segunda-feira, 24 de junho de 2019

RHODES I - O PALÁCIO DOS GRÃO-MESTRES



Não cabe aqui fazer a história da Ordem dos Cavaleiros de Rhodes, que começou por ser a Ordem de São João de Jerusalém e acabou com o nome de Ordem Soberana e Militar de Malta ou, de seu nome completo, Ordem de São João de Jerusalém, de Rhodes e de Malta.


No cumprimento de uma missão filantrópica, alguns mercadores de Amalfi obtiveram do Califa, em meados do século XI, autorização para construir, ao lado da igreja da Ressurreição, em Jerusalém, a igreja de Santa  Maria Latina e uma pousada para albergar e cuidar dos fiéis que se deslocavam em peregrinação à Terra Santa. A pousada-hospital era mantida por monges beneditinos e terá havido uma invocação a São João Esmoler antes da obra ter sido dedicada definitivamente a são João Baptista.


No começo do século XII, Pierre Gérard, ou Gérard de Tenque, pessoa de quem pouco ou nada se sabe, fez a sua aparição em Jerusalém. Todos os dados a seu respeito convergem no sentido de ter sido ele o fundador da Ordem do Cavaleiros, de que  a pousada dos mercadores de Amalfi foi precursora. Nesta altura, os Cavaleiros eram apenas hospitalários e não possuíam ainda um estatuto ou organização militar.


Em 1113, o papa Pascoal II constitui-a como ordem eclesiástica e dotou-a de estatutos, dedicando-a a São João Baptista e conferindo-lhe regra própria. Em 1120, o francês Raymond du Puy foi eleito grão-mestre da Ordem e em 1136 o papa Inocêncio II acrescentou-lhe a missão militar e o encargo de defender o Santo Sepulcro. Os Cavaleiros de São João, juntamente com os Templários, tornam-se, a partir do século XII, os representantes mais importantes da ideologia das Cruzadas, combatendo o adversário muçulmano no próprio coração do Oriente. Estabelecem assim importantes pontos de apoio na Palestina e na Síria, Mas com o ressurgimento da potência árabe perdem sucessivamente os centros urbanos bem como as fortalezas em seu poder. A perda definitiva de Jerusalém (Saladino já havia conquistado a cidade em 1187) e de Askalon em 1247, seguida da tomada do famoso Krak des Chevaliers (Qala'at al Husn, na Síria actual e que já visitei), em 1271 é fatal para os Cavaleiros. A fortaleza de são João d'Acre, na Palestina, última cidadela a permanecer em poder dos francos, cairá nas mãos dos árabes em 1291. Encontrando-se dizimados, e gravemente ferido o seu grão-mestre Jean de Villiers, os Cavaleiros retiram-se para a ilha de Chipre, onde já não se sentem mestres mas vassalos do rei franco da ilha, que não lhes permite agir em completa liberdade.


Em 1306, surge a oportunidade de encontrarem uma nova sede. O grão-mestre, Foulques de Villaret estabelece negociações com o genovês Vignolo de' Vignoli, que detinha feudos no Dodecaneso. O acordo previa que após a conquista de Rhodes os Cavaleiros ficassem com dois terços da ilha, revertendo o restante para o genovês. Com o auxílio dos reis de França e de Inglaterra e do papa, e apesar da enérgica resistência dos seus habitantes, os Cavaleiros acabam por conquistar a ilha em 1309, passando a designar-se Cavaleiros de Rhodes. Os primeiros tempos foram difíceis para a Ordem, pela dificuldade de adaptação à população grega local e pelos ataques dos turcos que viam com apreensão a instalação dos monges guerreiros na sua vizinhança imediata. Houve também problemas de natureza interna que não é possível aqui descrever, mas a situação permaneceu relativamente estável até ao primeiro grande cerco dos turcos (23 de Maio a 17 de Agosto de 1480), conduzido pelo grão-vizir Mechih Pasha, sendo sultão Mehmet II. Após porfiados esforços, os Cavaleiros conseguiram desbaratar as forças invasoras. Decorridas umas décadas, entre incidentes militares e contactos diplomáticos, os turcos, sendo agora sultão Solimão, o Magnífico, atacaram novamente a ilha, estabelecendo o segundo grande cerco (26 de Junho de 1522 a 2 de Janeiro de 1523), sob o comando de Mustafa Pasha, segundo vizir e genro do sultão. O próprio Solimão acabou por participar no cerco. Tendo-se tornado insustentável a situação local, mediante certas concessões otomanas uma delegação de latinos e gregos acabou por aceitar as condições da proposta turca de paz. Em 1 de Janeiro de 1523, os Cavaleiros, juntamente com o metropolita grego Clemente e cerca de 5.000 habitantes da ilha abandonaram Rhodes em direcção a Creta.


Após uma errância de alguns anos e muitas hesitações quanto ao local onde estabelecer a sua nova sede, os Cavaleiros acabaram por solicitar a Carlos Quinto a ilha de Malta, que finalmente lha concedeu em 1530. A Ordem passou a designar-se Ordem de Malta, nome que ainda mantém, apesar de a ilha ter sido conquistada por Napoleão Bonaparte em 1797. Derrotados pelos franceses e dispersos, nomeadamente por Itália, os Cavaleiros, na ânsia de reencontrar a glória perdida, chegaram a proclamar grão-mestre o tsar Paulo I da Rússia. Em 1830, a Ordem estabeleceu-se definitivamente em Roma, constituindo uma pessoa jurídica de direito internacional, com a prerrogativa de nomear e acreditar embaixadores.

Capela do Palácio

Como curiosidade, note-se que houve quatro portugueses que foram grão-mestres da ordem de Malta: D. Afonso (1203-1206), Luís Mendes de Vasconcelos (1622-1623), António Manoel de Vilhena (1722-1736) e Manuel Pinto da Fonseca (1741-1773), o primeiro que usou o título de Sua Alteza Eminentíssima.


A organização dos Cavaleiros de São João assentava numa hierarquia rígida, que não sofria violações. A Ordem era dividida em três classes: os irmãos cavaleiros, os irmãos capelães e os irmãos sargentos-de-armas. Esta separação correspondia à subdivisão da sociedade europeia medieval: nobreza, clero e povo. Sendo uma ordem internacional, era composta por membros de toda a Europa latina. A noção actual de nacionalidade era expressa pelo termo "língua". Quando a Ordem de São João se instalou em Rhodes era composta por sete "línguas", classificadas hierarquicamente segundo a sua antiguidade: Provença, Auvergne, França, Itália, Aragão (toda a Península Ibérica), Inglaterra e Alemanha. O governador de cada uma das facções territoriais tinha o título de bailio e exercia também funções na administração central. O bailio de Provença era o grão-comendador; o bailio de Auvergne, o marechal; o bailio de França o hospitalário; o bailio de Itália, o almirante; o bailio de Aragão, o grão-conservador; o bailio de Inglaterra, o grão-turcópolo; o bailio da Alemanha, o grão-bailio ou tesoureiro. Em 1461, o Capítulo Geral decidiu dividir a língua de Aragão em Aragão e Castela, incluindo a primeira a Catalunha e Navarra e a segunda Portugal, Castela e Leão. O bailio de Castela passou a exercer as funções de grão-chanceler. Os órgãos colectivos eram o Capítulo Geral e o Capítulo.


Ao longo dos tempos houve alterações nos cargos que não cabe aqui explicar.


Os Cavaleiros habitavam em pousadas que se situam na Rua dos Cavaleiros (Ippoton), que liga o Palácio dos Grãos-Mestres ao hoje chamado Largo do Museu, por nele estar instalado o Museu Arqueológico, no edifício que foi outrora o Hospital da Ordem. Descendo a Ippoton, encontravam-se do lado esquerdo a pousada de Provença, a capela da Aghia Triada (Santíssima Trindade) e as pousadas de França e de Itália. Do lado direito, a pousada de Espanha e o Hospital. Do outro lado do Largo, encontravam-se as pousadas de Auvergne e de Inglaterra.

Sala do Troféu

Em frente ao Palácio dos Grão-Mestres pode ver-se as ruínas da Igreja de São João de Collachium (Castelo), inicialmente igreja da Ordem, depois transformada em mesquita após a invasão otomana, e destruída em 1856 por uma inopinada explosão de pólvora (que se encontrava depositada no local) que também provocou sérios danos no Palácio, mais tarde restaurado pelos italianos.

Sala das Colunas

As informações relativas aos primeiros tempos da Ordem não são perfeitamente coincidentes, dependendo das fontes consultadas, mesmo as consideradas mais autorizadas. Há mesmo aspectos que permanecem envoltos em lenda. Por exemplo, o famoso Colosso de Rhodes, uma estátua humana gigantesca, servindo de farol, considerada uma das sete maravilhas do mundo, que estaria colocada à entrada do porto de Mandraki, com uma perna assente em cada um dos lados do porto (os navios passavam por baixo) seria de facto uma estátua do deus Hélio e existiria no local onde depois foi construído o palácio dos Grão-Mestres.


Não permite o espaço desenvolver mais pormenorizadamente a permanência em Rhodes dos Cavaleiros de São João. Para os interessados existe vasta bibliografia disponível.


Sala do Laocoonte








Segunda Sala dos Cadeirais


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