sábado, 19 de março de 2016

AS IGREJAS DE VIENA



As igrejas da capital austríaca justificam, só por si, uma deslocação a Viena. Tantas e tão belas, não é fácil resumi-las num texto que se pretende breve.

Mas vale a pena tentar o exercício.


Comecemos pela igreja-mãe, a Catedral de Santo Estêvão (Stephansdom), situada no coração da cidade, na Stephensplatz, no fim da Kärntnerstrasse. As origens da catedral são, como na maior parte dos casos, bastante obscuras. No local da actual igreja poderia ter existido um santuário pagão ou um cemitério romano. Parece que, ainda na época romana, existiria no sítio uma pequena capela. No século XII, começou, no local,  a construção de uma grande igreja paroquial dependente da diocese de Passau, consagrada a Santo Estêvão, santo padroeiro do lugar. Em meados do século XII, Henrique II Jasomirgott de Babenberg transferiu a sua residência para Viena. Conta a lenda que o margrave Henrique teria visto aparecer em sonhos um jovem arquitecto tendo na mão os planos de uma igreja imponente. O soberano interpretou o sonho como uma missão divina de que teria ficado investido e ordenou a construção da igreja de Santo Estêvão, tendo a primeira pedra sido colocada em 1137 e a sua consagração realizada em 1147.


O contrato de "troca" de Mautern (Mauterner Vetrag) concluído em 1137, entre o margrave Leopoldo IV e Babenberg e o bispo Reginmar de Passau permitiu a construção da primeira igreja de Santo Estêvão legada pelos antepassados. À época, ficava ainda situada fora das muralhas de Viena cujas fronteiras seguiam o traçado dos muros do acampamento romano. Este contrato foi concluído em Mautern, sobre o Danúbio, e estipulava que o margrave remetia ao bispo o curato de Viena, situado provavelmente junto à igreja de São Pedro, e recebia em troca um vinhedo bem como metade do equipamento do curato de Viena, com a condição de que a igreja e as outras pequenas igrejas ligadas a esse mesmo curato ficassem daí em diante colocadas sob a autoridade do referido curato. A primeira consagração da igreja de Santo Estêvão, ainda não totalmente concluída, teve lugar em Abril de 1147, pelo bispo Reginbert de Passau.





 

 

A primeira igreja românica - tal como a presente catedral - foi orientada no sentido do nascer do sol, em 26 de Dezembro de 1137. Com o correr dos séculos nada praticamente subsistiu desta primeira igreja. Depois do incêndio de 1258, o edifício foi inteiramente reconstruido em estilo românico tardio e solenemente inaugurado em 23 de Abril de 1263 pelo bispo Otto von Passau. Entre 1304 e 1340, foi empreendida pelo duque Alberto II a construção do coro gótico com três absides, consagrado em 23 de Abril de 1340 pelo bispo Alberto de Passau. Pouco depois foram construídas as capelas laterais Oeste, com dois andares, ainda chamadas capelas ducais, pelo duque Rodolfo IV, o Fundador. Ele mesmo colocou em 1359 a primeira pedra deste alargamento gótico cujos trabalhos duraram cem anos. Anteriormente à instalação em 1469 do bispado de Viena, o duque Rodolfo IV, aliás o fundador da Universidade de Viena, fundou em 1365 um capítulo colegial de Todos os Santos independente de Passau e que deveria posteriormente ter a sua sede em Santo Estêvão, com a respectiva sala capitular na galeria Oeste.


A agulha (steffl) da torre Sul, também colocada por Rodolfo IV, foi concluída em 1433. As novas paredes da nave envolviam as paredes românicas e só em 1430, concluídas as paredes góticas, as românicas foram demolidas. O imperador Frederico III, que obteve em 1469 o estatuto de bispado para Viena, colocou em 1450 a primeira pedra da torre Norte. Os trabalhos foram interrompidos no começo do século XVI, devido ao cerco da cidade pelo exército otomano. Em 1631, o imperador Fernando II elevou o bispo de Viena à categoria de príncipe (príncipe-bispo) do Império. Em 1647, foi terminado o altar-mor barroco e data dessa época o mais antigo paramento da catedral, o paramento vermelho de Breuner que ainda hoje reveste Santo Estêvão. No decurso do segundo cerco otomano, em 1683, mais de mil balas de canhão atingiram a Catedral, muitas ainda hoje encastradas nas paredes. Aquando da festa da Virgem, em 12 de Setembro de 1683, Viena foi finalmente libertada dos turcos, após uma batalha travada a seguir a uma missa celebrada pelo padre Marco d'Aviano, cuja estátua se ergue num nicho na parede exterior da Igreja dos Capuchinhos, como referimos neste blogue no post em que tratámos da Cripta Imperial.

"Cristo em Getsémani" (Relevo na parede exterior sul, depois de restaurado)

Foi em memória da libertação da cidade que foi fundido em 1711 o maior sino da Catedral, o "Pummerin", utilizando o material dos canhões capturados aos turcos e que foi pendurado na torre Sul. Em 1722, Viena obteve o estatuto de arcebispado e a Catedral tornou-se igreja metropolitana. Em 1782, o imperador José II proibiu as inumações na cripta das catacumbas da Catedral. Nesse mesmo ano o papa Pio VI visitou o imperador e celebrou a grande missa da Páscoa na Catedral de Santo Estêvão. Por ocasião das guerras contra a França (1809), vários combates dentro da Catedral provocaram sérios estragos. O interesse pelo passado deste monumento levou a que se procedesse a um conveniente restauro em meados do século XIX. No começo da Segunda Guerra Mundial foram emparedados os mais belos tesouros artísticos (o Pórtico do Gigante, o púlpito, o túmulo de Frederico III) o que lhes permitiu escapar ao gigantesco incêndio da catedral em 11 e 12 de Abril de 1945, já no fim do terrível conflito. Esta catástrofe, desencadeada pelas faíscas provenientes das casas em chamas à volta da Catedral, foi responsável por imensas destruições, incluindo o sino "Pummerin". Deve-se à determinação do cardeal Theodor Innitzer, então arcebispo de Viena, e ao apoio de todos os vienenses e de todas as províncias austríacas e de numerosos mecenas estrangeiros, a reconstrução da Catedral de Santo Estêvão, como símbolo do renascimento da Áustria. Em 19 de Dezembro de 1948 pôde celebrar-se a primeira missa na grande nave restaurada da Catedral. A reabertura solene teve lugar em 26 de Abril de 1952, ainda pelo cardeal Innitzer. Nesse mesmo dia o novo "Pummerin", refundido a partir do primeiro, foi igualmente consagrado e colocado no lugar de origem em 1957. A consagração do novo órgão teve lugar em 1960, pelo cardeal Frings, arcebispo de Colónia. E em 1972 foi colocado o novo vitral oeste, confeccionado no Tirol. Em 1997, e depois de longos trabalhos de restauro, foi reaberto o Pórtico do Gigante, por ocasião do 850º aniversário da consagração da igreja românica de Santo Estêvão.



No exterior da catedral, próximo da entrada das catacumbas, encontra-se o monumento a São João de Capistrano (1386-1456), frade franciscano, filósofo, teólogo, pregador e inquisidor, morto numa campanha contra os turcos.



Monumento a São João Capistrano

Lamentavelmente, aquando desta minha visita, encontrava-se montada  no interior da Catedral uma "instalação" composta por dezenas de missivas cujo conteúdo de momento me escapa. Uma forma "moderna" e ao que parece muito em uso (vi uma coisa semelhante há poucos meses no Mosteiro de Alcobaça) de mostrar um certo vanguardismo e de desfigurar o interior de riquíssimos monumentos.



O altar de Wiener Neustadt, na Nave das Mulheres, uma doação do imperador Frederico III, serve, desde 1883, de altar do Santíssimo Sacramento. Construído para a abadia cisterciense de São Bernardo de Wiener Neustadt, em 1447, foi transferido para a Catedral em 1883, instalado ao sul do Coro dos Apóstolos, passando em 1952 passou para o Coro das Mulheres.

Altar de Wiener Neustadt

O púlpito da Catedral, trabalho outrora atribuído a Anton Pilgrim (parece que se deve realmente a Niclaes Gerhaert von Leyden), data do fim do século XV, e é uma obra-prima da escultura gótica tardia. A sua forma assemelha-se a uma flor estilizada e os lados apresentam em relevo os quatro Doutores da Igreja, da esquerda para a direita: Santo Ambrósio (o sanguíneo, com a mitra e o livro), São Jerónimo (o colérico senil, com o chapéu de cardeal e o livro),  São Gregório o Grande (o velho fleumático e céptico, com a tiara pontifícia, o livro e a lupa) e Santo Agostinho (o homem jovem, pensativo e melancólico, com a mitra, o livro e o tinteiro). Entre os Padres da Igreja encontram-se pequenas estatuetas figurando os doze apóstolos. Abaixo da escada está um dos mais amados símbolos da Catedral, um auto-retrato em pedra de um escultor desconhecido olhando espantado através de uma janela: o Fenstergucker, o verdadeiro autor do púlpito, como muitos especulam.


Fenstergucker

Na capela da Cruz, próximo da descida para as catacumbas, existe uma placa comemorativa do local onde foi celebrada a missa de requiem por Mozart, antes do corpo ser levado para o cemitério.


No Nave dos Apóstolos encontra-se o túmulo do imperador Frederico III, o fundador do bispado de Viena, casado com D. Leonor de Portugal (filha do rei D. Duarte) e pai do imperador Maximiliano I, um dos mais notáveis monumentos funerários da época e que ocupa um lugar de honra na Catedral, como se tratasse de uma capela funerária.



Um altar com baldaquino gótico tardio, a sudoeste da Catedral, é dedicado ao venerado ícone da Virgem de Pócs. Em 1 de Dezembro de 1967, foi colocado no altar-mor, sobre o tabernáculo, tendo ocupado o lugar actual em 1945. A imagem tira o nome do lugar de origem, no norte da Hungria. Exposta na igreja da aldeia, em 1696 começou a deixar cair lágrimas, o que lhe valeu uma reputação milagrosa ao ponto do imperador Leopoldo I a fazer transportar para Viena, por instigação do padre Marco d'Aviano, para a conservar na sua residência. A pedido dos vienenses acabou por ser colocada na Catedral. Atribui-se-lhe a vitória decisiva sobre os turcos, conseguida pelo príncipe Eugénio na batalha de Zenta.

Altar da Virgem de Pócs

O altar-mor foi construído pelos irmãos Johann Jakob e Tobias Pock, a pedido do príncipe-bispo Philipp Friedrich Graf Breuner e consagrado em 19 de Maio de 1647. Representa a lapidação de Santo Estêvão em Jerusalém e por cima, no céu entreaberto, vê-se Jesus Cristo à direita do Pai. O altar é coroado por uma estátua da Imaculada Conceição.

Altar-mor

No centro das catacumbas da Catedral encontra-se a cripta ducal, onde se encontra o sarcófago de Rodolfo IV, sob o altar-mor. Os nichos laterais abrigam desde 1957 cerca de 70 urnas contendo os Intestina (as vísceras dos Habsburg). Sob a Nave dos Apóstolos foram colocados, a partir de 1953, os túmulos dos arcebispos de Viena.





Não cabe neste texto tudo (e seria sempre pouco) o que importaria escrever sobre a Catedral de Santo Estêvão. Trata-se de um pequeno resumo (em texto e em imagens) apontando alguns dos aspectos relevantes. Os mais interessados deverão visitar o templo e documentar-se devidamente sobre a sua história e os tesouros que encerra.

O órgão

Como escreveu, em 1457, Aeneas Silvio Piccolomini, futuro papa Pio II e conselheiro do imperador Frederico III: « A igreja de Santo Estêvão é de uma tal beleza que as palavras não chegam para a exprimir.»

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Para não alongar o post, continuaremos num próximo a descrição das principais igrejas de Viena.

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