sábado, 15 de fevereiro de 2014

UMA BIBLIOTECA NA AJUDA



Em livro recentemente publicado, A Biblioteca dos cinco continentes - A Livraria Real do Paço da Ajuda, faz António Valdemar a história da valiosíssima biblioteca do Palácio da Ajuda, que reúne, em salas deslumbrantes, um universo de livros antigos, manuscritos, gravuras, litografias, partituras musicais, mapas, cartas de navegação, tabelas astronómicas e outros bens, que testemunham o percurso multisecular do povo português. Como escreve o autor, o acervo conservado na Biblioteca da Ajuda assinala «o intercâmbio de culturas e o encontro de civilizações em cinco continentes».

O terramoto de 1755 provocou a destruição de milhares de obras do património nacional, incluindo a Livraria Real, no Paço da Ribeira, uma das mais famosas bibliotecas da Europa. Criado o pavor em Lisboa, a Família Real, receosa da repetição dos sismos, resolveu instalar-se numa residência provisória de madeira, no alto da Calçada da Ajuda, a Real Barraca, onde permaneceu até esta ter sido destruída por um incêndio em 1794.


Próximo do sítio onde existira a Real Barraca, foi lançada em 1795 a primeira pedra do futuro Palácio da Ajuda. Em 1826, a residência estava já habitável, e nela se instalou a Infanta-Regente D. Isabel Maria. As obras continuaram, mas o projecto inicial do arquitecto José da Costa e Silva ficou inconcluso, permanecendo o edifício até hoje apenas com a parte leste construída.

O que restou da Livraria Real e outros fundos (dos Jesuítas, dos Távoras, etc.) foram depositados em 1756 num anexo da Real Barraca, tendo sido nomeado José Caetano de Almeida director da biblioteca. Com a partida da Família Real para o Brasil em 1807, foram posteriormente enviados para aquela colónia os livros e manuscritos da Biblioteca Real. Quando a Corte regressou a Lisboa, em 1821, os manuscritos da Coroa voltaram mas os 60.000 livros ficaram, vindo a constituir o fundo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.


Em 1839 foi nomeado director da Biblioteca o escritor Alexandre Herculano, que permaneceu no cargo até à sua morte, em 1877. Sucedeu-lhe José de Magalhães Coutinho, director e lente jubilado da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, médico da Casa Real e secretário particular do rei. As actuais instalações da Biblioteca do Palácio da Ajuda foram inauguradas, durante o seu mandato, por D. Luís, em 10 de Junho de 1880. Note-se que o recheio da biblioteca que então existia em anexo da Barraca Real não fora atingido pelas chamas por ocasião do referido incêndio.

De 1895 a 1910, a direcção da Biblioteca foi assegurada pelo escritor Ramalho Ortigão, que renunciou ao cargo aquando da proclamação da República. Deve-se a Jordão de Freitas, director de 1918 a 1936, ter assegurado, com grande mérito, o conturbado período de transição da Monarquia para o novo regime.



O "mundo" da Ajuda, e da zona de Belém que lhe é contígua, foi objecto da investigação de Mário de Sampayo Ribeiro, José Dias Sanches, João Lúcio de Azevedo, José-Augusto França, Caetano Beirão, Ângelo Pereira, Ester de Lemos, Júlio de Vilhena, Eduardo de Noronha, Rocha Martins, Thomaz de Mello Breyner e outros ilustres cronistas, que vazaram no papel o resultado dos seus estudos e as suas memórias.

Ao longo de dois séculos Belém com os Jerónimos, a Torre, o Palácio, o Museu dos Coches, os jardins e, hoje, o Centro Cultural tem sido um pólo de atracção para nacionais e estrangeiros. E a Ajuda, com o Palácio e a Calçada, onde se situaram diversas unidades militares e onde ainda hoje permanecem o Regimento de Lanceiros e a Guarda Nacional Republicana, é igualmente uma zona de memoráveis tradições.



Com esta sua breve mas elucidativa monografia da Biblioteca da Ajuda António Valdemar, olisipógrafo eminente, prestou mais um serviço a Lisboa e à cultura.

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