sexta-feira, 5 de maio de 2023

A HOMOSSEXUALIDADE DE FERNANDO PESSOA

Com o auditório repleto, foi hoje (aliás ontem, atendendo à hora a que escrevo) apresentado, na Casa Fernando Pessoa, o livro A Homossexualidade de Fernando Pessoa, de Victor Correia, que se tem dedicado a estudar este aspecto da vida do Poeta.

A obra foi apresentada pelo prof. Helder Bértolo e pelo escritor Fernando Dacosta, com uma intervenção final do autor, que sustenta a tese de que Fernando Pessoa teria sido homossexual, no que foi acompanhado pelos restantes membros da mesa.

Aliás, as grandes biografias pessoanas apontam nesse sentido. A mais antiga, a de João Gaspar Simões (1950), que ainda conheci pessoalmente, não valoriza esse aspecto, mas em contactos que tive com ele, nos anos 80, deixou-me entender que admitia que fosse essa a inclinação do Poeta. Também a biografia escrita por António Quadros (1981 e 1984) permite entrever essa possibilidade. Tendo sido amigo pessoal de António Quadros, abordei uma vez o tema, em conversa com ele, inferindo que, ainda que o assunto não lhe interessasse especialmente, pensava que Pessoa se tinha sempre sentido mais perto dos homens do que das mulheres. A última grande biografia publicada, a de Richard Zenith (2022) aponta nitidamente nesse sentido.

A obra de Fernando Pessoa (ortónimo ou heterónimo) fornece-nos todas as pistas para detectar uma inclinação homoerótica, em alguns casos bem explícita. Também a vida de Pessoa, ainda que até ao momento não se tenham descoberto quaisquer testemunhos de ligação física, convida-nos a pensar que o seu perfil se identifica com o de um homossexual. Os seus amigos mais chegados, Mário de Sá-Carneiro, António Botto, Raul Leal, eram homossexuais, exibindo nas suas obras a exaltação do amor masculino.

Creio poder afirmar-se hoje, sem margem de erro, atendendo a tudo o que se conhece da vida e da obra de Fernando Pessoa, que ele foi um ente homossexual, pelo menos em espírito. Quanto a relações físicas nada se sabe  e talvez nunca alguma coisa se venha a saber. Convém não esquecer, contudo, que Pessoa era extremamente reservado quanto à sua vida privada, a que não tinham acesso nem os seus amigos mais íntimos. O Poeta viveu larga parte da sua vida em quartos alugados, alguns dos quais com porta independente. Nunca ele permitiu que algum amigo o visitasse. Mas ignoramos se levava alguém a sua casa. Nada mais fácil, naquele tempo e mesmo no nosso, até há uns vinte ou trinta anos, do que convidar um jovem empregado de restaurante ou café (e Pessoa conhecia bem os cafés de Lisboa) para uma rápida incursão nocturna. Praticamente ninguém recusava, nem que fosse a troco de parca quantia. Ainda não existiam as redes sociais e os sites de relacionamento sexual também não tinham sido inventados. E Lisboa, como Raul Brandão escreveu mas suas Memórias, foi sempre «como Nápoles» uma cidade especialmente vocacionada para esse género de actividades. Vinham longe os tempos actuais de puritanismo hipócrita, falsos assédios e discutíveis violações. E ninguém se lembrava de perguntar pela data de nascimento no bilhete de identidade (também não havia cartão de cidadão) antes de convidar alguém para a cama. 

Poderia suscitar-se a velha questão, que opôs Proust a Sainte-Beuve, quanto à relação do homem com a obra. Eu estou com Sainte-Beuve e entendo que a tese de Proust não passou de um álibi para si mesmo. 

Poderia continuar a discorrer sobre a sexualidade de Fernando Pessoa, mas é preferível que os interessados leiam a sua obra e estudem a sua vida.

1 comentário:

Anónimo disse...

Depois de ler o "Antinous" e o "Soneto já Antigo", "Olha Daisy,quando eu morrer",não restam muitas dúvidas,pelo menos quanto à teoria. Quanto à prática,provavelmente nunca nada se saberá. É a vida