a fraqueza de exigir as mais extraordinárias e públicas atenções. Não era precisamente um ambicioso, senão um vaidoso, e se amava o poder era, sobretudo, pelas honras que lhe proporcionava. A rainha conhecia muito bem estas debilidades e explorava-as em seu proveito. 

Clérigo aos catorze anos, foi nomeado em seguida prior de Santa Cruz de Coimbra; aos vinte e dois era arcebispo de Braga; aos vinte e sete, Inquisidor Geral de Portugal e suas possessões do Ultramar; no ano seguinte, 1540, primeiro arcebispo de Évora; e cardeal em 1545, aos trinta e três anos de idade.

O rei D. João III, que ao princípio não lhe concedia a sua confiança, ao extremo a opor-se a que lhe fosse concedido o Capelo, vago por morte de seu irmão D. Afonso, dignidade que só pôde obter D. Henrique graças às repetidas instâncias do Imperador, a quem D. Henrique recorrera pedindo ajuda, encontrou depois nele um poderoso auxiliar para o estabelecimento da Inquisição nos seus Reinos, procurando que fosse eleito Papa no conclave que teve lugar por morte de Paulo III, onde obteve quinze votos do Sacro Colégio; porém, Carlos Quinto fez fracassar a negociação, porque não lhe convinha ter como Pontífice um príncipe português, e desde aí D. Henrique concebeu um ódio mortal a Castela...»

«Estabelecida la Regencia de Doña Catalina, asesorada por los consejos del veterano Pedro de Alcaçova, inauguró aquélla su gobierno con un acto diplomático de gran habilidad, declarando al Cardeal Don Enrique, como su coadjutor, fundando tal resolución en los deseos de que, según ella, manifestara con anterioridad El Rey Don Juan III, deseando por este medio evitar les dificuldades que podía crear el descontento de su cuñado y del partido que le seguía; pero non cesó aquél con tal acto, iniciándose desde el primer momento un desacuerdo en que procuraba Don Enrique ir demoliendo poco a poco la reputación política de la Regente, lisonjeándose con la idea de que, obligada la Reina por tantos disgustos y contrariedades a resignar el poder en sus manos, podría substituirla, no solo en el gobierno, sino allado del Rey, a quien esperaba educar el Cardenal a la portuguesa, desviándole gradualmente del amor y respeto que debía a su abuela.» (p. 125)

Em 1560, três anos e meio depois de ter assumido a Regência, declarou D. Catarina, certamente aconselhada por Pedro de Alcáçova, estar desejosa de repouso e ansiosa por retirar-se para um convento para lá passar o resto dos seus dias, tendo convocado o Cardeal para lhe transmitir esta sua vontade. D. Henrique, depois de algumas objecções, concordou em aceitar a oferta, desde que se convocassem os Três Estados. Porém, numa hábil manobra, D. Catarina, cujo partido era muito poderoso, não reuniu as Cortes, limitando-se a enviar uma carta-circular datada de 24 de Dezembro, dirigida aos Prelados, representantes da Nobreza e das cidades com assento nos respectivos Estados, comunicando-lhes a sua resolução e a aquiescência do Cardeal Infante. Todos as pessoas consultadas entenderam que a rainha deveria continuar no governo até que o rei tivesse vinte anos. O expediente resultou e D. Henrique não teve outro remédio senão conformar-se e aplaudir a decisão. Contudo, D. Catarina, conhecendo a idiossincrasia do seu cunhado, conseguiu, como compensação, que o papa Pio IV o nomeasse Legado a latere perpétuo em Portugal, o que não impediu aquele de prosseguir a luta contra a rainha, enngrossando o seu partido com toda a classe de elementos nacionalistas. (p. 126)

Finalmente, em 11 de Julho de 1562, D. Catarina convocou, em nome do neto, os Estados Gerais, dizendo que o rei "queria tratar y comunicar algunas cosas muy importantes al servicio de Dios Nuestro Señor y muy en bien de mis Reinos con todos los tres Estados dellos". Assitiram à cerimónia, que teve lugar em 12 de Dezembro no Palácio da Ribeira, D. Sebastião, que ia completar oito anos, e os delegados. A seguir à entrega das petições dos representantes, o Vedor da Casa da Rainha, Simão Guedes, entrou na sala e entregou ao doutor António Pinheiro, representante do estado eclesiástico, um papel de D. Catarina, com data de 8 de Outubro, em que declarava não lhe ser possível manter-se por mais tempo no Governo, ao qual renunciava, atendendo apenas dez dias para que se decretasse como Regente o Cardeal seu irmão. Apesar de muitos aguardarem aquela decisão a leitura do documento causou profunda impressão na Assembleia. Acharam alguns que não devia ser a aceite a renúncia mas um grupo mais forte partidário do Cardeal inclinou-se perante a renúncia. Depois de muita discussão, em 23 de Dezembro de 1562, último dia do prazo mencionado pela Rainha, o Cardeal D. Henrique sucedia-lhe na Regência, com a cláusula expressa e juramento solene de entregar o governo do Reino a D. Sebastião quando este cumprisse catorze anos, em lugar do prazo de vinte anos que fora anteriormente outorgado a D. Catarina.

A propósito da doença de D. Sebastião, escreve o autor: «Otra hipótese puede ocorrir todavía. Los matrimonios consanguíneos, repetidos durante generaciones sucesivas entre las familias reales castellanas y portuguesas. acumularon en Don Sebastían - como en su primo hermano Don Carlos - las taras patológicas de sus ascendientes. No es posible que en esta hereditabilidad morbosa se encontrara la etiologia de la enfermedad? El Doctor Gregorio Marañon, que ha estudiado el caso, es más explícito y opina que Don Sebastián padecía desde muy temprano una rebeldísima espermatorrea que le proporcionaba vahidos, gran flojedad en las piernas y otros trastornos. Mostrábase además muy esquivo con las mujeres, lo cual se atribuía al exceso de rigidez de la educácion recibida de los jesuítas; pero, según el eminente facultativo, es más lógico pensar que la alteración nerviosa aneja a las citadas pérdidas tuviese su repercusión en el ánimo del joven y engendrara la timidez sexual, que los Embajadores españoles describían tan bien y con tantos detalles. Todo lo cual era compatible con uma decisión muy de hombre en los otros aspectos de la vida, incluso en los lances guerreros. No es raro, y tal vez fuera éste el caso de Don Sebastián, que se compense el poco impetu sexual con la alborotada agresividad en la vida corriente [Gregorio Marañon, Antonio Pérez]. A este respecto, el ilustre historiador antes citado establece en la misma obra un paralelismo muy original en la existencia del Rey de Portugal y del Príncipe de Asturias, Don Carlos, que no resistimos al deseo de copiar: "Fué sa vida paralela, allá en la profundidad de lo fisiológico, a la de su doble primo el Príncipe Don Carlos de España. Los dos tenían muchos puntos de contacto, que si ahora no se perciben en su trágica realidad, es porque sus conductas - que es lo que vemos de lejos - difirieron radicalmente. Don Sebastián llevó a cabo sus descabellados proyectos porque reinó y porque, prácticamente huérfano, le educaron Regentes incapaces de conducirle con severidad. Mientras que Don Carlos tuvo a su lado a su progenitor Felipe II, que vigilava sus desvaríos y los contuvo, llegando, cuando fué preciso, hasta la prisión y muerte civil. Don Sebastián, junto a Felipe II, hubiese muerto en una fortaleza. Y Don Carlos, libre, rectorado por las débiles manos de los tutores de su primo, hubiera tramado otro Alcazarquivir en Flandres. Ambos tenían la misma razón para su disparatada conducta: una herencia de egregias cualidades y egregios defectos, mezclados y remezclados a través de incesantes matrimonios consanguíneos que hoy nos producen horror."» (pp. 143-4)

Em 18 de Janeiro de 1568, D. Carlos, Príncipe de Astúrias, foi encarcerado por ordem de seu pai, Filipe II. Em 20 de Janeiro de 1568, foi proclamada no Palácio dos Estaus, a maioridade de D. Sebstião. Em 21 de Julho de 1568, verificou-se a morte de D. Carlos, acontecimento que foi recebido com alívio em Portugal (único lugar onde tal atitude ocorreu), pois receava-se que morrendo D. Sebastião sem descendência (como, aliás, se verificou), D. Carlos pudesse reclamar o trono de Portugal.

Na proclamação da maioridade de D. Sebastião, a que assistiram D. Catarina, a infanta D. Maria, o infante D. Duarte (duque de Guimarães), os duques de Bragança e de Aveiro, o marquês de Torres Novas, os condes de Vimioso e de Portalegre, e muitos prelados, fidalgos e pessoas notáveis, o cardeal D. Henrique procedeu à entrega solene ao rei dos selos reais, pronunciando algumas palavras de congratulação. 

Segundo o doutor José de Figueiredo, existem apenas três retratos de D.Sebastião que podem considerar-se autênticos: a gravura do flamengo Hieronymus Cock, aos sete anos, e os óleos de Cristóvão de Morais, nas Descalzas Reales, em Madrid, aos onze anos e no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, aos dezoito anos.

Sobre os projectos de casamento de D. Sebastião já fiz referências em posts anteriores a propósito de outras obras. Importa, todavia, transcrever uma carta de D. Juan de Borja, segundo filho do célebre duque de Gandía (S. Francisco de Borja) mas o primeiro em inteligência e cultura, embaixador de Filipe II em Portugal, para o seu rei: "Yo no acabo de determinarme qué cosa sea ésta de no quererse el Rey casar: por una parte veo que el mayor inconveniente que todos los que tratan de este negocio ponen es la poca gana que el Rey tiene de casarse, y que esto no sé de qué procede, porque en su edad ni les suele faltar estas ganas a los mozos, si non son viciosos (como no lo es el Rey). Por otra parte, dijome la Reina que el Rey estaba muy sano y muy bueno y que había sanado muy bien de aquella su indisposición. Por estotra parte háceme sospechar mal en esta materia lo que el Maestro me dijo hablando de casarse el Rey, diciendo que si alguna cosa le podía hacer mudar la idea que ahora tiene, sería como sentir en si pasiones que le pusieran en peligro de ofender a Dios, porque era tan bueno cristiano y temeroso de Dios que, por salir de este peligro, se casaria. De esto infiero que no tener pasiones en esta edad no es de tener muy sano, porque la virtud no consiste en no tenerlas, sino en vencerlas. Contóme también extremos de su honestidad, que diz que es tanta, que no se sufre tratar delante de él plática de mujeres, aunque sea tan honesto que la traten religiosos. Tiene también este extremo que nadie le ve a la mañana hasta que él solo ha tomado la camisa y vestidose en calzas y en jubón. A mi todo esto me acrecienta la sospecha que de ahí traía".» (pp. 189-190)

Depois de viúva, D. Catarina habitou no Palácio de Xabregas. A infanta D. Maria habitou nas suas casas junto a Santa Apolónia. 

As atitudes desagradáveis de D. Sebastião para com D. Catarina  motivaram o desejo desta de se mudar para Espanha, para isso contactando seu sobrinho Filipe II. O embaixador espanhol em Lisboa propôs, em nome do rei, os lugares de Ocaña ou Talavera para residência, com jurisdição e senhoria. Como a partida da rainha seria vista com desagrado por uma larga parte da nobreza e até do povo, D. Sebastião alterou o seu comportamento em relação à avó, passando a visitá-la com frequência e fingindo aceitar os seus conselhos. Após várias peripécias familiares e diplomáticas, D. Catarina acabou por renunciar à ideia e nunca abandonou Portugal, onde morreu.

Traduzo das páginas 229-230:

«Em 18 de Agosto de 1572 celebrava-se em Paris a boda da Princesa Margarida com o jovem Rei de Navarra, e em 24, dia de São Bartolomeu, realizava-se o horrendo massacre dos huguenotes, que, se não surpreendeu a muitos, consternou, por outro lado, o mundo inteiro, provocando diversas reacções, de acordo com as crenças de cada povo. Em Espanha encontrou aplauso e aprovação unânime. Em Portugal foi festejada com uma procissão geral, missa solene em São Domingos, sermão congratulatório, toque de sinos e iluminações. Dom Sebastião, entusiasmado, mandou a Paris um Embaixador extraordinário, o Comendador Mor de Cristo, Dom Afonso de Lencastre, encarregado de significar a Carlos IX o seu contentamento por tamanha obra, executada com tanto zelo. Esta foi a única oportunidade em que o Monarca português se encontrou de acordo com Filipe II e com a sua política de destruir o protestantismo a ferro e fogo, influenciado não apenas pelo seu indiscutível zelo católico, se não pela recordação dos numerosos jesuítas imolados dois anos antes na costa do Brasil por uma armada de corsários franceses sob o comando do calvinista Jacques Soría, assim como do assasinato de mais treze pelo luterano Juan Capdevilla, ao capturar o navio que conduzia o Governador do Brasil Dom Luís Fernandes de Vasconcelos.»

A morte do infante D. Carlos em 24 de Julho de 1568 não provocou grande dor na Corte mas sim na rainha de Espanha e na princesa D. Joana e também no povo e nas chancelarias estrangeiras. Uma vaga sensação de temor e de respeito se estendeu desde então sobre o reinado de Filipe II, admiravelmente expressa por Frei Luís de Léon no seu magnífico epitáfio ao Príncipe defunto, onde não podem encerrar-se mais conceitos em menos palavras:

"Aqui yacen de Carlos los despojos: la parte principal volvióse al cielo. Con ella fué el valor, quedóle al suelo miedo en el corazón, llanto en leos ojos."

Em publicações anteriores sobre D. Sebastião já nos referimos com algum pormenor à batalha de Alcácer-Quibir. Por isso, não entraremos nos detalhes descritos no presente livro. Mesmo assim, alguns aspectos há que importa mencionar.

No início da página 269 pode ler-se: «La empresa de África! Éste es el hecho que simboliza y recuerda el reinado de Don Sebastián. Todas las faltas de su educación, los defectos de su carácter, la resistencia a contraer matrimonio, el desvío respecto de su abuela, sus ambiciones de gloria, el anhelo indeterminado de asombrar al mundo por valiente y guerrero; lo mismo los pensamientos más elevados del Monarca lusitano, que las insólitas fatigas a que gradualmente iba acostumbrando su cuerpo, todo fué poco a poco cristalizando en un ideal poco definido al princípio, pero hermoso y propio para seducir la imaginación de un mancebo y enardecer los alientos de un nieto de Carlos V: ser capitán de Cristo!». O sonho de África foi sempre a grande obsessão de D. Sebastião, e para tal foi também muito incentivado pelos mais lisonjeadores dos seus vassalos. Interpretando, ou julgando interpretar o sentimento popular, o próprio Camões escreveu:

«Não se aprende, Senhor, na phantasia/Sonhando, imaginando ou estudando,/Senão vendo, tratando e pelejando.» (p. 270)

Animado pelos triunfos de D. Luís de Ataíde, já em 1571 D. Sebastião queria passar à Índia, sendo disso dissuadido pelo cardeal D. Henrique. Por isso, virou-se para o continente vizinho, aspiração inutilmente combatida pelo seu confessor, o padre Luís Gonçalves da Câmara.

«A ideia de ingressar na Liga contra o Turco deslumbrou por um momento a imaginação de D. Sebastião; porém, o combater às ordens de outro general estrangeiro e não poder dirigir a empresa como antes fizera D. João de Áustria, levaram-no a renunciar às suas intenções, ainda que não aos preparativos da Armada, que se suspeitava seria destinada a África.» (p. 271). Aliás, a batalha de Lepanto pusera um termo à grande ofensiva do Império Otomano no Mediterrâneo. Já anteriormente D. Sebastião organizara uma armada que foi destruída em 13 de Setembro de 1573 por uma tempestade que se desencadeou no porto de Lisboa, com tal fúria que ninguém se recordava de outra semelhante, e que desfez a magnífica frota que tantos sacrifícios custara aos portugueses.

Em 1574, D. Sebastião partiu falsamente para o Algarve com um conjunto de navios, e só depois informou Lisboa que se dirigia a Tânger, encarregando da Regência o cardeal D. Henrique durante os mais de três meses em que esteve ausente. 

Aquando da expedição a Alcácer-Quibir, o Escrivão da Puridade Martim Gonçalves da Câmara esperava ficar como Regente, pois era irmão do confessor do rei e gozava de grande influência junto dele, mas as suas aspirações não se concretizaram pois tinha contra si D. Catarina, D. Henrique e grande parte da  Corte.

Desde a expedição a Tânger, quatro validos passaram a gozar de grande influência junto de D. Sebastião: D. Álvaro de Castro, Cristóvão de Távora, Diogo da Silva e Manuel Quaresma Barreto. Fotam estes que com Pedro de Alcáçova Carneiro conseguiram a queda de Martim da Câmara.

Aproximamo-nos do fim deste longo livro, mas ainda falta mais de uma centena de páginas. 

Pelo seu interesse, transcrevo das páginas 297-8, a propósito da doença de D. Sebastião:

«En cuanto al Rey se refería, la impresión de Don Juan de Silva, al verle por primera vez, consistió en encontrale "algo mudado de los defectos que sacó de manos de estos hombres", reconociendóle muy buenas partes naturales y muchas virtudes de Príncipe: "pero su educación fué tan bárbara que no se han descubierto"; al mismo tiempo el Embajador comunicaba a Felipe II una notícia fatal para el êxito de las negociaciones del matrimonio: "Escrita ésta, he sabido que el mal del Rey es de la qualidad de los que tuvo en la niñez, y que no se tiene en poco aunque le encubran; cúranle de noche y hanse hecho juntas secretas de muchos cirujanos de Lisboa." (Carta de D. Juan de Silva para Filipe II, em 20 de Março de 1576)

Con fecha 6 de marzo, días antes de este despacho, había escrito ya Don Juan de Silva al Soberano que creía observar "que todos sospechan que V. Magd tiene poca satisfacción de la persona del rrey y que aquí bate la dificultad", añadiendo después: "Aunque V. Magd no me avía mandado expresamente examinar la sospecha que se ha tenido de la inhabilidad del rrey para tener hijos y la plática sea indeçente, es todavía este artículo tan importante que no quiero dexar de apuntar lo que me parece... Cosa es averiguada no aver el rrey hecho prueba de sí ni intentádolo jamás. Muestra demás desto tanto odío a las mujeres, que aparta los ojos dellas, y si una dama le sirve la copa, busca como tomarla sin tocarle la mano; e jugando un día entero a las cañas, no levanta la cabeza a las ventanas. El aspecto es de hombre muy sano y antes fuerte que defectuoso: Dizen todavía qe tiene en las piernas una frialdad muy grande, y assí las abriga mucho; pero muy buena fuerza debe tener en ellas, porque haze grandes ejercicios a la gineta. Criáronle los de la Compañia afeándole el trato con las mujeres como un pecado de eregia, y bevió aquella doctrina de manos que no haze diferencia de lo que es gentileza y virtud a lo que es ofensa de Dios; y assí sospecho que podría no aver en él este defecto que se teme. - No le parezca a V. Magd que me anticipo a escribir particularidades, aviendo estado aquí tan pocos días, porque todo lo que aquí digo es cosa pública y manifiesta, ni pienso que en mucho tiempo se podrá hazer más averiguación que ésta.»

Como D. Sebastião apenas aceitou tratar do seu eventual casamento quando resolveu passar a África, escreveu Pinheiro Chagas que ele «só decidiu a aceitar mulher quando se preparava para a deixar viúva»! (p. 299)

Foram três os pontos que o embaixador português em Espanha apresentou a Filipe II com vista à conferência de Guadalupe: 1) A realização da visita; 2) o casamento com a infanta Isabel Clara Eugénia; 3) O apoio à expedição a África para a conquista de Larache.

«Deseoso Don Felipe de honrar a su sobrino, dióle desde el primer día el tratamiento de Majestad, título no usado hasta entonces en Portugal y comió con él un día, compartiendo en otro la mesa de Don Sebastián; las conferencias fueran largas, y a ellas  concurrieron el Duque de Alba, con el Prior Don Antonio de Toledo a veces, y Don Cristóbal de Moura, siempre, como intérprete entre ambos Monarcas, aficionándose de tal suerte Don Sebastián al genio y modo de pensar del Gran Don Fernando de Toledo, que, cuando estaba desocupado, llamáble a menudo para conversar acerca de cosas de guerra.» (p. 317)

«Fué el Duque de Alba quien exigió los contingentes extranjeros. Los portugueses peleaban heroicamente en África y en la India cuando se trataba de asaltos o defensas de ciudades y plazas fuertes. Nadie les excedía en aquellas empresas, pero hacía un siglo que no se batían en campo abierto. Los moros, después de la unificación política de Marruecos, conocían el manejo de todas las armas, y, manteniendo la táctica especial de su caballería, habían sido iniciados en los movimientos de la guerra moderna por instructores cristianos, contratados o renegados. No bastaba, pues, la bravura; era indispensable la presencia de capitanes que tuvieran práctica, de veteranos formados en otras campañas para que sirvieran de apoyo a los soldados bisoños. De aquí las pretensiones de Felipe II de que se reclutasen seis mil alemanes y dos mil italianos, pagándoles buenos sueldos.» (p. 323)

«Justamente cuando en el ánimo del hijo de Carlos V batallaban tan generosos sentimientos, vino a descubrirse en París un documento emanado de los Estados Generales de los Países Bajos y dirigido al Rey Don Sebastián, por el que se pedía a éste su intervención para que Filipe II revocase los poderes a Don Juan de Austria, nombrando Gobernador y Capitán General de Flandres al Archiduque Matías, sobre la base de pacificación de Gante. Este importante documento daba lugar a suponer (como después veremos era cierto) culpable inteligencia entre el Rey de Portugal y los rebeldes flamencos, por lo que fué muy grande el disgusto que Felipe II sintió al leerlo, aunque por el momento decidiera disimular sus impresiones.» (p. 350)

Ao saber da decisão de D. Sebastião de efectuar a expedição a África, D. Catarina, que já se encontrava bastante doente, morreu alguns dias depois desta notícia (12 de Fevereiro de 1578).

Perante a obstinação de D. Sebastião, resolveu Filipe II enviar um Grande de Espanha para lhe manifestar a sua hostilidade ao projecto que então estava em marcha.  Foi enviado D. Juan de la Cerda, duque de Medinaceli, figura notabilíssima, para assitir às cerimónias fúnebres de D. Catarina e também para se avistar com o rei português. Um do aspectos da missão do duque referia-se à sucessão de Portugal. Trata-se do primeiro documento em que Filipe II, por meio do secretário Zayas, tratou de tão importante assunto. Escreve o embaixador espanhol D. Juan de Silva: «la conveniencia de que la persona que visitara a Don Sebastián le dijera cuánto aventuraba, no teniendo hijos, en meter su persona en tanto peligro; "porque nos conviene mostrarnos desinteresados de la sucesión deste Reino que los mismos portugueses tienem por nuestra infaliblemente si el Rey faltara sin hijos, a quien dicen que ha de suceder el Cardenal Infante de quien S. M. es heredero forzoso como más propinquo del Rey Don Manuel"» (p. 367)

«El problema de la sucesión del Reino era, en efecto, de tal magnitud, que el propio Don Sebastián llevó el caso al Consejo, donde todos votaron al Cardenal por sucesor; pero al tratar del segundo heredero se dividieron las opiniones, queriendo unos que se escogiera ya y otros que non se privase a Don Enrique de la libertad de hacerlo, quedando aplazado el asunto para nueva reunión. Esta segunda reunión no tuvo nunca lugar, pues Don Sebastián, de acuerdo con Pedro de Alcaçova, que conocía bien el natural orgulloso del Rey, incompatible con los derechos de un sucesor reconocido, se negó en absoluto a volver a tratar del asunto, y así quedó en el aire tan delicada materia.» (p. 368)

O duque de Medinaceli chegou a Lisboa a 7 de Abril, encontrando-se depois com D. Sebastião. Pediu-lhe em nome de Filipe II que suspendesse a expedição ou pelo menos que não fosse ele em pessoa. Com argumentos já utilizados, D. Sebastião recusou em absoluto as pretensões do tio. Em 15 de Abril, D. Sebastião escreveu a Filipe II insistindo na necessidade de ir pessoalmente a África e dando-lhe graças pelos seus bons ofícios. Em 22, o rei português concedeu segunda audiência ao duque de Medinaceli, que nada acescentou à primeira. Em 19, celebraram-se no Mosteiro de Belém as exéquias de D. Catarina. 

Os alemães que vieram para participar na expedição (acompanhados das mulheres, amantes e filhos) eram calvinistas e luteranos, o que causou profundo assombro em Lisboa. Para pelejar em África contra os mouros serviam a D. Sebastião tanto os católicos como os protestantes, ou até o dinheiro dos cristãos novos, o que não se coadunava com a sua defesa da fé católica. 

Uma carta da Junta Revolucionária dos Países Baixos (p. 373) ao rei de Portugal, pedindo-lhe que intercedesse junto de Filipe II para que este livrasse os ditos países dos agravos de Espanha causou a pior impressão no monarca espanhol que, no entanto, disse ao embaixador D. Juan de Silva que se ignorasse a carta.

A expedição a Alcácer-Quibir já foi tratada com algum detalhe em posts anteriores. Convém, contudo, registar algumas notas.

O poderoso Abdel-Malik (Muley Moluco) fizera já várias tentativas para que D. Sebastião o deixasse em paz. Queria agora, enquanto senhor dos reinos de Fez e de Marrocos e depois de todas as atribulações que sofrera, uma vida de tranquilidade e sossego. Por isso transmitira a D. Duarte de Meneses, governador de Tânger, a sua incompreensão pelo facto de D. Sebastião se ter aliado a Muley Mohamed, seu sobrinho, que era tão mouro como ele e inimigo dos cristãos, e ainda por cima não tinha dignidade real pois era filho de uma escrava negra. Por outro lado, D. Sebastião não tinha de recear as tropas otomanas que já não constituíam um perigo. Para estabelecer uma paz duradoura, Abdel-Malik oferecia ao rei de Portugal três fortalezas em África. D. Duarte de Meneses, por ordem de D. Sebastião, considerou as propostas inaceitáveis. Nestas condições, Abdel-Malik dirigiu-se a Filipe II pedindo a sua intervenção. Ele (Abdel-Malik) não consentiria os turcos na Berbéria nem daria ao Sultão qualquer lugar no seu Império, pelo que os reinos da Península estavam seguros contra qualquer ataque otomano. E estava mesmo pronto para auxiliar Filipe II caso este quisesse empreender a conquista de Argel. 

O Rei Católico fez saber ao seu sobrinho que considerava aceitáveis as propostas do soberano marroquino, não compreendendo porque D. Sebastião persistia em ajudar um rei mouro vencido que sempre fora inimigo dos portugueses. Mas o rei de Portugal manteve-se surdo às objecções do tio, invocando falsos pretextos para continuar a preparação da expedição. Abdel-Malik escreveu então directamente a D. Sebastião demonstrando-lhe que era o verdadeiro soberano daquelas terras e que estava disposto a enviar-lhe mensageiros para tratar do assunto. D. Sebastião nem sequer respondeu, pois o que realmente pretendia era um confronto com o Moluco que era um famoso guerreiro que ele pretendia vencer para sua glória. 

A questão do governo durante a sua ausência em África não preocupou muito D. Sebastião. Nem chegou a oferecê-lo ao cardeal D. Henrique com quem andava desavindo, ao contrário do que afirmam alguns historiadores. Escreveu-lhe apenas uma carta em que declarou não querer sobrecarregá-lo com esse trabalho, uma vez que se encontrava adoentado. Por isso, nomeou para o efeito o arcebispo de Lisboa, Pedro de Alcáçova Carneiro, Francisco de Sá e D. João de Mascarenhas. 

Entretanto, começaram a chegar a Lisboa os soldados estrangeiros, alemães, flamengos, italianos e espanhóis que provocaram grande animação mas também confrontos na capital. E até mortos e feridos. D. Sebastião não era muito popular entre os portugueses. Fora O Desejado antes de nascer e depositaram nele muitas esperanças mas a sua conduta não era de molde a entusiasmar o povo. Contudo, nas vésperas da expedição foi suscitado um entusiasmo com a partida, ainda que o alistamento forçado de todos os jovens e homens válidos para a guerra provocasse descontentamento, especialmente na província, que fornecia o maior contingente. Mas D. Sebastião precisava de tropas, pois a ajuda de Filipe II e os soldados que contratara eram manifestamente insuficientes como se veio a provar.

A armada de D. Sebastião saiu de Lagos em 27 de Junho de 1578 e chegou a Cádiz a 28, onde o rei foi recebido com todas as honras, aí permanecendo até 7 de Julho. Nesta data, em a armada zarpou de manhã para Tânger, onde chegou à meia-noite. Muley Xeque, filho de Muley Mohamed, foi a bordo cumprimentar o soberano, tendo o pai, que já se contrava em Tânger, saudado o monarca português no dia seguinte. 

No dia 11, D. Sebastião navegou para Arzila, tendo uma parte das tropas iniciado o percurso a pé, e chegou no dia seguinte àquela cidade. O desembarque do exército começou no dia 14 e terminou no dia 16. O rei poderia ter conquistado facilmente Larache por mar, mas insistiu que o faria a partir de terra, o que não passava de uma falso pretexto. O verdadeiro, e único, objectivo de D. Sebastião era confrontar-se com Abdel-Malik, conhecido por ser um valoroso guerreiro, mas não podia confessá-lo abertamente.

Assim, decidiu marchar para Alcácer-Quibir, esperando encontrar Abdel-Malik (o Moluco) no caminho. Em carta a Filipe II, Juan de Silva, embaixador espanhol em Lisboa e que acompanhava a expedição, escreve que o Moluco enviou um judeu de Tetuão para dizer a D. Sebastião que entregava aquela cidade, Larache e também o cabo de Gué com vista a travar o início das hostilidades. E mais: que o alcaide Alcácer-Quibir dispunha de poderes para negociar. Mas o rei impediu qualquer negociação e procurou ocultar dos seus próximos aquela proposta de paz. 

Entretanto começavam a escassear os víveres e as tropas passavam fome, sendo difícil o reabastecimento. E havia confusão nas tropas. O início da marcha foi marcado para o dia 29 mas devido a novas indicações sobre o forte exército do Moluco, D. Sebastião, desta vez pressionado mesmo pelos seus mais íntimos, admitiu regressar a Arzila. Todavia a armada portuguesa já havia abandonado a cidade, o que, intimamente, só agradou a D. Sebastião, visto a única solução ser prosseguir na caminhada. 

O capitão espanhol Francisco Aldana, que se encontrava ao serviço da expedição, entregou a D. Sebastião uma carta do duque de Alba e o elmo com que Carlos Quinto entrara vitorioso em Tunis. O rei levava também a espada de D. Afonso Henriques, que havia requisitado à igreja de Santa Cruz de Coimbra, mas que foi, providencialmente, esquecida na embarcação real, tendo sido assim evitada a sua perda. Reiniciou-se a marcha no dia 1 de Agosto e D. Sebastião decidiu travar a batalha no dia 4. Muley Mohamed, que dispunha de informações confidenciais dos seus fiéis que permaneciam em Marrocos, tentou impedir o rei, pois sabia que o Moluco estava gravemente doente (talvez tivese sido envenenado) e que após a sua  morte seria muito mais fácil derrotar o exército marroquino. É claro que D. Sebastião não lhe deu ouvidos, pois o que ele queria era derrotar o Xerife vivo, o resto não lhe importava.

Sobre a batalha, a morte do rei, a sua sepultura, transferência do corpo para Ceuta e trasladação para Lisboa já se comentou em posts anteriores. Em 1582, tendo Filipe II decidido essa trasladação, a cargo do duque de Medina Sidónia, D. Álvaro Pérez de Guzmán, o corpo chegou a Faro. Daí o cortejo passou por Tavira e Beja tendo chegado a Évora no dia 9 de Dezembro, onde foi recebido com grande solenidade pelo arcebispo, D. Teotónio de Bragança. Na manhã do dia 11 seguiu o féretro para Lisboa, onde o corpo recebeu sepultura no Mosteiro de Santa Maria de Belém, com a presença de Filipe II e do cardeal arquiduque Alberto de Áustria.

A batalha de Alcácer-Quibir ficou conhecida na história de Marrocos por "Batalha dos Três Reis", já que nela morreram D. Sebastião, Muley Mohamed (que se afogara ao fugir do campo de batalha) que fora destronado por Abdel-Malik e o próprio Abel-Malik.

Apesar dos maus presságios em Lisboa, a notícia da tragédia só foi confirmada por uma carta confusa de D. Leónis Pereira, capitão de Ceuta, enviada a Pedro de Alcáçova, e imediatamente se reuniram os governadores em Conselho. Mas ainda se ignorava a extensão do desastre ou se o rei estava vivo ou morto. Os governadores chamaram secretamente o cardeal D. Henrique, herdeiro presuntivo do trono, que se encontrava em Alcobaça, para que se encarregasse do governo, até que se recebessem notícias a confirmar a morte de D. Sebastião. Apesar da confidencialidade, a notícia rapidamente se espalhou por Lisboa e pelo país, provocando o maior pânico e a maior consternação. Mas só a 24 chegaram cartas confirmando a derrota, decidindo então o cardeal e os ministros dar conta dela à população. A notícia chegou a Madrid no dia 10 de Agosto, através de um correio despachado pelo duque de Medina Sidónia, encontrando-se Filipe II no Escorial. 

Porque este texto já vai demasiado longo, não referirei toda a acção diplomática de Filipe II no sentido de concretizar a velha ambição de ligar a Espanha a Portugal sob o mesmo soberano, já que D. Henrique estava velho, além de ser cardeal (embora o papa o pudesse dispensar dos votos, como fez ao cardeal arquiduque Alberto). 

As dúvidas sobre a morte de D. Sebastião, também motivadas pela fuga de um jovem cavaleiro português (Diogo de Melo, segundo Frei Bernardo da Cruz) que escapara da batalha e se refugiara em Arzila fazendo-se passar pelo rei para lhe abrirem as portas (engano logo desfeito), alimentaram, até hoje, a lenda do "Sebastianismo". Durante o reinado de D. Henrique, os patriotas permaneceram na expectativa. Mas depois das Cortes de Tomar e da proclamação de Filipe II ressurgiu com ímpeto a ideia de que o monarca vencido em Alcácer-Quibir continuava vivo. Uma ideia baseada nos escritos proféticos dos sapateiros Simão Gomes e Gonçalo Anes de Bandarra, que ganharam grande popularidade. Durante anos apareceram quatro falsos D. Sebastião, conforme narrado em post anterior.

«La figura de Don Sebastián, no obstante la corta duración de su reinado efectivo, ha sido la predilecta de cronistas, historiadores y comentariastas, hasta el punto de poder afirmarse que ningún Rey portugués mereció nunca tanta atención y estudio por parte de investigadores y eruditos. » (p. 431)

FIQUEMOS POR AQUI, que já muito se escreveu. Este livro e o do professor Queiroz Velloso, são fundamentais para o conhecimento de D. Sebastião, sobre quem nunca tudo terá sido escrito. Um rei que pela sua alucinação, vaidade, ambição e teimosia arrastou o pais para uma das maiores tragédias da sua história mas que, apesar de tudo, continua a ser objecto de estudo e mesmo de veneração por parte dos portugueses.