sábado, 9 de abril de 2016

SHAKESPEARE, SER OU NÃO SER





É antiga a polémica sobre a autoria das peças de Shakespeare. Teria sido seu autor o homem de Stratford-upon-Avon, director de um grupo de teatro mas manifestamente pessoa de pouca cultura, ou, pelo contrário, alguém manifestamente erudito, capaz de conhecer o humanismo renascentista, a Bíblia, e de dispor de uma ampla informação a que o empresário teatral e actor medíocre não teria acesso? Alguns têm mesmo aventado a hipótese de tratar-se de obra colectiva.

Acontece que foi agora traduzido para francês o livro do escritor e editor italiano Lamberto Tassinari John Florio, The Man Who Was Shakespeare, originalmente publicado em italiano em 2008, posteriormente vertido para inglês (2009, 2013) e publicado agora, na edição francesa, com o título John Florio alias Shakespeare.

Sustenta Tassinari que o verdadeiro autor da obra de Shakespeare foi John Florio (1553-1625), nascido em Londres, filho de Michelangelo Florio (Crollalanza pelo lado da mãe, apelido que em inglês se poderá traduzir por Shake spear), pregador calvinista italiano de origem judaica, homem de grande cultura e influência política, possuidor de considerável biblioteca, que terá transmitido ao filho uma sabedoria invulgar para a época, além do interesse pelas línguas estrangeiras.

As primeiras dúvidas de grandes nomes da literatura sobre a autenticidade das obras atribuídas a Shakespeare vêm de Charles Dickens (1847), Henry James (1903) e Jorge Luis Borges (1979).

Mais recentemente, foram publicadas algumas obras fundamentais sobre o "autor" das peças isabelinas:

- Will in the World: How Shakespeare Became Shakespeare - Stephen Greenblatt (New York, 2004)
- Shakespeare: The Biography - Peter Ackroyd (Londres, 2005)
- 1599: A Year in the Life of William Shakespeare - James S. Shapiro (New York, 2005)

O livro, que convoca a análise linguística, o estilo, a vida de John Florio e o seu percurso em Itália e na Inglaterra, é por vezes cansativo pela abundância de pormenores e pela repetição dos argumentos, mas não deixa de acentuar as dúvidas, que progressivamente se avolumam, sobre a verdadeira autoria da obra-prima literária da Inglaterra isabelina.

A tese sustentada por Lamberto Tassinari é, em resumo, a seguinte: William Shakespeare, comerciante e empresário teatral começaria a apresentar as peças de John Florio (com a aquiescência deste), o que supõe um mínimo conhecimento recíproco, uma vez que Florio, que assinaria Shake-speare, permitiu tal identificação, preferindo manter-se num certo anonimato por razões aduzidas pelo autor. Com o passar do tempo, a grafia do nome uniformizou-se, e Shakespeare (o homem de Stratford) passou à história como autor das obras de Florio, tendo o lobby "stratfordiano" tentado justificar ao longo dos séculos, pelos mais inverosímeis meios, a pertinência da "doutrina oficial", quando não existem sequer escritos de William, salvo o medíocre Testamento, enquanto se conhecem bem os escritos de Florio, entre os quais a tradução dos Essais , de Montaigne.

Em vésperas de se comemorarem 400 anos sobre a morte de Shakespeare (o de Stratford), ocorrida a 23 de Abril de 1616, este livro contribui para manter acesa a chama da polémica sobre a autoria do opus "shakespeariano".


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