sábado, 10 de dezembro de 2022

A HISTÓRIA DA RÚSSIA

Adquiri há algumas semanas o livro A História da Rússia, de Orlando Figes, publicado recentemente e cuja edição original, The Story of Russia, é de Setembro passado.

Propõe-se o autor traçar um panorama da evolução da Rússia, desde os primórdios até ao momento actual, não exactamente segundo uma rigorosa cronologia mas antes sobre as épocas que modelaram a Rússia de hoje.

Está, evidentemente, fora de questão, proceder aqui a um resumo do livro, pelo que indicarei apenas alguns aspectos que suscitaram particularmente a minha atenção. 

O autor começa por abordar as origens da Rússia, sobre as quais existem inúmeras divergências, e refere a Crónica Primária, obra compilada pelo monge Nestor e outros monges de Kiev durante os anos de 1110.  Segunda ela, em 862 as tribos guerreiras eslavas do Noroeste da Rússia concertaram-se para convidar os Rus, ramo dos Vikings, a governá-los. Vieram três príncipes irmãos, de que sobreviveu Rurik, que governou Novgorod, a mais importante das cidades comerciais do Norte, e a quem sucedeu Oleg, que conquistou Kiev, estabelecendo a Rus de Kiev, o primeiro Estado "russo". No século XVIII, Mikhail Lomonosov sustentou que os Rus eram eslavos do Báltico, descendentes da tribo Roxolani iraniana, cuja história remontava à Guerra de Tróia, contrariando Gerhard Müller, que afirmava que os Rus eram escandinavos, eventualmente suecos. 

A polémica sobre as origens da Rússia continua ainda hoje, e é conhecida como Controvérsia Normanda (porque os Vikings eram normandos), e tem uma alta carga política e ideológica, já que se trata de saber se a Rússia foi criada por russos ou por estrangeiros. As discussões prosseguiram, perdendo força a tese normanda (que identificava os Vikings como "germanos"), considerada inadmissível no tempo de Stalin. Os russos seriam necessariamente eslavos. Não é possível descrever aqui os pormenores desta magna questão, devendo notar-se que Vladimir, grão-príncipe de Kiev ( 980-1015) converteu os russos ao cristianismo, estreitando as relações com o Império Bizantino. Assim, a Rus entrou na órbita da Igreja Ortodoxa. Sobre a relação entre a Rússia e o Patriarcado de Constantinopla, e o futuro Patriarcado de Moscovo, seria necessário escrever dezenas de páginas. Na página 40 está escrito que Yaroslav, filho de Vladimir, reinou entre 1019 e 1014, o que é obviamente impossível. Ele reinou até 1054. Aliás, a tradução é deficiente, talvez por ter sido feita com muita rapidez, suponho, por questão de oportunidade. Por exemplo, na página 41 figura "inconóstase", em vez de "iconóstase".

Sobre a invasão mongol, a "Hora Dourada", está escrita na página 51 uma frase que me suscita outras memórias. O sublinhado é meu. «Em Riazan, primeira cidade que saquearam, os Mongóis "queimaram a cidade santa com toda a sua beleza e riqueza", segundo o Conto da Destruição de Riazan por Batu. "E as igrejas de Deus foram destruídas e muito sangue derramado sobre os altares sagrados. E nem um só homem ficou vivo na cidade. Todos morreram... E não havia sequer quem chorasse os mortos

Com a invasão mongol, os príncipes e boiardos russos ficaram submetidos ao Canato da Horda Dourada. Em 1252, Alexandre Nevsky (que derrotara os suecos no rio Neva, donde recebeu o nome), foi nomeado por Batu grão-príncipe da cidade de Vladimir, a mais importante após a queda de Kiev. 

[Sobre essa vitória deve ver-se o filme Alexandre Nevsky, de Sergeï Eisenstein. Sobre o grande pintor religioso Andreï  Rublev, deve ver-se o filme homónimo de Andreï Tarkovsky]

«As primeiras muralhas e igrejas do Kremlin de Moscovo foram erigidas por volta desta altura - as muralhas por ordem do Grão-Príncipe Demétrio em 1366-67. Mais de 50 000 metros cúbicos de pedra foram trazidos de pedreiras longínquas por enormes equipas, muito maiores de que a mão--de-obra que qualquer soberano europeu conseguiria reunir para um projeto daquele tipo. A construção do Kremlin era um símbolo do poder em Moscovo. Era, também, resultado de um novo acordo com a Igreja, que se aliou à causa de Moscovo como centro de poder nacional para libertar os ortodoxos do domínio mongol. A aliança tivera início em 1352, quando o metropolita de Kiev e Toda Rus, Pedro II, mudou a sé de Vladimir para Moscovo a pedido de Ivan Kalita [Ivan I]. Para assinalar a mudança, logo Ivan ordenou a construção da Catedral da Dormição no Kremlin, a primeira igreja de pedra dentro das muralhas.» (p. 59)

«São três as principais correntes de opinião na Rússia. Na maioria das versões o impacto mongol foi totalmente negativo. [...] Segundo esta narrativa, os Mongóis são culpados de tudo o que fez a Rússia atrasar-se. [...] Uma segunda corrente foi introduzida por alguns eslavófilos, nacionalistas do século XIX que se opunham a que a Rússia seguisse o modelo de desenvolvimento ocidental. Reconhecendo, embora, o impacto destrutivo dos Mongóis na Rússia, viam na ocupação mongol um período com alguns elementos positivos para a fundação do futuro Estado russo. Em particular, o isolamento da Rússia em relação ao Ocidente ter-lhe-ia permitido preservar a herança bizantina, a antiga cultura eslava e a fé ortodoxa, incólumes às tendências seculares e individualistas do humanismo renascentista da Europa. Uma terceira corrente, mais generalizada, negava que os mongóis tivessem tido qualquer influência: chegaram, aterrorizaram e saquearam, mas depois partiram sem deixar vestígio. [...] Essa continua a ser a perspectiva dominante na inteligência europeizada, que vê uma Rússia virada para o Ocidente.» (pp. 62-3)

Há muitos nomes famosos na história da Rússia que são de origem tártara ou asiática: «autores (Karamzin, Chaadaev, Turgueniev, Bulgakov), compositores (Rimsky-Korsakov), czares (Boris Godunov) e revolucionários (Bukharin)». (p. 64) 

«Foi no Norte e Leste da Rússia, o domínio da Moscóvia, que os legados do domínio mongol mais perduraram. No Sul e no Oeste, correspondentes á Ucrânia e à Bielo-Rússia, a autoridade mongol era mais fraca e cedeu mais cedo, pois muitos desses territórios foram atraídos para a Polónia e a Lituânia desde o início do século XIV. Em certa medida, a maior liberdade em relação à influência mongol colocou as terras de Kiev numa trajetória histórica diferente da Moscóvia. As terras quievanas orientavam-se mais para o Ocidente, e estavam menos expostas as instituições da autocracia patrimonial. Ma esse contraste não foi tão grande que justifique as afirmações dos nacionalistas ucranianos de hoje, nomeadamente, de que a Rússia se tornou despótica e asiática, e o seu povo servil, devido ao "jugo tártaro", enquanto os Ucranianos sempre foram amantes da liberdade e mais "europeus", por não terem sido governados pelos Mongóis. Este tipo de distinções pertence à mitologia nacionalista, embora, evidentemente, à semelhança de muitos mitos, haja nela elementos de verdade.» (p. 70)

[Alguns períodos afiguram-se-me ortográfica e sintácticamente estranhos, com palavras grafadas com inicial maiúscula umas vezes, minúscula outras, mas não possuo o original inglês. Transcrevo como está no texto.] 

«No dia 16 de Janeiro de 1547, o grão-príncipe de Moscovo, Ivan IV, tornou-se o primeiro czar e autocrata de toda a Rússia. Ivan, o Terrível, como é mais conhecido, tinha apenas 16 anos quando foi coroado na Catedral da Dormição, a principal igreja do metropolita de Moscovo, Macário, chefe da Igreja Russa.» (p. 71)

«Coroá-lo como czar foi igualmente importante para a missão de Macário de promover Moscovo como derradeira e genuína sede da fé cristã, herdeira de Bizâncio após a conquista de Constantinopla pelos Turcos.[...] Em 1448, numa declaração de independência em relação a Constantinopla, os bispos russos assumiram a missão de nomear Iona de Riazan como seu metropolita, um cargo cuja nomeação cabia normalmente ao patriarca de Constantinopla. A queda da capital bizantina, cinco anos depois, convenceu os Russos de que tinham feito bem em criar uma igreja nacional independente. Essa convicção cimentou-se em 1458, quando a Lituânia cortou relações religiosas com Moscovo, e colocou a sua população ortodoxa sob a autoridade espiritual da Igreja Uniata de Roma.» (p.74)

«Moscovo tornara-se a derradeira capital da verdadeira fé, defendia Filoteu [um monge], "pois duas Romas caíram, a Terceira perfila-se, e não haverá uma quarta".» (p. 75)

[Sobre o carácter sagrado da pessoa do czar deve ler-se Les Deux Corps du roi, de Ernst Kantorowicz]

«O nome dos Cossacos derivava da palavra túrquica qazaqi, que significava "aventureiros" ou "soldados errantes", que viviam em liberdade como bandidos da estepe. Muitos dos cossacos eram remanescentes do exército mongol (Tamerlão começara como qazaq).» (p. 82)

«A conquista de Kazan [1552] foi celebrada como uma vitória providencial para os ortodoxos, a primeira sobre o islão desde a queda de Constantinopla, quase cem anos antes. A Igreja Russa definiu-a como o início de uma cruzada e exigiu a conversão forçada dos infiéis muçulmanos.» (p. 83)

«Quatro anos mais tarde, em 1556, os russos conseguiram nova vitória, desta vez contra o Canato de Astracã. Para comemorar a sua vitória, o czar ordenou a construção de uma nova catedral na Praça Vermelha de Moscovo, assim chamada porque a palavra para "vermelho" (krasny) deriva da palavra para belo (krasivyi). A Catedral da Intercessão da Virgem tornar-se-ia conhecida popularmente por São Basílio.» (pp. 83-4)

«Ivan tornou-se "o Terrível" - no sentido em que entendemos hoje - só em inícios do século XVIII. O epíteto (grozny) foi-lhe aplicado pela primeira vez em inícios do século XVII, altura em que começava a desenvolver-se um rico folclore acerca do czar. Ao tempo, o sentido da palavra estava mais próximo de assombroso e formidável do que de cruel ou brutal, ou seja, era basicamente positivo. No folclore, Ivan era retratado como um czar poderoso, guardião da justiça, que tinha protegido o povo punindo os boiardos por seus pecados. Seria só um século mais tarde, depois de os historiadores estudarem mais atentamente o terror por ele desencadeado, que as palavras Ivan, o Terrível, se tornaram sinónimo de execuções, tortura, massacres bárbaros e uma tirania ensandecida e monstruosa que a razão mal consegue explicar.» (p. 88)

«Durante os vinte e cinco anos subsequentes [depois da morte de Ivan IV(1584)] a Rússia seria dilacerada por guerras civis e invasões estrangeiras - um Tempo de Dificuldades (smutnoe vremia), como ficaria conhecido, que só cessaria com a "eleição" do czar Mikhail Romanov e a fundação da sua dinastia em 1613. Mas nem todas as dificuldades da Rússia terminaram aí. Ao longo do século seguinte, âmbito deste capítulo, a autoridade do Estado foi abalada por uma série de rebeliões. Elas revelavam a dificuldade de afirmação da autoridade do czar aos olhos do povo, que só acreditava numa monarquia que representasse os seus ideais utópicos.» (p. 95)

«O problema começara à morte de Ivan com as pretensões concorrentes de seus dois filhos, Fedor e Demétrio, ao trono. Como filho mais velho, foi Fedor [1584-1605] o sucessor, mas era demasiado débil mentalmente para as tarefas de governação, que foram entregues a Boris Godunov, irmão da sua mulher. Descendente de um príncipe tártaro, Godunov juntara-se aos oprichniki de Ivan e ascendera a uma posição de destacado boiardo na sua corte. Enquanto um dos quatro regentes do czar Fedor, deu provas de hábil governante. Mas desde o início que teve de enfrentar a oposição do corregente príncipe Vasily Shuisky (neto do Shuisky executado por Ivan IV), descendente dos ruríquidas, que desprezava como arrivista esse Godunov de "baixo nascimento". Os relatos sobre a morte de Demétrio, então com 3 anos, num acidente de barco em 1591 [estas datas devem estar erradas], desencadearam rumores de assassinato a ordens de Boris Godunov. Os rumores aumentaram de tom depois da morte de Fedor, quando a Assembleia da Terra elegeu Godunov como novo czar.» (p. 95-6)

«O povo considerava que a fome era castigo de Deus contra a Rússia e o seu maléfico czar Boris. Começaram a circular lendas populares sobre a reaparição do "verdadeiro czar Demétrio". Em certas versões, Demétrio não tinha morrido, tinha sobrevivido. Noutras, ressuscitara como Jesus Cristo, para libertar a Rússia do czar usurpador e salvar o povo da servidão. Esse homem apareceu em 1604, um rapaz carismático de 22 anos, provavelmente um monge excomungado chamado Gregório Otrepov, que dizia ser Demétrio. Apoiado pelos Polacos para que conquistasse a Rússia através de uma revolta popular, foi ajudado (e manipulado) pelos clãs boiardos que se opunham a Boris Godunov.» (p. 96)

[Sobre Boris Godunov deve ler-se o famoso romance homónimo de Pushkin e deve ver-se (e ouvir-se) a famosa ópera homónima de Mussorgsky.]

«Ali estava, bem patente, a fundamental instabilidade da monarquia russa. A autoridade do czar baseava-se no mito do seu estatuto divino, de agente de Deus para governar a Santa Rússia, sé derradeira da verdadeira fé ortodoxa, segundo a ideologia da Terceira Roma. No imaginário religioso popular, sempre um bom cadinho para ideologias políticas, a Rússia era a terra da salvação, uma nova Israel onde a liberdade, verdade e justiça seriam dadas ao povo pelo santo czar. Como escreveu Mikhail Bakunin, revolucionário do século XIX, "o czar é o ideal do povo russo, uma espécie de Cristo russo". O "czar-paizinho" ou czar-batiushka, era celebrado no folclore como protetor do povo, o vingador dos males causados pelos boiardos. Pela lógica deste sistema, se atuasse como "czar-atormentador" (czar-muchitel), os ortodoxos podiam opor-se-lhe como "falso czar", talvez um Anticristo enviado por Satã para pôr fim à soberania de Deus na Santa Rússia, e precipitar a destruição do mundo. O fator central na autoridade do czar - a sua pessoa divina plasmada no mito do Santo Czar - podia, portanto, ser virada contra ele próprio se as suas ações não correspondessem às expetativas do culto sagrado do seu povo.» (p. 97)

«Em Abril de 1605, estando as forças do falso Demétrio acampada perto de Moscovo, Boris Godunov morreu. O exército depressa se passou para o lado dos rebeldes. Com o apoio dos clãs boiardos, o pretendente entrou em Moscovo e foi coroado Czar Demétrio, o único czar posto no trono por uma revolta popular. As esperanças depositadas em Demétrio logo foram traídas. Começaram a correr rumores de que bebia demais e vivia em deboche. A sua corte estava cheia de nobres polacos. As suspeitas de que fosse católico aumentaram quando anunciou a intenção de casar com uma mulher polaca sem exigir a prévia conversão à Igreja Russa. Em maio de 1606, uma força boiarda chefiada por Shuisky invadiu o Kremlin e assassinou Demétrio. Shuisky foi coroado com o nome de Basílio IV.» (p. 97-8)

Basílio IV foi deposto em 1610, tendo-se seguido um período conturbado de guerra civil, com interferência de suecos e polacos. Em Fevereiro de 1613, a Assembleia da Terra elegeu como czar Mikhail Romanov, um jovem de 16 anos, filho de Filaret (Fedor Romanov), patriarca ortodoxo de Moscovo. Começava a Dinastia dos Romanov, que reinou na Rússia até 1917.

Em 1682, subiu ao trono (com 10 anos) Pedro I, o Grande, neto de Mikhail Romanov e filho de Alexei Romanov. Por morte deste, sucedeu-lhe seu filho mais velho Fedor II [e não Fedor III, como vem no livro, p. 119], que morreu em 1682. Por morte de Fedor, foram coroados czares, seu irmão Ivan V e seu meio-irmão Pedro I, ficando a irmã Sofia como regente, dado serem ambos menores. Sendo Ivan doente (morreu em 1696), Pedro assumiu a governação sozinho depois de exilar a irmã Sofia que pretendia governar a Rússia.

«Até ao século XVIII, os Russos seguiram o costume bizantino de contar os anos desde a criação do Mundo, um evento que criam ter ocorrido 5508 anos antes do nascimento de Cristo. Mas em dezembro de 1699, o czar Pedro decretou a reforma do calendário. A partir dali, os anos deveriam ser numerados a partir do nascimento de Cristo, "ao modo das nações cristãs europeias", começando em 1 de janeiro de 1700 (7209 no antigo sistema). Para celebrar o nascimento do novo século, Pedro organizou uma magnífica cerimónia com fogo-de-artifício, salvas simultâneas de 200 canhões, e cuspidores de fogo na praça em frente à Catedral da Dormição, no Kremlin. Por decreto, os moscovitas receberam ordens de se juntarem às festividades decorando as fachadas de suas casas, rapando a barba, e trocando os cafetãs tradicionais por vestes ocidentais ("alemãs" ou húngaras"), segundo o modelo dos manequins dispostos nas praças da cidade para sua orientação.» (p. 121)

«A partir de 1696, Pedro viajou incógnito por toda a Europa do Norte para ver com os seus próprios olhos aquilo de que a Rússia precisaria para se tornar uma potência militar no continente. Foi o primeiro soberano reinante russo a visitar o estrangeiro. Na Holanda, Pedro Mikhailov (como o czar se apresentava), trabalhou como carpinteiro naval. Em Londres, visitou o observatório de Greenwich, o arsenal de Woolwich, a Casa da Moeda e a Royal Society. Em Königsberg estudou artilharia.» (p. 123)

«Os Russos lançaram uma segunda campanha em 1701, ano em que os Suecos estavam ocupados com outra guerra contra a Polónia. Capturaram a Fortaleza de Nöteborg (que os Russos baptizaram com o nome Shlisselburg), localizada estrategicamente na desembocadura do rio Neva no lago Ladoga. Também conquistaram a ilha de Kotlin (rebaptizada Kronstadt, também ao estilo alemão), que, com Shlisselburg, garantia a defesa de São Petersburgo (pronunciado "Sankt Piterburg", outro nome de fonia alemã), a cidade fundada por Pedro no local onde o rio Volga desagua no mar Cáspio [SÃO PETERSBURGO NO MAR CÁSPIO NA FOZ DO VOLGA ?????????? Alguma coisa não bate certa!!!!!!!!!] fazendo a Rússia a principal rota entre Ásia e Europa.» (p. 124)

«Quando chegaram a Poltava, em 27 de Junho de 1709, já as tropas invasoras estavam demasiado débeis e exaustas para enfrentarem o exército russo modernizado que ali lhes deu combate. Os Suecos sofreram uma derrota esmagadora, e Carlos [XII], ferido, fugiu para território turco na outra margem do Dniepre. Os Russos aproveitaram a oportunidade. Viraram para noroeste, capturaram Riga, e dali avançaram a conquistar todas as possessões suecas no Báltico. A Grande Guerra do Norte, como ficou conhecida, arrastou-se durante doze anos. Os Russos atacaram os Suecos na Finlândia e realizaram uma série de incursões navais, saqueando e incendiando cidades ao longo do litoral sueco, e chegando a ameaçar a própria Estocolmo. Os Suecos viram-se forçados a pedir a paz, e assinaram o tratado de Nystad (1721), pelo qual cediam à Rússia os seus territórios bálticos.» (p. 125)

Em 1721, o czar Pedro I assumiu o título de Imperador.

«A adopção do título de "Imperador" por parte de Pedro acarretou uma mudança no próprio nome da Rússia. Anteriormente, o país fora conhecido como Rus, um apelido comum para a pátria étnica dos Russos (russkie). Pedro adicionou o termo helénico Rossiia, que viria a substituir Rus como nome do Estado russo. O nome Rossiia pretendia traduzir uma identidade imperial a unir todos os súbditos do Império Russo, independentemente de etnia ou nacionalidade, embora numa hierarquia racial que privilegiava aquelas nacionalidades (alemães do Báltico, Russos, etc.) mais próximos da liderança do Império. O Império era a Rossiiskaya (adjectivo derivado de Rossiia), ou, por vezes, Vserossiiskaya (significando "Omni-Russa"), mas nunca Russkaya (de Rus), um adjectivo aplicado ao povo russo (russkii narod), à língua russa (russkii yazik) e à Igreja russa (russkaya tserkov), mas nunca às instituições do Estado. Se Moscovo era a antiga capital da Rus, a "mãe de todos os russos", como Tolstoi escreveu em Guerra e Paz, Petersburgo era a capital da Rossiia, o centro administrativo de um império multiétnico que se estendia do Báltico ao Pacífico.» (pp. 127-8)

«No cerne deste governo imperial estava um novo conceito de Estado russo. Antes do Código de 1649, ele era tido como património pessoal do Estado. O conceito de Estado (gosudarstvo) era inseparável da pessoa do Czar (gosudar), que governava a Rússia como domínio seu. O Código assinalara um corte com essa conceção pessoal para a de um reino de primado da lei. Mas Pedro foi o primeiro czar a pensar o Estado como uma maquinaria impessoal cujo objetivo era servir o bem comum ou a comunidade. Bebera essa ideia nos ideólogos, juristas e governantes cameralistas alemães que atribuíam ao Estado um papel ativo e modernizador de servir o bem comum através da imposição da ordem e da dinamização da economia com práticas políticas assentes em delegação de responsabilidade e conhecimento pormenorizado da sociedade. [...] Como outros Estados absolutistas, o de Pedro regulamentava cada aspecto da sociedade. Criou colégios ou ministérios, nove para começar, em 1718, responsáveis pelas principais áreas da prática política (Negócios Estrangeiros, Guerra, Marinha, Justiça, Comércio, Manufatura e assim por diante).  Em 1721, alargou o controlo estatal aos assuntos da Igreja com a criação do Santo Sínodo, um órgão do clero sob o seu controlo, a substituir o patriarca independente. Isto significava a erradicação do conceito bizantino de sinfonia entre Igreja e Estado em que se baseara a filosofia política da Rus de Kiev e de Moscóvia. O czar era agora a única autoridade.» (pp. 128-9)

«Pedro, o Grande, divide os russos como nenhuma outra figura da sua história. Os eslavófilos insistem em que colocou a Rússia num caminho errado: seguir o Ocidente e importar uma cultura materialista só seria possível a expensas do caráter nacional, e dos valores e tradições espirituais que distinguiam a Rússia da Europa. Mas para a inteligência ocidentalista, que buscava na Europa valores e ideais, o czar estabeleceu uma nova pátria-mãe, a Rússia petrina, única que lhes merece crédito. Esta posição foi enunciada por Vladimir Soloviev, filósofo do século XIX, que defendia que Pedro salvara a Rússia de se tornar "puramente asiática": "Tudo o que de bom e original temos tido na esfera do pensamento e da criatividade emergiu unicamente em resultado das reformas petrinas; sem elas, não teríamos tido nem Pushkin, nem Glinka, nem Gogol, nem Dostoievsky, nem Turgueniev, nem Tosltoi".» (p. 133)

«"A Rússia é um estado Europeu." Assim escreveu Catarina na frase de abertura do seu tratado mais importante, o Nakaz ou "Instrução à Comissão Legislativa", a quem foi confiada em 1767 a missão de escrever um novo Código de Leis.» (p. 141)

«O plano de desenvolvimento da Rússia como potência meridional começara em meados dos anos de 1760, quando os territórios ucranianos, em tempos governados pelo atamanato cossaco, foram transformados em províncias do Império Russo administradas por governadores militares. Mas o projeto meridional só arrancou dez anos depois, quando Catarina colocou o seu amigo íntimo e antigo amante, príncipe Gregório Potemkin à frente da Nova Rússia, os territórios escassamente povoados recém-conquistados aos otomanos no litoral norte do mar Negro, com instruções para a colonizar. Alemães, polacos, italianos, gregos, búlgaros e sérvios fixaram-se nessas terras. Ali foram erigidas novas cidades - Ekaterinoslav, Kherson, Nikolaev e Odessa -, muitas delas construídas segundo o estilo rococó francês e italiano. Potemkin supervisionou pessoalmente a construção de Ekaterinoslav (que significa "glória de Catarina") como uma fantasia greco-romana para simbolizar a herança clássica que ele e os outros apoiantes do projeto grego sonhavam para a Rússia. Foram construídas lojas em círculo como no Propileu de Atenas; a casa do governador parecia um templo grego, e os tribunais, uma basílica.» (p. 144)

«O auge da política do mar Negro foi a anexação da Crimeia em 1783. Nos termos do tratado de Kuchuk Kainarji, o Canato da Crimeia tornara-se independente dos Otomanos. Três anos depois, foi eleito um novo cã, Sahin Giray, apoiado pela Rússia. Embora gozasse do apoio da substancial população cristã da Crimeia, Sahin era rejeitado pelos Otomanos, que encorajaram os tártaros da Crimeia a revoltarem-se contra o "infiel" Sahin, e enviaram uma frota com um cã de sua escolha para o substituir. Cristãos e Tártaros cedo se envolveram numa guerra religiosa. Cometeram-se atrocidades horríveis de ambos os lados, levando a Rússia a evacuar cerca de 30 000 cristãos para as cidades costeiras do mar Negro. A saída dos cristãos debilitou fortemente a economia crimeana. Sahin ficou dependente dos Russos, que o persuadiram a abdicar, e depois lançaram uma rápida invasão para afirmarem a soberania sobre a península contra os Turcos. Obrigados a submeter-se à soberania russa, os tártaros da Crimeia juntaram-se aos mullahs nas suas mesquitas e juraram lealdade sobre o Corão à sua nova imperatriz, a 2 500 quilómetros de distância.» (pp. 144-5)

«A simpatia de Catarina pelas ideias do Iluminismo quebrou-se irremediavelmente com a Revolução Francesa de 1789. "Haveis tido razão ao não desejardes ser contado entre os filósofos", escreveu ela a Grimm no auge do terror jacobino de 1794, "pois mostrou a experiência que tudo isso conduz à ruína; não importa o que digam ou façam, o mundo nunca deixará de necessitar de autoridade. Melhor é suportar a tirania de um homem do que a insanidade da multidão".» (p. 146)

«"Que nós Russos sejamos Russos, e não cópias dos Franceses", escrevia a Princesa Dashkova, presidente da Academia Russa. "Que sejamos patriotas e preservemos o caráter de nossos antepassados". Mas que significava isso de "ser russo"? Como poderiam os Russos tornar-se europeus, senão imitando-os simplesmente? Poderiam ser Europeus e também Russos? Eram perguntas que muitos russos se faziam enquanto o seu país dava combate a Napoleão.» (p. 147)

«Alexandre [I] acreditava que o seu império fora salvo por Deus. A vitória fortaleceu a sua fé no mito de uma Santa Rússia, providencialmente salvadora da humanidade. A partir de 1815, o czar foi-se tornando cada vez mais religioso, místico, até, nas suas atitudes, sob crescente influência da Baronesa de Krüdener, uma pietista alemã do Báltico. Foi ela que o ajudou a redigir o texto fundador da Santa Aliança, uma união de potências cristãs para garantir a paz à luz dos princípios das Escrituras Sagradas.» (p. 153)

Alexandre II tinha empreendido medidas para a liberalização  do regime e a abolição da escravatura e dado um grande incremento à educação e à cultura, medidas que desagradavam aos revolucionários que pretendiam a queda da monarquia.

«A consequência imediata desta viragem para métodos golpistas foi uma onda de ataques terroristas contra figuras do governo, muitos deles por um grupo, o Vontade do Povo (Narodnaya Volia), que matou o czar em 1881. Já antes fizera uma série de atentados contra a vida de Alexandre quando um dos seus agentes atirou uma bomba contra a carruagem do monarca em São Petersburgo, matando um dos cavaleiros cossacos que o flanqueava. Quando o imperador surgiu, ileso, outro agente lançou uma segunda bomba que lhe arrancou as pernas e rasgou o abdómen. Levado numa maca para o Palácio de Inverno, próximo do local, morreu pouco depois vítima dos ferimentos. É difícil pensar um momento mais decisivo na história da Rússia. No dia em que foi morto, 1 de Março, o czar tinha aprovado uma reforma que incluiria representantes eleitos dos zemstvos e dos conselhos urbanos numa nova assembleia consultiva. Embora fosse uma reforma modesta, de forma alguma indiciadora de uma monarquia constitucional, ela mostrava, ao menos, que Alexandre se dispunha a envolver o público no exercício da governação. Em 8 de Março, a proposta foi rejeitada pelo filho e herdeiro, Alexandre III, numa reunião de grão-duques e ministros. O crítico mais influente e reacionário, Konstantin Pobedonostev, procurador do Santo Sínodo, advertiu que a aceitação daquela reforma representaria um primeiro passo decisivo na via de um governo constitucional. Naquele tempo de crise, defendeu ele, a Rússia precisava, não de "conversa fiada", mas sim de ações firmes de governação. Desde esse momento, o novo czar, que reinaria de 1881 a 1894, tomou um rumo inflexível de reação política para restaurar o princípio autocrático.» (pp. 183-4)

Nicolau II foi o último czar da Rússia (1894-1917). Desde o início do século passado que se registava grande agitação no país. Os movimentos revolucionários pululavam. A situação económica e social tinha-se degradado. Por múltiplas razões, que aqui não cabem, Nicolau II não quis, ou não pôde, adoptar as medidas que a situação reclamava.

«No domingo, 9 de Janeiro de 1905, uma grande multidão de trabalhadores marchou rumo ao Palácio de Inverno para entregar uma petição ao czar, um costume do povo russo que remontava há séculos, como vimos. Eram chefiados por um padre, de nome Gapon, que ganhara fama como pregador nos distritos fabris de São Petersburgo. O padre Gapon dissera aos seus seguidores, em linguagem simples, que o czar-batiushka, o czar-paizinho, corresponderia aos seus pedidos se a ele se dirigissem como suplicantes, pois era essa a sua obrigação perante Deus. A petição pedia humildemente uma melhoria das condições de trabalho, que se tinham tornado intoleráveis: "SIRE", começava a súplica, "Nós, trabalhadores e habitantes de São Petersburgo, de várias condições, nossas esposas, nossos filhos, e nossos idosos e indefesos pais, acorremos a VÓS, SIRE, em busca de justiça e proteção. Estamos empobrecidos, estamos oprimidos, estamos sobrecarregados de labor excessivo, e somos tratados com desprezo [por nossos empregadores].» (p. 192)

«Acontece que o czar estava ausente da capital. Fora para o palácio de Czarkoe Selo (Vila do Czar) para o habitual descanso de fim-de-semana, com passeios pelo campo e jogos de dominó em família. A ordens suas, os soldados bloquearam os principais acessos ao centro da cidade, e dispararam contra a multidão para a fazer retroceder. Na Praça do Palácio, foi posicionado um enorme corpo de cavalaria e montados vários canhões em frente ao Palácio de Inverno para travar os que conseguissem passar, ainda cerca de 60 000 manifestantes. Os soldados tentaram dispersar a multidão a golpes de chicote. Nada conseguindo, tomaram posições de fogo. Os manifestantes caíram de joelhos descobriram a cabeça, e benzeram-se. Soou um clarim e os disparos começaram. Cerca de mil pessoas foram abatidas ou feridas nesse Domingo Sangrento, como a ocasião ficou conhecida.» (p. 193)

Este infeliz acontecimento provocou um divórcio definitivo entre o tsar e o povo. Desde então, não mais parou a agitação revolucionária na Rússia, apesar de algumas tentativas de conciliação levadas a cabo por Nicolau II. Entretanto, começou a Primeira Guerra Mundial, com o cortejo de tragédias inerente a todas as guerras. Havia conspirações por todo o lado. A emergência da figura de Rasputin, que viria a ser assassinado pelo príncipe Yussopov, contribuiu para exaltar os ânimos. Clamava-se contra a imperatriz Alexandra Feodorovna, que era acusada de ser partidária dos alemães.  A Revolução Bolchevique estava em marcha. Nicolau II pretendeu abdicar em seu irmão Mikhail, já que a frágil saúde do tsarevich Alexei o impediria de reinar. Mas os acontecimentos precipitaram-se. A Revolução de Fevereiro (Março de 1917), determinou a abdicação do tsar e levou Kerenski ao poder; a Revolução de Outubro (Novembro de 1917) levou ao poder o partido bolchevique, e o seu líder Vladimir Ilich Ulianov (Lenin).

O tsar e a família imperial foram fuzilados por ordem de Lenin, em Ekaterimburg, para onde tinham sido levados, em 16/17 de Julho de 1918.

Estes acontecimentos têm cerca de 100 anos e, por isso, são-nos já relativamente próximos. Assim, apenas mais alguns apontamentos, que o texto vai longo. 

«Devido a essas divisões, os negociadores bolcheviques, liderados por Trotsky, esforçaram-se por ganhar tempo em Brest-Litovsk. Trotsky entreteve-se a entreter os diplomatas e os generais alemães, submetendo cada frase do rascunho de tratado a longas dissertações abstratas. Por fim, os Alemães perderam a paciência e assinaram um tratado separado com a Ucrânia, e no Parlamento de Kiev os líderes nacionalistas declararam a independência da Ucrânia em 22 de Janeiro [1918], para logo pedirem auxílio alemão na luta contra os Guardas Vermelhos, baseados no Leste do país, onde os russos étnicos eram maioria.» (p. 222)

Em 12 de Março de 1918, a capital soviética foi transferida de São Petersburgo para Moscovo.

«Os exércitos da Guerra Civil estavam a ser formados. As forças anti bolcheviques, chamados os "Brancos" (nome derivado dos penachos brancos que os anti jacobinos usavam nos chapéus durante as guerras revolucionárias francesas) eram um grupo heterogéneo sem outra ideologia clara além de derrubar os "Vermelhos" do poder e restaurar a "Velha Rússia". Mas o que essa Rússia deveria ser - monarquia ou república, império ou federação, um sistema baseado na propriedade privada ou uma sociedade socialista - era questão que os dividia.» (p. 223)

Resumindo: por morte de Lenin, Stalin assumiu o poder, seguindo-se uma sucessão de secretários-gerais do Partido Comunista da URSS, de que se distinguiram Nikita Kruschev e Leonid Brejnev. O último dirigente da União Soviética foi Mikhail Gorbachev e com a sua queda o regime implodiu. A Rússia, herdeira parcial da URSS, tem hoje à sua frente Vladimir Vladimirovich Putin, depois de um período confuso da presidência de Boris Ieltsin.

O autor do livro, Orlando Figes, professor da Universidade de Londres e considerado um grande especialista de história da Rússia, é também uma figura algo controversa, até pelas acusações de utilizar textos alheios como sendo de sua autoria. Não posso assegurar que todas as transcrições a que procedi sejam historicamente exactas (assinalei o que se me afigurou mais evidente), mas a tradução é deficiente e a transliteração dos nomes caótica. E também uma flagrante ausência de uniformidade na grafia dos nomes, que se deverá certamente ao tradutor. Seguindo a tradição inglesa, nomes como Russos, Alemães, Cristãos ou Judeus são geralmente grafados com inicial maiúscula, mas neste texto uma vez são, outras não. Também há erros de datas e de locais.

Espero, contudo, que a leitura destas linhas seja, mesmo assim, proveitosa para os leitores, uma vez que a Rússia, pelas razões que conhecemos, é hoje centro das atenções mundiais. E este texto poderá, talvez, ajudar a compreender algumas posições actuais.

 

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