sábado, 7 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES




Mário Soares morreu hoje em Lisboa, aos 92 anos de idade. O funeral terá honras de Estado.

Advogado, opositor do anterior Regime, homem de interesses culturais, fundador e secretário-geral do Partido Socialista, sucessivamente ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro e presidente da República, Mário Soares, figura incontornável da vida nacional, é a grande personalidade política da segunda metade do século XX português.

Como todos quantos se distinguem em qualquer actividade pública, Mário Soares suscitou profundas dedicações e foi alvo de persistentes ódios. Com as suas virtudes e os seus defeitos a ninguém deixou indiferente. Tomou decisões certas e erradas, mas o País deve-lhe inestimáveis serviços.

Não cabe aqui a biografia de Mário Soares (seria estulta pretensão), porque foi já muitas vezes escrita e os órgãos de comunicação social repetirão, até à exaustão, nos noticiários necrológicos, o essencial e o acidental da sua vida.

Importa todavia consignar o testemunho, que a História registará, das gerações mais antigas. Mário Soares (como muitos dos seus contemporâneos) acreditou num projecto de sociedade que propôs aos portugueses e estes maioritariamente sufragaram: a social-democracia. Acreditou e lutou por ele, não hesitando em alguns contorcionismos para o tornar viável. Os tempos eram propícios à criação dessa comunidade mais justa que os povos reclamavam e que permanece uma reivindicação dos nossos dias. Mas os ventos da história mudaram de rumo. A sociedade socialista, republicana e laica que tantas vezes invocou encontra-se hoje em adiantado estado de decomposição. Ao saudar a queda do Muro de Berlim - e devemos combater todos os muros de separação - e o subsequente desmoronamento da União Soviética, Mário Soares não previu o advento do capitalismo financeiro internacional à escala global, a desregulamentação do sector financeiro promovida por Thatcher e Reagan, a flexibilização do trabalho, a privatização das empresas estatais, a instauração de um "pensamento único" económico que se convencionou chamar neo-liberal. Ainda lutou contra o "monoteísmo de mercado", mas um pequeno país como Portugal não se poderia opor a tão vastas e rápidas transformações, quando os grandes países de sólidas tradições sociais prontamente aquiesceram a tão súbitas e drásticas mudanças de padrão civilizacional.

Talvez, em alguns momentos, tenha transigido com a agressão do "progresso", mas no ocaso da vida teve a lucidez bastante para denunciar os perigos desta corrida à sacralização do dinheiro, como se este, tal bezerro de ouro dos tempos que vivemos, constituísse não um meio mas um fim.

Nesta hora de luto nacional, creio que os portugueses reconhecem, sem favor, a batalha que Mário Soares sempre travou em defesa da liberdade.


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