Foi editado muito recentemente o filme The Most Beautiful Boy in the World (2021), de Kristina Lindström e Kristian Petri, sobre a vida de Björn Andrésen, o famoso intérprete de Tadzio, no inesquecível filme de Luchino Visconti, Morte em Veneza (1971).
Seduzido pela famosa novela de Thomas Mann, o grande realizador italiano Luchino Visconti decidiu passar o livro à película, tendo empreendido uma longa viagem, em 1970, que o levou à Hungria, à Polónia, à Finlândia e à Suécia, a fim de seleccionar o rapaz que melhor correspondesse à descrição do perfil imortalizado pelo célebre romancista alemão.
O método utilizado por Visconti talvez não fosse hoje muito bem sucedido, já que vivemos uma época de grande puritanismo, semelhante aos tempos tenebrosos da Idade Média, em que os "pecados da carne" condenavam os homens (e as mulheres) à fogueira. Mas em 1970, Visconti podia visitar as escolas, verificar o aspectos dos jovens, e levar ao seu hotel os que mais lhe agradavam e onde, com a sua equipa, procedia ao indispensável casting. Aconteceu que, em Estocolmo, o quinto (ou sexto) rapaz sueco a passar pelo hotel foi definitivamente o escolhido. Tratava-se de Björn Andrésen, então com 15 anos, e que correspondia ao tipo físico descrito por Thomas Mann.
O êxito do filme foi estrondoso, tendo recebido a Palma de Ouro do Festival de Cannes 1971. Em Londres, assistiram à estreia a rainha Isabel II e a princesa Ana. No Japão houve mesmo um delírio. Em Portugal, Morte em Veneza foi apresentado no Cinema Monumental: não fui à estreia mas recordo-me perfeitamente de alguns dias depois, Beatriz Costa, com a desenvoltura que a caracterizava, sentada nos meus joelhos em casa de um amigo, me ter dito que era o filme da vida dela. Fui vê-lo na semana seguinte.
Contracenando com o adolescente Björn Andrésen figuravam dois actores famosos: Dirk Bogarde e Silvana Mangano, o que conferia ao filme uma notoriedade acrescida. Morte em Veneza permanece como uma das obras mais importantes da cinematografia italiana e universal.
Mas a súbita e internacional fama de Björn Andrésen (n. 1955) viria a transformar-se num fardo para o rapaz, peso que tem carregado ao longo da vida. As suas fotografias correram mundo, a sua beleza deslumbrou multidões e o rapaz foi rapidamente convertido num ícone homossexual, que até nem era, embora tenha, nos anos seguintes à produção, convivido com alguns homens que especialmente o apreciavam. Um deles instalou-o mesmo, durante um ano, no seu apartamento da rue de Seine, em Paris (curiosamente próxima da rue Visconti). E, durante anos, recebeu milhares de cartas de potenciais amantes, apaixonados pela sua etérea beleza, propostas milionárias, além dos inevitáveis presentes e tudo o mais que se adivinha.
Björn Andrésen, na actualidade |
Hoje com cerca de 70 anos, Andrésen é uma pálida sombra de outrora. Casado, divorciado e pai de dois filhos (um deles morto com nove meses), participou mais tarde em outros filmes menores, tocou numa banda que efectuava digressões regulares, mas a sua efígie juvenil é agora irreconhecível. Suspeito mesmo que o aspecto desalinhado que cultiva é uma resposta à imagem que o tornou idolatrado. Björn Andrésen elevado à categoria de um deus grego não aguentou depois o progressivo anonimato em que foi mergulhando, porque a juventude e a beleza são dons divinos que rapidamente se esfumam nas brumas do tempo.
Neste filme, Andrésen revisita os locais da sua infância na Suécia, os sítios das filmagens e das digressões, recorda acontecimentos trágicos, como a morte da mãe, e evoca as memórias de um passado que demasiado cedo o catapultou, por breves instantes, para o reconhecimento universal.
Deixo aqui, para os interessados, o texto que, em 5 de setembro de 2014, publiquei no meu blogue sobre o verdadeiro Tadzio de Morte em Veneza. http://domedioorienteeafins.blogspot.com/2014/09/o-verdadeiro-tadzio-de-morte-em-veneza.html
1 comentário:
Com todo o sucesso do filme,a sua presença em festivais e comemorações, deve-se ter pensado na altura que o rapaz estava fadado para uma carreira triunfal no Cinema ou Teatro. Afinal apagou-se, destruiu-se, fracassou na vida, o que provavelmente não aconteceria sem Visconti e sem Veneza. É uma história cruel.
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