quinta-feira, 12 de agosto de 2010

LUDWIG II E A BAVIERA


No meu post de 26 de Julho ("Duas Figuras Tutelares"), estabeleci algumas comparações entre duas figuras que, por boas e más razões, se notabilizaram na Baviera, nomeadamente em Munique: o rei Ludwig II e Adolf Hitler. Prometi voltar ao assunto. Assim, dedico hoje algumas linhas à figura de Ludwig II (1845-1886), que subiu ao trono da Baviera em 1864, com 18 anos, por morte de seu pai Maximiliano II.



A história de Ludwig tem sido contada e recontada em inúmeros livros e dois grandes cineastas realizaram filmes sobre a sua vida: o alemão Hans Jürgen-Syberberg, Ludwig - Requiem für einem jungfräulichen König (Ludwig - Requiem por um rei virgem), em 1972 e o italiano Luchino Visconti, Ludwig, em 1973.



Foi Ludwig II um estranho monarca, mais preocupado com a arte de que com a política, obcecado com a construção de palácios e castelos, que constituem hoje uma especial atracção turística da Baviera. Digamos que, premonitoriamente, fez um investimento nacional a longo prazo, embora para isso tenha delapidado o erário régio.


Bayreuth - Festspielhaus

Amante da música, nutriu uma especial paixão pelas óperas de Richard Wagner, tendo acolhido principescamente o compositor em Munique. Mas o comportamento extravagante de Wagner obrigou Ludwig, pressionado pelo governo e pelo povo, a pedir-lhe que abandonasse a capital alguns meses mais tarde. Esta atitude desagradou-lhe profundamente, tal como a oposição de todos à construção de um grande teatro de ópera em Munique. Chegou mesmo a pensar transferir a residência real para Nuremberga, cidade que mais tarde ficaria famosa por ter sido escolhida por Hitler para as grandes manifestações nazis. Contudo, mandou edificar o teatro de Bayreuth, o Festspielhaus, especialmente concebido para a representação da tetralogia O Anel do Nibelungo e do Parsifal. Registe-se, como apontamento, que o amor de Ludwig pelo teatro não se confinou ao projecto de Bayreuth, já que em 1864 lançou a primeira pedra para um novo teatro da corte, concluído em 1867 e que é hoje chamado Staatstheater am Gärtnerplatz.

Munique - Staatstheater am Gärtnerplatz

A infância de Ludwig decorreu afastada dos pais, estando a sua educação confiada a preceptores. Nascido no palácio de Nymphenburg, nos arredores de Munique, passou a maior parte da vida, até ascender ao trono, no castelo de Hohenschwangau, causa provável da sua atracção pelas montanhas e pelo contacto com os camponeses. Espírito idealista e sonhador, sujeito à rígida disciplina imposta pelo pai quanto à sua instrução, a que também estava submetido seu irmão Otto, três anos mais novo, mergulhou Ludwig na literatura e em especial na poesia, sendo particularmente influenciado pelas tragédias de Schiller. A partir dos 16 anos, quando ouviu pela primeira vez uma ópera de Wagner, o Lohengrin, a sua paixão pela música do compositor tornou-se obsessiva e acompanhou-o até ao fim da vida.

Castelo de Neuschwenstein

Seduzido pelo poder absoluto dos monarcas, o facto da Baviera ser uma monarquia constitucional levou-o a desinteressar-se dos negócios do Estado, permanecendo a maior parte do tempo nos castelos que projectou e mandou construir. Em 1868, ordenou a construção dos primeiros dois castelos, Neuschwanstein (o Novo Cisne de Pedra), em estilo de fortaleza românica, evocando os castelos dos contos de fadas e Herrenchiemsee, uma réplica da secção central do palácio de Versailles, que ficaria situado na ilha de Herren, no meio do lago Chiemsee.

Palácio de Herrenchiemsee

Em 1869, concluiu a construção dos aposentos reais da Residenz, o Palácio Real de Munique e em 1872, iniciou a construção do teatro de Bayreuth para os festivais dedicados às óperas de Wagner. O palácio de Linderhof, em estilo rococó, mais pequeno, iniciado anos antes e executado aos poucos, ficou concluído em 1878 e tornou-se a residência habitual do rei. No parque do palácio construiu uma gruta artificial, a Gruta de Vénus, iluminada a electricidade, com um palco onde cantores de ópera se exibiam, enquanto, no lago interior, o rei passeava num pequeno barco em forma de concha.

Palácio de Linderhof

Visceralmente misógino, Ludwig resistiu a todos os projectos de casamento que lhe foram apresentados, apenas aceitando o noivado com sua prima a princesa Sophie (Duquesa na Baviera) e irmã mais nova da imperatriz Elisabeth (Sissi), mulher de Francisco José. Os esponsais foram sucessivamente adiados, até que Ludwig decidiu cancelar o casamento pouco tempo antes da data prevista para a sua realização. Sendo homossexual mas também católico devoto, presume-se que na sua adolescência o rei se tenha satisfeito com o convívio (social) de jovens, especialmente das classes populares, só tendo passado a vias de facto numa idade já adulta.

Palácio de Linderhof

Palácio de Linderhof - Grotte

Palácio de Linderhof - Grotte

Os sucessivos projectos do rei, progressivamente mais dispendiosos, alarmaram o governo. Ainda que a construção e remodelação de palácios e castelos fosse largamente custeada pela fortuna da família, o endividamento real e as sucessivas tentativas de obter empréstimos no estrangeiro, assim como as atitudes cada vez mais extravagantes do monarca, levaram o gabinete a antecipar-se a uma provável exoneração. Por isso, entre Janeiro e Março de 1886, o governo compilou uma série de atitudes e actos do rei, sob a orientação do conde Von Holstein, que viria a traduzir-se num Relatório Médico em que se concluía que Ludwig, atingido por doença mental, se tornara incapaz de reinar. Finalizado no início de Junho, o relatório foi subscrito por quatro psiquiatras, entre os quais o doutor Bernhard von Gudden, chefe do Asylum de Munique, e terminava afirmando que o rei sofria de paranóia incurável. Sendo o irmão de Ludwig, o príncipe Otto, um doente mental, os "conspiradores" auscultaram o tio, o príncipe Luitpold, quanto à sua disponibilidade para assumir a regência. E auscultaram igualmente o príncipe Otto von Bismarck, antigo primeiro-ministro da Prússia e na altura já chanceler do Império Alemão (o Segundo Reich), de que o reino da Baviera fazia parte. Bismarck, que simpatizava com Ludwig, não se convenceu da veracidade do relatório, mas decidiu não impedir o governo bávaro de prosseguir com as suas intenções. Também Luitpold que fizera depender a sua aceitação das conclusões do relatório, acabou por concordar com a regência.

Castelo de Berg

A 9 de Junho de 1886, uma comissão governamental, incluindo Von Holstein e Von Gudden, chegou ao Castelo de Neuschwenstein para entregar formalmente a Ludwig o documento de deposição e colocá-lo sob custódia. Avisado por criados fiéis, o rei ordenou á polícia local para o proteger e os enviados acabaram por ficar detidos no castelo, tendo sido libertados no dia seguinte. Os amigos de Ludwig pressionaram-no para se deslocar imediatamente a Munique e denunciar a situação mas o rei preferiu emitir um comunicado que foi publicado no dia 11 num jornal de Bamberg, cujos exemplares foram na maior parte apreendidos pelo governo. Entretanto as tropas fiéis ao príncipe Luitpold cercaram o castelo. E no dia 12, de madrugada, chegou uma nova comissão, que prendeu o rei às 4 horas da manhã, conduzindo-o de carruagem ao castelo de Berg, nas margens do lago Starnberg. Ludwig terá então perguntado ao doutor Gudden como podia declará-lo louco se nunca o tinha visto antes.

Munique - Residenz

Munique - Residenz

Munique - Residenz

No dia 13, por volta das 6 horas da tarde, o rei convidou o doutor Gudden, que ficara a acompanhá-lo no castelo, para um passeio nas margens do lago. Gudden acedeu e dispensou os guardas que os seguiam. Passadas algumas horas e não tendo regressado ao castelo, foi dado o alarme. Às 11.30 horas da noite, foram os corpos de ambos encontrados a flutuar no lago, próximo da margem. A causa oficial da morte foi a de suicídio por afogamento, mas as circunstâncias nunca foram verdadeiramente esclarecidas. Crê-se que os amigos do rei teriam um plano para o libertar da sua "prisão", plano abortado, e que Ludwig foi, de facto, assassinado. O afogamento não explica a morte de Gudden, que possivelmente foi morto para encobrir o regicídio.

Munique - Igreja de S. Miguel

O corpo de Ludwig foi colocada na capela do Palácio da Residenz em Munique, e em 19 de Junho foi realizado um funeral nacional. Os restos mortais repousam na cripta da Igreja de São Miguel, em Munique. A Ludwig II sucedeu seu irmão Otto, esse um autêntico doente mental, pelo que a regência ficou, como inicialmente previsto, nas mãos de Luitpold, que faleceu em 1912, ainda em vida de Otto. Por sua morte a regência passou para as mãos do filho, Ludwig, que por morte de Otto no ano seguinte, se tornou rei da Baviera como Ludwig III (1913-1918).

Munique- Igreja de S. Miguel - Cripta - Túmulo de Ludwig II

3 comentários:

Anónimo disse...

Certamente útil e bem ilustrada súmula biográfica do Ludwig para quem não esteja familiarizado com esta estranho e aparentemente absurdo reinado. Seguindo a sua trajectória dir-se-ia que ele afinal procurava um fim semelhante ao que acabou por ter,colocando-se fora,cada vez mais fora,dos cânones burgueses e convencionais,e das expectativas habituais para um monarca do seu século. É um pouco o heroi romântico da literatura coeva,o indivíduo ungido de Missão e de Génio,em luta com as convenções burguesas e as medianias dominantes. Não surpreende assim a sua paixão pelos heróis wagnerianos, muitas vezes heróis de destinos fracassados como o que criou para si próprio. Não admira que o cinema o tenha tratado com talento,pois o gosto pela tragédia romântica não está felizmente morto.

Anónimo disse...

Parabéns pelo post.

Helena disse...

Acabei de chegar da Alemanha e fiquei sabendo por este post muita coisa que não me foi dito ou sequer ventilado nos encartes que nos são fornecidos pelos museus , castelos , palácios e afins . Parabens , Helena