O rei Abdullah, da Arábia Saudita e o presidente Bachar al-Assad, da Síria chegaram a Beirute para uma tentativa conjunta de travar o começo de uma nova escalada de violência, a propósito da possível implicação de membros do Hizbullah no assassinato do antigo primeiro-ministro libanês Rafiq al-Hariri.
Trata-se da primeira visita ao Líbano, desde há longos anos, de um monarca saudita, e de uma manifestação da influência que o presidente sírio continua a ter no País do Cedro. Esta actuação conjunta dos dois chefes de estado poderá contribuir largamente para a manutenção de uma certa estabilidade no Líbano, tanto mais que não se vêem sinais de uma evolução favorável do conflito israelo-palestiniano. Mesmo o presidente Obama, cujas afirmações no inicio do seu mandato tinham suscitado algumas esperanças quanto à pressão dos EUA sobre o governo israelita para o progresso das negociações, parece ter abandonado a convicção de que a paz no Médio Oriente jamais será obtida sem que se encontre resolvida a "Questão da Palestina".
sábado, 31 de julho de 2010
sexta-feira, 30 de julho de 2010
ANTÓNIO FEIO
Morreu a noite passada, no Hospital da Luz, onde se encontrava internado, o actor e encenador António Feio. Natural de Moçambique (1954), cedo se revelou a sua vocação teatral. Conheci-o em 1966, quando se estreou no Teatro Experimental de Cascais, apenas com 11 anos, pela mão de Carlos Avilez, como protagonista da peça Mar, de Miguel Torga. Acompanhei a sua carreira, onde se distinguiu, nomeadamente no registo cómico, integrando, com José Pedro Gomes, a dupla "Conversa da Treta". A sua encenação e interpretação da peça O que diz Molero, de Dinis Machado, no Teatro Nacional D. Maria II, constituiu um assinalável êxito. Também na rádio e na televisão foi uma presença assídua e tonificante, na estagnação cultural portuguesa.
Vítima de um cancro, António Feio é uma figura que desaparece quando havia ainda muito a esperar das suas capacidades como escritor e intérprete de textos, onde a crítica certeira e actual era uma constante saudável.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
A RECUSA
O escritor egípcio Gamal Ghitany, autor de Zayni Barakat e de Waqâ'i' Hârat al-Za'farâni (O misterioso caso do beco Za'farâni), entre muitas obras notáveis, traduzidas em várias línguas, possivelmente o mais famoso escritor egípcio vivo, acaba de recusar a sua inclusão na lista de selecção do júri do International Prize for Arabic Fiction.
Argumenta Ghitany que o prémio, de 10.000 dólares para os autores seleccionados e de 50.000 dólares para o vencedor, não só não possui uma filosofia precisa como consagra a totalidade ou parte do seu montante à tradução em língua estrangeira do livro premiado. A título pessoal, Ghitany, de 65 anos, não aceita ser colocado em competição com autores jovens.
Está, pois, criada a polémica quanto ao direito de um escritor recusar que um livro seu possa ser seleccionado pelo júri de um concurso literário.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
CARLOS VAZ MARQUES E ALGÉS
Escreve Carlos Vaz Marques (CVM) na introdução à entrevista a Graça Morais, publicada no nº 103 de Oeiras em revista: "Onde hoje está a colecção de arte de Manuel de Brito, ia a pintora - então professora de educação visual - levar a filha, ainda criança, para as aulas de ballet. Algés ainda era um lugar triste e suburbano..."
Talvez CVM não tenha conhecido Algés no passado, isto é, há uns 40 ou 50 anos, para não dizer mais. Mas então deveria ter-se informado, a menos que a sua colaboração com a Câmara Municipal de Oeiras o leve a ignorar o que então Algés representava de animação, para exaltar a "nova" Algés de Isaltino Morais. Algés um lugar triste e suburbano...? Que dislate. Algés nos anos 40 e até ao começo da destruição dos pavilhões na grande esplanada sobre a Marginal, era o local aonde de dia e à noite, especialmente de Verão, se deslocavam os lisboetas para fruir o seu verdadeiro passeio público, que nada tem a ver com o actual passeio marítimo dos festivais de música rock. Milhares de pessoas se distraiam à noite em Algés, nos citados pavilhões, o Cristal, o Verde, mais tarde o Catavento, o Caravela (o único que subsiste, mas totalmente transformado), o Ribamar (hoje uma coisa híbrida chamada Jardim do Marquês). E esses pavilhões tinham espectáculos nocturnos de variedades ao ar livre (ainda me recordo, era miúdo, dos espectáculos do pavilhão Verde, aonde está hoje o Restaurante e Café Caravela).
Os pavilhões e os inúmeros cafés espalhados por Algés estavam abertos até à meia-noite, por vezes até às duas da manhã. A Tá-Mar, a Elite, a Nortenha (antiga), tantos outros. Hoje, não existe em Algés um único café aberto à noite.
Se há coisa que Algés fosse era um lugar alegre, com gente permanentemente a transitar. Nos dias que correm, a partir das 10 da noite quase não se vê vivalma nas ruas.
Deve, pois CVM documentar-se sobre Algés antes de escrever textos que subvertem a verdade histórica. Que CVM seja colaborador assíduo da actual Câmara Municipal é um problema dele. Mas que seja honesto. Hoje, é que Algés é um lugar triste e suburbano.
Talvez CVM não tenha conhecido Algés no passado, isto é, há uns 40 ou 50 anos, para não dizer mais. Mas então deveria ter-se informado, a menos que a sua colaboração com a Câmara Municipal de Oeiras o leve a ignorar o que então Algés representava de animação, para exaltar a "nova" Algés de Isaltino Morais. Algés um lugar triste e suburbano...? Que dislate. Algés nos anos 40 e até ao começo da destruição dos pavilhões na grande esplanada sobre a Marginal, era o local aonde de dia e à noite, especialmente de Verão, se deslocavam os lisboetas para fruir o seu verdadeiro passeio público, que nada tem a ver com o actual passeio marítimo dos festivais de música rock. Milhares de pessoas se distraiam à noite em Algés, nos citados pavilhões, o Cristal, o Verde, mais tarde o Catavento, o Caravela (o único que subsiste, mas totalmente transformado), o Ribamar (hoje uma coisa híbrida chamada Jardim do Marquês). E esses pavilhões tinham espectáculos nocturnos de variedades ao ar livre (ainda me recordo, era miúdo, dos espectáculos do pavilhão Verde, aonde está hoje o Restaurante e Café Caravela).
Os pavilhões e os inúmeros cafés espalhados por Algés estavam abertos até à meia-noite, por vezes até às duas da manhã. A Tá-Mar, a Elite, a Nortenha (antiga), tantos outros. Hoje, não existe em Algés um único café aberto à noite.
Se há coisa que Algés fosse era um lugar alegre, com gente permanentemente a transitar. Nos dias que correm, a partir das 10 da noite quase não se vê vivalma nas ruas.
Deve, pois CVM documentar-se sobre Algés antes de escrever textos que subvertem a verdade histórica. Que CVM seja colaborador assíduo da actual Câmara Municipal é um problema dele. Mas que seja honesto. Hoje, é que Algés é um lugar triste e suburbano.
terça-feira, 27 de julho de 2010
SALAZAR: NO QUADRAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DA MORTE
Completam-se hoje 40 anos sobre a morte de António de Oliveira Salazar. A efeméride é assinalada pela publicação do livro de António Simões do Paço Salazar - O Ditador Encoberto. Aos 81 anos, e depois de uma prolongada enfermidade decorrente do acidente cardiovascular sobrevindo na sequência da intervenção cirúrgica a que fora submetido em 1968, Salazar morre após quarenta anos de governo, tantos como aqueles que hoje nos separam do seu falecimento.
Quaisquer que sejam as opiniões sobre Salazar, é hoje indiscutível, pelo menos de boa-fé, que o "chefe" do Estado Novo se tornou para os portugueses numa figura incontornável, certamente, por boas e más razões, o mais notável político português do século XX.
A ele deve o País inestimáveis serviços, como o equilíbrio financeiro do Estado, a ordem pública e a segurança dos cidadãos, o ter logrado poupar-nos aos horrores da Segunda Guerra Mundial, e muito mais haveria a dizer.
Foi Salazar duplamente vítima das imagens que lhe criaram, vivo e morto. Durante o anterior Regime, uma hagiografia perfeitamente deslocada, para a qual terá eventualmente contribuído; depois da Revolução que pôs fim ao Estado Novo, uma demonização total, como se ao homem nada houvesse a creditar ao longo de quase meio-século, como se a Segunda República tivesse sido um período de total obscurantismo sem a mais ténue fresta de claridade, aquilo que muitos chamaram, e alguns ainda chamam, a "longa noite fascista". Nem tudo foi bom sob a governação de Salazar, tal como nem tudo foi mau. Terá o homem de ser avaliado em função de si mesmo e, como diria Ortega y Gasset, da sua circunstância. E a circunstância de Salazar, desde os fins dos anos vinte do século passado, era bem diferente da actual.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
DUAS FIGURAS TUTELARES
Há na Baviera, e mais propriamente em Munique, duas figuras tutelares, uma publicamente exaltada, Ludwig II, a outra prudentemente silenciada, Adolf Hitler. Ambas são, todavia, omnipresentes.
Ludwig II, o "Rei-Virgem" ou o "Rei-Louco", ainda que nenhum dos cognomes tenha sido alguma vez comprovado, é uma figura emblemática da Baviera, não só como objecto de veneração, mas como produto turístico rentável.
Adolf Hitler, que a partir de Munique, para onde se mudou em 1913, impulsionou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei - NSDAP), é o grande ausente, embora permaneça no pensamento dos bávaros pelas melhores e pelas piores razões.
Ambos acalentaram sonhos de grandeza e de poder. Ludwig, sonhava com a monarquia absoluta e venerava Luís XIV e Luís XV. Pinturas e esculturas do Rei-Sol adornam os seus palácios e castelos. Hitler, sonhava com um poder absoluto total, que conseguiu na Alemanha com a criação do III Reich e que pretendia estender a toda a Europa.
Ambos tributaram especial admiração a Richard Wagner, à sua música e também ao próprio homem. Ludwig, uma paixão pelas óperas e uma paixão por Richard que, julga-se, não terá sido fisicamente concretizada. Sendo homossexual, Ludwig recusou sistematicamente o casamento e mesmo quando, forçado pelas circunstâncias, aceitara casar com sua prima a princesa Sophie da Baviera, irmã da imperatriz Elisabeth da Áustria, anulou os esponsais dois dias antes da data prevista para a celebração do casamento. Hitler, e porque Wagner já tinha morrido, uma paixão pela sua música e as cordiais relações com a viúva do compositor, Cosima, com o filho Siegfried e com a nora Winifred (Winnie). O Führer tornou-se um frequentador assíduo de Bayreuth e, segundo a ficção elaborada por A.N. Wilson (Winnie and Wolf, tradução portuguesa com o título A Filha de Hitler), terá mantido uma relação com Winnie, de que nasceu uma filha. Esclareça-se que nessa ocasião Winnie enviuvara já de Siegfried, morto súbita e prematuramente de um ataque cardíaco, durante um dos Festivais de Bayreuth, de que era o director. Curiosamente, Siegfried também era homossexual e fora obrigado a casar pela mãe, aquando dos escândalos que na Alemanha envolveram as mais altas figuras políticas e militares, entre as quais o príncipe de Eulenbug, íntimo do Kaiser Wilhelm II. Não obstante, e apesar de assediar sistematicamente os rapazes do coro do Teatro de Bayreuth, Siegfried foi pai de quatro filhos, dois rapazes, que lhe sucederam na direcção do Festival, e duas raparigas.
Esta suposta paternidade de Hitler não passará todavia de uma bem construída ficção literária, já que Hitler era misógino e, com as maiores probabilidades, também homossexual. A esse respeito, deve ler-se o livro, de Lothar Machtan Hitlers Geheimnis (tradução portuguesa com o título A Face Oculta de Hitler), dotado de um aparato documental notável.
Os sonhos de grandeza de ambos tiveram um fim trágico: Ludwig delapidou o erário régio com a construção obsessiva de extravagantes palácios e castelos e, considerado mentalmente incapaz, foi deposto. Hitler, após uma recuperação económica do país e um renascer do orgulho alemão humilhado pelo Tratado de Versailles, desencadeou a Segunda Guerra Mundial que destruiu parte da Europa.
Ambos morreram suicidados ou assassinados, Ludwig no lago de Sternberg, no dia seguinte à sua deposição (continuaria formalmente como rei mas seu tio, o príncipe Luitpold assumiria a regência); Hitler, no bunker de Berlim. Não sabemos exactamente, e possivelmente nunca saberemos, as reais circunstâncias das suas mortes, apesar dos milhares de páginas que se escreveram sobre a matéria.
A verdade é que os espíritos de ambos, tão semelhantes e ao mesmo tempo tão diferentes, continuam a assombrar a Baviera.
domingo, 25 de julho de 2010
JUSTIÇA INTERNACIONAL
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) considerou, no passado dia 22, que a declaração de independência do Kosovo de 17 de Fevereiro de 2008 não violava a lei internacional. Esta instância judicial das Nações Unidas, que se rege por critérios mais políticos do que jurídicos, é por isso um órgão de idoneidade duvidosa.
Até à data, apenas 69 países reconheceram o Kosovo, entre os quais, infelizmente, Portugal, que não foi dos primeiros a fazê-lo mas acabou por ceder a pressões internacionais, nomeadamente dos Estados Unidos da América, os grandes arautos da independência dessa antiga província sérvia, considerada o berço da nacionalidade. No interior da União Europeia, ainda não procederam ao reconhecimento a Grécia, a Roménia, a Bulgária, a Eslováquia, o Chipre e, nomeadamente, a Espanha.
O presidente da Sérvia, Boris Tadic, declarou que o seu país jamais reconhecerá a proclamação unilateral da independência do Kosovo, e o ministro dos Negócios Estrangeiros sérvio afirmou que, a partir de agora, nenhuma fronteira do mundo estará segura. De facto, este parecer do TIJ, que não tem contudo um valor absoluto, visto invocar apenas a "declaração de independência" e não o direito do Kosovo se separar unilateralmente da Sérvia, abre portas para todas as secessões, as que estão já no horizonte e as futuras.
O desmembramento da Jugoslávia, que levou a uma guerra mortífera nos Balcãs, teve o apoio incondicional dos Estados Unidos, como é óbvio, operação liderada pela então secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright, uma mulher de discutível reputação política, a quem se deve a morte, a mutilação e o desalojamento de milhões de pessoas. Importa também referir que, por motivos particulares, a Alemanha e o Vaticano, tendo sido os primeiros estados a reconhecer a secessão da Eslovénia e da Croácia, são largamente co-responsáveis pela tragédia que se seguiu. É evidente que, na conjuntura que durante anos se viveu na região, os sérvios não estão totalmente isentos de culpa, mas ao ser desencadeada a espiral de violência, quem poderá detê-la em tempo útil?
Aquando da decisão da NATO bombardear a Sérvia em 1999, por causa do Kosovo, decidida em Rambouillet por absoluta pressão e intimidação da megera Albright, à revelia da ONU, e contra a vontade do próprio Chirac, o então primeiro-ministro português Guterres afirmou tratar-se de uma "guerra humanitária".
Sabia-se então e sabe-se hoje melhor que a questão não era o facto de Milosevic não tratar bem os albaneses do Kosovo, mas o de, caído o muro de Berlim, o velho líder comunista se continuar a opor às políticas de globalização ultra-liberais que mais convinham ao chamado Ocidente.
Não tendo o Kosovo condições para ser um estado independente, têm a União Europeia e a NATO, por canais diversificados, canalizado milhões de euros para aquela região, dinheiro que provém dos contribuintes europeus e americanos. Apoiados pela Albânia, país de mafiosos onde prolifera o crime organizado que constitui artigo de exportação, os kosovares logo concederam aos EUA o direito de instalar bases militares no seu território e celebraram a sua proclamação de independência com as bandeiras albanesa e americana.
Atendendo à minoria sérvia que ainda reside no Kosovo, a declaração do TIJ está longe de contribuir para o apaziguamento das tensões e até poderá exacerbá-las. Esperam-se dias conturbados nos Balcãs, pois a situação da Bósnia-Herzegovina é periclitante e agitam-se os espíritos na Macedónia e no Montenegro, para já não falar da Grécia, da Bulgária e da Roménia.
Será que os responsáveis pela criação desta situação, a começar por Clinton e Bush, se sentarão alguma vez no banco dos réus?
FESTIVAIS
PUBLICADO HOJE POR EDUARDO PITTA NO BLOGUE "DA LITERATURA"
ELES COMEM TUDO?
Morreram 19 pessoas e 340 estão feridas com gravidade na sequência da Love Parade (o mais famoso festival de música tecno do mundo) da cidade alemã de Duisburg. Concebida em Berlim, em 1989, para celebrar o espírito da queda do Muro, a Love Parade juntava todos os anos, na capital alemã, cerca de dois milhões de participantes. Verdade: sexo à fartazana, quiçá à canzana.
Ontem, em Duisburg, estava um milhão e meio de pessoas. O que terá levado alguns jornais, como o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias, a rotular como gay um festival predominantemente heterossexual? Com certeza que há gays entre os participantes da Love Parade! Como provavelmente há no CM, no JN, nos balneários, nas missas, nas feiras, nas universidades, nos quartéis, nos hospitais, nos ministérios, nos túneis, etc. E daí? A imprensa tablóide é gay? A tropa é gay? O futebol é gay? O Estado é gay? A Academia é gay? Anda tudo parvo?
[A imagem é do Bild.]
Ontem, em Duisburg, estava um milhão e meio de pessoas. O que terá levado alguns jornais, como o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias, a rotular como gay um festival predominantemente heterossexual? Com certeza que há gays entre os participantes da Love Parade! Como provavelmente há no CM, no JN, nos balneários, nas missas, nas feiras, nas universidades, nos quartéis, nos hospitais, nos ministérios, nos túneis, etc. E daí? A imprensa tablóide é gay? A tropa é gay? O futebol é gay? O Estado é gay? A Academia é gay? Anda tudo parvo?
[A imagem é do Bild.]
Estes festivais musicais, como o que ainda recentemente ocorreu no Passeio Marítimo de Algés, são eventos alienantes concebidos pelos seus organizadores com finalidades que pouco terão a ver com a música, mas muito com a droga, com o álcool, com o sexo (há outros lugares mais apropriados) e com a obtenção de dinheiro para fins provavelmente inconfessáveis. As autarquias locais, em Portugal como no estrangeiro, que promovem ou aprovam estas manifestações de loucura colectiva deveriam ser severamente punidas. O roteiro destes festivais ao longo do planeta obedece a um plano certamente bem organizado, o de quem pretende converter o que resta da humanidade pensante, especialmente da juventude, à condição de escravatura. No fim, como em tudo, ao longo da história mas hoje mais do que nunca, só conta o DINHEIRO.
sábado, 24 de julho de 2010
À SOMBRA DE CRISTO E DE CARLOS-QUINTO
O Teatro Nacional da Baviera, vulgo Ópera de Munique, apresentou no dia 18 deste mês uma nova produção de Don Carlo, ópera que há anos não era reposta naquela cena lírica. Tratou-se de um grande espectáculo, quer do ponto de vista musical, quer do ponto de vista cénico.
A Bayerisches Staatsorchester, dirigida por Marco Armiliato, teve uma prestação de alto nível, o mesmo se podendo dizer dos cantores. Integravam o elenco, nos principais papéis, René Pape (Filipe II), Ramón Vargas (Don Carlo), George Petean (Rodrigo), Paata Burchuladze (Grande Inquisidor), Christian Van Horn (Um Monge/Carlos-Quinto), Olga Guryakova (Elisabetta) e Nadia Krasteva (Eboli). Foram especialmente apreciadas as intervenções da búlgara Nadia Krasteva e do romeno George Petean, o que continua a demonstrar a excelência dos cantores do Leste europeu, que nos deu figuras tão famosas como Boris Christoff ou Nicolai Ghiaurov.
A encenação de Jürgen Rose, também autor do cenário e figurinos, é uma criação notável (apesar de uns ligeiríssimos toques de gosto duvidoso) mas também polémica, concebida à sombra da Cruz e do espírito do sommo imperatore Carlos-Quinto, que já havia inspirado Schiller, Verdi e Boito.
Carlos-Quinto, pintado pelo Tiziano - Munique, Alte Pinakothek
Parece que esta produção não será editada em DVD (segundo informações locais) o que, a ser verdade, profundamente se lamenta e constituirá motivo de irritação para todos os melómanos do mundo. Na verdade, não sendo possível descrever em poucas palavras esta encenação (aliás, quaisquer palavras trairiam a realidade), apenas a visualização do espectáculo permitirá aquilatar da excelência da sua concepção. Considero pessoalmente que Don Carlo é uma das melhores óperas de Verdi e de todo o repertório lírico, para não dizer a mais importante, já que é sempre prudente, nestas matérias, não pronunciar juízos absolutos.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
NA BASE FINANÇAS SÃS
Em data que não posso precisar, efectuou o Prof. Doutor João Pinto da Costa Leite (Lumbrales), que sucedeu ao Doutor Salazar como ministro das Finanças do Estado Novo (1940-1950), uma intervenção pública sobre o estado financeiro da Nação, sob o título "Na base finanças sãs". O equilíbrio das contas públicas tinha sido a preocupação maior de Salazar quando assumiu primeiro a pasta das Finanças e depois a chefia do Governo. Tanto assim, que acumulou aquela pasta com a presidência do Conselho de Ministros até 1940, data em que a entregou ao ilustre catedrático de Coimbra, que prosseguiu os princípios definidos para a consolidação financeira do Regime. O desequilíbrio orçamental do país e o imenso défice público tinham provocado graves problemas nos últimos anos da Monarquia e atingido um estado calamitoso durante a Primeira República. Estava a Nação falida e nem os esforços de Sinel de Cordes adiantaram algo. Foi preciso uma segunda vinda de Salazar para Lisboa, desta vez com condições ("Sei o que quero e para onde vou") para que o país recuperasse a credibilidade externa e se iniciasse, ainda que lentamente, uma obra de reconstrução nacional. Não foram os ventos da História favoráveis ao Estado Novo (a resolução da questão colonial tinha-se tornado irreversível), nem a sua orgânica subsistiria à globalização dos nossos dias.
Encontramo-nos hoje, no 35º ano da Terceira República, com o mesmo problema financeiro, ainda que num contexto diferente, porque "europeu", e com outros países em condições semelhantes. Não se vislumbra, entre nós, remédio para esta crise que não seja sobrecarregar de impostos os cidadãos indefesos, os que trabalham ou já trabalharam, e a ninguém se pede responsabilidades sobre o desbaratar dos dinheiros públicos. Seria bom que, pelo menos aqueles que estão incumbidos de nos "governar", lessem a histórica intervenção do Prof. Lumbrales, que sabia alguma coisa de finanças (estudei Economia por um livro dele, além dos do Pereira de Moura, noutra perspectiva) e até tinha biblioteca.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
AS LIBERALIDADES DA VELHA SENHORA
Está a França agitada com o escândalo em torno da figura de Liliane Bettencourt ou, mais precisamente, em torno da fortuna de Liliane Bettencourt. Esta distinta senhora, de 87 anos, muito "vieille France", é acusada pela filha de delapidar a fortuna da família, a segunda de França e uma das maiores do mundo. De facto, Madame Liliane, que herdou de seu pai o império de cosméticos L'Oréal, tem disposto dos seus bens da forma que melhor entende, sem prejuízo da participação da filha nas acções das suas empresas. Assim, só ao fotógrafo François-Marie Banier, amigo de longa data da veneranda senhora e de seu falecido marido, as dádivas já ultrapassaram os mil milhões de euros. O pior é que entre os presumíveis beneficiários da generosidade de Madame, se encontra o presidente francês Nicolas Sarkozy, vários ministros e políticos diversos.
Pretende a filha que sua mãe não se encontra no pleno uso das suas faculdades mentais, o que é sempre possível de invocar num caso destes. Parece, contudo, que a filha, Françoise, já associada ao império L'Oréal, e casada com o neto de um rabino cujo avô terá morrido em Auschwitz, também tem comportamentos muito estranhos e singulares.
No meio de tudo isto há escutas telefónicas, mordomos espiões, contabilistas indiscretos, e toda uma legião de servidores (e de servidos) que integram um processo judicial capaz de abalar a França.
O folhetim deste processo, já com algumas semanas de discussão pública, dará certamente um romance policial e um bom filme de "suspense".
quarta-feira, 14 de julho de 2010
DIÁLOGO IRÃO/TURQUIA EM LISBOA
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Manoutchehr Mottaki, que está de visita a Lisboa e que se encontrou com o seu homólogo português Luís Amado, foi esta manhã recebido pelo
presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, antes de oferecer, no Hotel Marriott, um almoço a algumas personalidades dos meios académico e empresarial e a dirigentes de vários organizações ligadas ao mundo árabo-islâmico. Num improviso, antes da refeição, Mottaki referiu-se à situação geoestratégica do Irão, à sua cultura e história de mais de sete mil anos, à produção de energia nuclear para fins pacíficos, ao tronco comum das religiões cristã e muçulmana, ao facto de o Irão não ser uma potência agressora, mas sempre agredida (caso da invasão iraquiana), ao desejo de manter relações amistosas com a chamada comunidade internacional (o sublinhado é meu), etc.
De tarde, o ministro Mottaki teve uma reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Ahmet Davutoglu, que deveria ter-se deslocado a Lisboa na passada semana mas que adiou a sua visita a Portugal, a fim de se encontrar hoje com o seu homólogo iraniano.
O objectivo deste encontro bilateral, de que é anfitrião o MNE português, é a discussão em torno do dossier nuclear iraniano. A visita a Portugal do ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão foi vivamente criticada pelo embaixador de Israel em Lisboa, que julga que a política externa portuguesa é ditada por Telavive. Por isso, foi chamado ao Palácio das Necessidades para esclarecer as suas afirmações e apresentar desculpas.
terça-feira, 13 de julho de 2010
DELÍRIOS
Nas Jornadas Parlamentares do PSD, dois antigos ministros das Finanças de governos do Partido Socialista, Ernâni Lopes e Campos e Cunha, fizeram propostas algo delirantes para resolver a crise financeira nacional, pela qual os portugueses, na sua generalidade, não são minimamente responsáveis.
Assim, segunda a comunicação social, Ernâni Lopes terá sugerido a diminuição dos vencimentos dos funcionários públicos em pelo menos 20%.
Por seu turno, Campos e Cunha considera que o problema resulta dos baixos vencimentos dos políticos, pelo que sugeriu que fossem aumentados até cerca de 30%, além de outras considerações estranhas sobre os votos em branco, etc.
Não se percebe bem que resultados pretendem atingir. Certamente que a Ernâni Lopes não faria muita diferença receber menos 20% dos seus salários ou pensões de reforma ou o que for. Em caso de necessidade, até poderia vender a sua colecção de obras de arte, que parece valer alguns milhões, segundo visitas de sua casa. Mas para a generalidade dos cidadãos, trabalhadores no activo ou pensionistas, uma redução de 20% afectaria dramaticamente o respectivo orçamento familiar. É que o nível de vida dos portugueses (com exclusão da classe política e da classe dos gestores) é dos mais baixos da Europa. Por outro lado, a ideia de Campos e Cunha de que a elevação em cerca de 30% dos salários dos políticos aumentaria a qualificação dos mesmos e seria garantia de maior competência e de maior honestidade no desempenho das suas funções, não lembra ao diabo. Campos e Cunha, que tem 56 anos, não se deveria permitir tamanha ingenuidade, a menos que as suas declarações se insiram no processo de delírio colectivo que atingiu o país. Também Ernâni Lopes, que tem 68 anos, e portanto, presume-se, experiência da vida, e que foi ministro de Mário Soares e responsável por um notável aperto de cinto decorrente das liberalidades do consulado gonçalvista, tem a obrigação de saber que a situação social é totalmente diferente da de então e que importa impedir a ruptura do tecido social, de imprevisíveis consequências.
Pensam estes dois "venerandos" economistas que o facto das Forças Armadas terem sido mercenarizadas pôs o país ao abrigo de um golpe de estado ou de uma revolução. Puro engano. O facto de Portugal estar a saque há muitos anos, sem que os responsáveis pela delapidação do tesouro nacional sejam julgados e condenados, não significa que os portugueses estejam dispostos a ser sugados até ao tutano por uma classe incompetente e venal que, salvo raras e honrosas excepções, governa o país há 35 anos.
Que são necessárias medidas, ninguém duvida. Mas que sejam aplicadas com equidade e bom-senso. Aqui, como em toda a Europa, a fim de se evitar o pior.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
O ESTADO DAS ARTES
PUBLICADO HOJE POR FRANCISCO JOSÉ VIEGAS NO BLOGUE "A ORIGEM DAS ESPÉCIES"
O Diogo Belford enumera aqui alguns pontos negros da actividade dos dois governos PS em matéria de cultura. Tem razão. Do ponto de vista da estabilidade, três ministros podiam fazer melhor. Não se sabe é se podiam, ainda, fazer pior. A questão é, no entanto, muito mais vasta — e não tem a ver com as nomeações e demissões mal anunciadas ao longo destes anos. São pormenores num mapa de maus feitios, incompatibilidades, má execução de políticas, excução de más políticas — e indefinição sobre o papel do Estado na cultura. Mas isso deve discutir-se mais tarde. O problema é que, sobre as instituições que o Diogo nomeia, não há uma definição precisa dos respetivos cadernos de encargos. Para que serve um teatro nacional (que deve existir) e que repertório deve apresentar? De que forma deve ser gerido e dirigido o teatro de ópera? Que contrapartidas devem oferecer — ao público — as companhias de teatro apoiadas pela Direção-Geral das Artes? Pode o MC confiar em alguém que diz que gostaria de mudar o Museu Nacional de Arte Antiga para um edifício «mais moderno»? Pode alguém confiar em quem anunciou vários museus (o da Língua é um bom exemplo, mas há mais) só porque lhe agradou a existência de um, semelhante, que viu noutro lugar? Tem, ou não, o MC, autoridade para negociar (influenciar, negociar — não impor) um repertório clássico fundamental no teatro e na música? Pode o MC continuar a apoiar o cinema, da forma como tem feito, sem ter acesso ou poder verificar, com rigor, o destino do seu investimento (incluindo, claro está, a avaliação da forma como algumas «empresas associadas» cumprem ou não as suas obrigações)? Podem as câmaras municipais continuar a financiar ilegalmente (e violando os princípios mais básicos da independência das instituições públicas) a «música comercial»? Pode o MC continuar a formular «políticas» sem a colaboração — que lhe devia ser prestada — do Ministério da Educação e do Ministério dos Negócios Estrangeiros? Pode a «política da Língua» definir-se sem a participação, permanente, do Ministério da Educação, da Biblioteca Nacional, da rede de leitura pública, do Ministério dos Estrangeiros, da Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas, da rede de leitorados portugueses no estrangeiro? Pode o Estado português continuar a financiar um numeroso grupo de incompetentes, pusilânimes e indigentes herdados das várias formações da CPLP, onde se tem investido o dinheiro que há e, sobretudo, o que não há? Pode o MC subscrever um documento sobre a «política da Língua» onde, nos seus quase 100,000 caracteres, não se encontra a palavra «livro»? Pode um MC, depois disto, permitir-se anunciar a colaboração de empresas de «obras públicas» (como foi feito há mais de um ano) na recuperação do Património edificado – e haver monumentos nacionais em risco enquanto se fala do «Museu da Viagem»?
domingo, 11 de julho de 2010
E DEUS CALOU AS VUVUZELAS
Ordenou Deus que se calassem as trombetas e terminou o Campeonato do Mundo. Após um duelo esforçado, em que os holandeses deram o seu melhor, os espanhóis, já no prolongamento, conseguiram marcar o golo da vitória. Já Camões dizia: "Deu sinal a trombeta castelhana".
Emudecidas as vuvuzelas por determinação divina, regressará o mundo a uma pseudo-normalidade. E voltarão, súbito, os problemas que diariamente afligem a humanidade.
Neste momento derradeiro desse "desporto" estranho, originário da pérfida Albion, assinale-se a prestação do guarda-redes da equipa espanhola Iker Casillas, cujo capacidade defensiva foi decisiva para o desfecho favorável aos herdeiros de Carlos-Quinto e de Filipe II.
Outros jogadores devem ser assinalados pela sua actuação no terreno. Recordemos Fernando Torres,
David Villa
e Gerard Piqué.
E porque a Espanha ganhou, homenageie-se também a Rainha Sofia, que visitou os jogadores nos balneários.
sábado, 10 de julho de 2010
DO FUTEBOL
PUBLICADO ONTEM POR EDUARDO PITTA NO BLOGUE "DA LITERATURA"
A TERRA EM TRANSE
Agora que o n.º 93 [Julho-Agosto] da LER já está na rua, deixo aqui a crónica A terra em transe, publicada no n.º 92 na minha coluna Heterodoxias:
Desde miúdo que vejo a terra em transe por causa do futebol. O assunto nunca me interessou, embora toda a vida tenha conhecido adeptos do Sporting (minha mãe, tios e primos; o pai era só esgrima), do Benfica e do Desportivo. O Desportivo de Lourenço Marques ou, se preferirem, o Desportivo de Maputo, celebrizado pela prática do hóquei — quem não recorda a equipa de Fernando Adrião, campeã do mundo? —, tem pergaminhos na bola desde 1921. Eusébio tentou jogar no Desportivo, mas não passou no exame médico (inscreveu-se no Sporting local). Outro tempo. Os jogadores não usavam bandoletes nem faziam publicidade a cuecas.
Como hoje o conhecemos, o jogo tem regras estabelecidas há perto de 150 anos. Só podia ser uma invenção inglesa. Em todo o caso, isso não parece óbvio no Sul, onde o estilo adamado contrasta com a rudeza dos saxões. É só comparar Rooney com Nuno Gomes. Terá sido com a exploração da imagem de Futre, nos anos 1980, que o futebol português deu um forte contributo ao imaginário homoerótico. Nessa altura, os mais distraídos deram por Fernando Gomes, que andava a coleccionar Botas de Ouro e a comparar golos com orgasmos.
George Best foi, durante muito tempo, o epítome de todos os excessos: bola, sucesso, mulheres, álcool e drogas. A morte prematura, em 2005, fechou um ciclo em declínio. Cristiano Ronaldo, mesmo em underwear, fica a milhas do irlandês. Emular David Beckham (estou a falar de briefs Armani) foi um disparate. A masculinidade de Figo talvez pudesse contribuir para prolongar o paradigma Best, mas falta-lhe em “transgressão” o que lhe sobra em competência. Isto é como no cinema: as estrelas (Elizabeth Taylor, Marlon Brando) foram substituídas por profissionais (Meryl Streep, Tom Hanks). Sem falhas, a linha de montagem deu cabo da magia.
E, sem magia, não vamos longe.
Como disse, a bola interessa-me nada. Notícias estridentes podem ocupar-me por minutos, mas escapa-me a linguagem esotérica (o túnel, o balneário, etc.) e a benevolência de que gozam os hooligans.
Fazendo um esforço de mnemónica para encontrar futebol na literatura, ocorre-me o Eça, que achava o football próprio de gente como os ingleses e, nessa medida, inadequado aos nossos hábitos. Mas isso foi há mais de cem anos. E tinha que ver com práticas de public school, em tudo diferentes da modalidade cotada em bolsa.
Em 1921, Graciliano Ramos achava que os brasileiros não tinham vocação para o futebol: «Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não.» Pelé leu Graciliano?
O futuro desautorizou o autor de Vidas Secas (1938). Ilustres pares, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro, entre muitos, trataram o futebol como arte nobre. Drummond não fez a coisa por menos: «Futebol se joga no estádio? / Futebol se joga na praia, / futebol se joga na rua, / futebol se joga na alma.» E não só poemas como este. Afinal de contas, «Não há nada mais triste do que papel picado, no asfalto, depois de um jogo perdido. São esperanças picadas.» O assunto era sério. Dezenas de crónicas ficaram famosas: «Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.» (cf. Mané e o Sonho, 1983) E nós por cá? Onde o equivalente em Herberto Helder?
Desde miúdo que vejo a terra em transe por causa do futebol. O assunto nunca me interessou, embora toda a vida tenha conhecido adeptos do Sporting (minha mãe, tios e primos; o pai era só esgrima), do Benfica e do Desportivo. O Desportivo de Lourenço Marques ou, se preferirem, o Desportivo de Maputo, celebrizado pela prática do hóquei — quem não recorda a equipa de Fernando Adrião, campeã do mundo? —, tem pergaminhos na bola desde 1921. Eusébio tentou jogar no Desportivo, mas não passou no exame médico (inscreveu-se no Sporting local). Outro tempo. Os jogadores não usavam bandoletes nem faziam publicidade a cuecas.
Como hoje o conhecemos, o jogo tem regras estabelecidas há perto de 150 anos. Só podia ser uma invenção inglesa. Em todo o caso, isso não parece óbvio no Sul, onde o estilo adamado contrasta com a rudeza dos saxões. É só comparar Rooney com Nuno Gomes. Terá sido com a exploração da imagem de Futre, nos anos 1980, que o futebol português deu um forte contributo ao imaginário homoerótico. Nessa altura, os mais distraídos deram por Fernando Gomes, que andava a coleccionar Botas de Ouro e a comparar golos com orgasmos.
George Best foi, durante muito tempo, o epítome de todos os excessos: bola, sucesso, mulheres, álcool e drogas. A morte prematura, em 2005, fechou um ciclo em declínio. Cristiano Ronaldo, mesmo em underwear, fica a milhas do irlandês. Emular David Beckham (estou a falar de briefs Armani) foi um disparate. A masculinidade de Figo talvez pudesse contribuir para prolongar o paradigma Best, mas falta-lhe em “transgressão” o que lhe sobra em competência. Isto é como no cinema: as estrelas (Elizabeth Taylor, Marlon Brando) foram substituídas por profissionais (Meryl Streep, Tom Hanks). Sem falhas, a linha de montagem deu cabo da magia.
E, sem magia, não vamos longe.
Como disse, a bola interessa-me nada. Notícias estridentes podem ocupar-me por minutos, mas escapa-me a linguagem esotérica (o túnel, o balneário, etc.) e a benevolência de que gozam os hooligans.
Fazendo um esforço de mnemónica para encontrar futebol na literatura, ocorre-me o Eça, que achava o football próprio de gente como os ingleses e, nessa medida, inadequado aos nossos hábitos. Mas isso foi há mais de cem anos. E tinha que ver com práticas de public school, em tudo diferentes da modalidade cotada em bolsa.
Em 1921, Graciliano Ramos achava que os brasileiros não tinham vocação para o futebol: «Não seria, porventura, melhor exercitar-se a mocidade em jogos nacionais, sem mescla de estrangeirismo, o murro, o cacete, a faca de ponta, por exemplo? Não é que me repugne a introdução de coisas exóticas entre nós. Mas gosto de indagar se elas serão assimiláveis ou não.» Pelé leu Graciliano?
O futuro desautorizou o autor de Vidas Secas (1938). Ilustres pares, Carlos Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca e João Ubaldo Ribeiro, entre muitos, trataram o futebol como arte nobre. Drummond não fez a coisa por menos: «Futebol se joga no estádio? / Futebol se joga na praia, / futebol se joga na rua, / futebol se joga na alma.» E não só poemas como este. Afinal de contas, «Não há nada mais triste do que papel picado, no asfalto, depois de um jogo perdido. São esperanças picadas.» O assunto era sério. Dezenas de crónicas ficaram famosas: «Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.» (cf. Mané e o Sonho, 1983) E nós por cá? Onde o equivalente em Herberto Helder?
ISALTINO ALIVE
Há uns sessenta anos, a praia de Algés chegava à linha férrea. Do outro lado da Avenida Marginal existiam diversas esplanadas, que ficavam abertas até tarde. No verão, a população local, e os forasteiros, passeavam à noite entre Algés e o Dafundo, gozando a brisa do rio.
Depois, tudo mudou. A praia tornou-se primeiro aterro para estaleiros da construção da ponte sobre o Tejo, a seguir, local de construção de edifícios vários. O rio, esse foi remetido para umas centenas de metros de distância. As esplanadas foram desaparecendo, e as que subsistem, reduzidas ao mínimo, estão fechadas à noite. Toda a topografia da zona foi alterada, e o saudoso jardim de Algés quase desapareceu.
Durante o longo consulado de Isaltino Morais à frente da Câmara de Oeiras, já quase tão longo como o do Doutor Salazar, embora entre ambos não haja, evidentemente, a menor semelhança, o "progresso" foi chegando a Algés, porque, segundo o autarca, "Oeiras vale a pena", com certeza para ele. Tudo se foi transformando, sendo uma das últimas inovações a construção do passeio marítimo de Algés. Pensaram alguns, ingénuos, que nesse passeio, além de se passear, poderia haver cafés e restaurantes que substituíssem os desaparecidos e onde os indígenas e os visitantes pudessem desfrutar da proximidade do rio. Puro engano.
Serve esse passeio para a realização de "concertos" de música rock ou quejanda, que atrai, isso é verdade, milhares de apreciadores do barulho ensurdecedor que se prolonga até alta madrugada, não deixando dormir os infelizes moradores da zona. Um ano houve em que o ruído era tão grande que ninguém dormiu em todo Algés. Além disso, o incauto que saia com o seu carro nessas noites, já sabe que não terá lugar para o estacionar no regresso em Algés ou arredores até à madrugada do dia seguinte.
Decorre desde quinta-feira uma coisa chamada Optimus Alive, destinada a estragar a qualidade de vida à população local. Não sei quem ganha com a realização destes "concertos" no passeio marítimo, cuja vocação deveria ser outra. Nem se consegue perceber, mas isso é outra história, como tanta gente se deixa seduzir por um ruído acima dos decibéis que o ouvido humano pode suportar. Nas discotecas é idêntico. Há que impedir que as pessoas falem, que convivam, há que anestesiá-las pelo barulho para as tornar inofensivas. É uma estratégia sinistra, mas parece que ganhadora. Pelo menos, no imediato, há quem ganhe com ela.
Quando é que ficaremos livres de Isaltino e da sua vereação? Oeiras merecia melhor, merecia especialmente, aliás como todo o país, a tranquilidade para os seus habitantes, devendo remeter-se estes "festivais musicais" para zonas inofensivas para as populações, e onde os apreciadores se pudessem entregar a todos os desmandos que estas realizações sempre justificam.
O direito ao sossego deveria ser constitucionalmente garantido, mas as novas gerações são educadas exactamente no culto do barulho. E assim, pouco a pouco, discretamente, vai apodrecendo o relacionamento social. Aliás, parece que é esse o objectivo. Conseguirão os seus mentores alcançá-lo? Os tempos novos o dirão.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
CITAÇÃO (2)
Jean Daniel, no Nouvel Observateur (nº 2382), cita a jornalista italiana Rossana Rossanda: «Le XXe siècle nous renvoie à ses inconséquences, à ses espoirs, à ses échecs et irrésolutions. Depuis, il n'y a eu ni de grandes idées ni de grandes erreurs. Nous sommes dans une petite histoire aux effets pervers.»
quinta-feira, 8 de julho de 2010
AMÉLIA REY-COLAÇO
Completaram-se hoje vinte anos sobre o falecimento de Amélia Rey-Colaço, figura insigne do teatro português. Encenadora, actriz, empresária da Companhia Rey-Colaço/Robles Monteiro, que durante mais de cinquenta anos foi concessionária do Teatro Nacional D. Maria II, Amélia Rey-Colaço marcou indelevelmente o teatro português do século XX.
PAUL MORAND EM LISBOA
Publicou a Assírio & Alvim um pequeno livro com a tradução portuguesa de dois contos de Paul Morand: Lorenzaccio e O Prisioneiro de Sintra. O primeiro destes contos, que Morand incluíra no seu livro L'Europe galante (1925), merece a atenção do tradutor Aníbal Fernandes, que é também o prefaciador do livro. Trata-se de uma estória concebida por Morand, quando visitou Portugal em 1924, e que descreve um ditador português, ex-exilado e sodomita, que no último capítulo mantém relações sexuais com um marinheiro que, a soldo de outros políticos, o pretendia assassinar. Embora escrito anteriormente à sua chegada ao poder, parece que Salazar se achou retratado nesse conto, o que levaria o governo português a considerar indesejável a presença de Morand no nosso país, aonde só voltou em 1943, ao serviço do marechal Pétain.
Escritor, diplomata e académico (no fim da vida), Paul Morand (1888-1976) é uma figura desagradável da literatura francesa. Não tanto pela sua colaboração com o regime de Vichy (a que aderiu voluntariamente, abandonando as funções diplomáticas em Londres em 1940 e aderindo ao governo de Pétain, que o nomearia ministro plenipotenciário em Bucareste) mas pela sua personalidade intriguista e mesquinha. Tendo convivido de perto com a maior parte dos escritores (e não-escritores) homossexuais franceses, como Proust, Gide, Cocteau, e j'en passe, aproveitou todas as ocasiões para os criticar e para exaltar a sua pretensa virilidade e a sua paixão pelas mulheres, o que, dada a insistência com que o faz, não deixa de levantar suspeitas sobre o carácter das relações que manteve com muitas das personalidades citadas nas suas memórias, o Journal inutile, dois grossos volumes a que nos referiremos oportunamente.
Como escritor, foi brilhante (especialmente nos livros de viagens) mas superficial, e não tendo conseguido fazer-se eleger para a Academia Francesa antes da Ocupação alemã, só viria a sentar-se entre os "imortais" em 1968, já que De Gaulle (por óbvias razões), como patrono da Academia, sempre se opusera a essa eleição, que só se concretizaria no período final do mandato presidencial do general.
Sobre Paul Morand deve ler-se o post publicado por Pierre Assouline no passado dia 6 deste mês, no seu blogue "La république des livres", o mais famoso dos blogues literários franceses:
http://passouline.blog.lemonde.fr/,
com o título "Faut-il publier toutes les lettres de Paul Morand?"
quarta-feira, 7 de julho de 2010
terça-feira, 6 de julho de 2010
A GUERRA CIVIL EUROPEIA
No Fórum desta manhã da RDP 1, a esmagadora maioria dos intervenientes pronunciou-se a favor da golden share utilizada pelo Governo a propósito do negócio da PT. E naturalmente contra as declarações do presidente do BES, Ricardo Salgado, que pretendia a venda da participação na Vivo à Telefónica.
Não sabem os portugueses, na generalidade, que os países "europeus" já alienaram grande parte da sua soberania a favor da União Europeia. Sem serem consultados. Tratou-se de negócios entre governos, à revelia dos cidadãos, como se a União fosse a solução para todos os males do Velho Continente. Mas não é. Claro que, como todos sabem, o dinheiro não tem cheiro, o capital não tem pátria e os capitalistas não pertencem, realmente, a nenhum país, apenas aos seus interesses. mas acontece que o chamado povo ainda tem uns resquícios de patriotismo. A ideia de Estado-Nação surge apenas em finais do século XVIII, mas tal não impede sentimentos nacionalistas muito anteriores (a Europa tem 2.000 anos de história), como aliás se tem constatado nos últimos anos. Quando há uma década os sérvios reclamaram a soberania sobre o Kosovo, foi em nome de uma ancestralidade de seis séculos. E em 1640, os portugueses ao derrubarem o rei espanhol, fizeram-no convictos do seu nacionalismo, ainda que, segundo o direito da época, Filipe II fosse, em 1580, quem mais direitos tinha ao trono de Portugal, por morte ou desaparecimento de D. Sebastião.
As comunidades europeias surgiram como ideia para se evitar uma nova guerra na Europa, sendo no início tratados que se limitavam ao carvão, ao aço, à energia atómica, etc. Avançou-se depois, muito rapidamente, para uma união económica e monetária e para o esboço de uma união política, que nunca virá a concretizar-se. A agitação que, nos últimos dias, se tem verificado na Grécia é um prelúdio a confrontos mais graves que irão assolar o território europeu. Têm os Estados da União políticas externas distintas, interesses económicos diversos, populações etnicamente diferenciadas. Tudo o que pretender, como o pretende a globalização em curso, homogeneizar comportamentos e consumos, está condenado, a prazo, ao fracasso total.
Não há, infelizmente, na Europa, homens de génio que consigam prever e travar o desastre. Por isso, ou muito me engano, ou se caminha a passos largos para uma guerra civil europeia de contornos e consequências imprevisíveis.
MATILDE ROSA ARAÚJO
Morreu hoje, com 89 anos, a escritora Matilde Rosa Araújo. Autora de mais de vinte volumes, especialmente dedicados a crianças e jovens, recebeu em 1980 o Grande Prémio de Literatura para Criança da Fundação Calouste Gulbenkian. A sua obra estende-se pela poesia e pela ficção, embora tenha ocasionalmente abordado o ensaio. Professora do ensino técnico durante quase toda a sua vida, terminou a actividade profissional como docente na Escola do Magistério Primário de Lisboa a dar aulas de literatura infantil aos professores.
Contestava a época miserável em que vivemos, a "época do ter: ter pressa, ter bens, ter poder", a que preferia a "época do ser", em que prevalece "o espiritual, o humano, o afectivo". Contra o individualismo exacerbado, a competição desenfreada, defendia a solidariedade e a afectividade. Tinha esperança em que estivesse a surgir um novo período para a humanidade, mas perante as perspectivas que nos são oferecidas receio que se tenha enganado. Para mal de todo nós.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
CARAVAGGIO SEMPRE
Antecedendo a exposição das suas principais obras nas Scuderie del Quirinale, em Roma (20 de Fevereiro a 13 de Junho deste ano), foi Caravaggio tema para um filme, Caravaggio, l'ombra del genio, de Angelo Longoni (2007) - já o havia sido para o filme de Derek Jarman - e para um bailado, Caravaggio (2008), criado na Staatsoper Unter den Linden, em Berlim.
domingo, 4 de julho de 2010
PARABÉNS
Cristiano Ronaldo anunciou que foi pai. A criança, cuja mãe permanece incógnita por vontade do jogador, foi entregue aos cuidados da avó. Mesmo a calhar, este nascimento, numa altura em que o comportamento de Ronaldo no Mundial se tornou muito discutível e discutido.
sábado, 3 de julho de 2010
TRANSFERÊNCIAS
Parece que o país não vai tão mal como se diz. O Futebol Clube do Porto acaba de comprar João Moutinho, de 23 anos, por onze milhões de euros. Ao que consta, a aquisição do médio leonino era um desejo antigo de Pinto da Costa. Continuam, assim, e vão prosseguir, as grandes movimentações nos balneários.
DA LEITURA (2)
Ainda Alberto Manguel:
O seu amor pelas bibliotecas vem de onde? Da sua juventude, quando lia Borges (que era uma espécie de biblioteca ambulante e anotada), da biblioteca da casa do seu pai em Buenos Aires, onde se escondia para ler?
Não. A minha relação começou quando tinha três, quatro anos. Por um lado, é uma relação fetichista - o objecto-livro apaixona-me - e por outro, é uma relação de conhecimento do mundo. O conhecimento do mundo vem-me, em primeiro lugar, dos livros.
Para Borges, o conhecimento do mundo também passava pelos livros, mas ele não tinha qualquer relação fetichista com os livros. Não estava interessado em guardar livros - oferecia-os, tinha poucos livros. Eu ofereço muitos livros, mas compro livros para oferecer. Por vezes, ofereço livros da minha biblioteca - mas o que nunca faço é emprestar livros, porque isso é um apelo ao roubo.
DA LEITURA
Da entrevista de Ana Gerschenfeld a Alberto Manguel, publicada ontem na revista "ípsilon" do PÚBLICO:
Essa educação da estupidez faz-se desde muito cedo, desde o jardim de infância. É preciso um esforço muito grande para diluir a inteligência das crianças, mas estamos a fazê-lo muito bem. Estamos a conseguir destruir aos poucos os sistemas educativos, éticos e morais, o valor do acto intelectual.
Pensa que, para além de não haver muitos leitores, a leitura está a perder terreno neste momento?
O que está a perder terreno é a inteligência. Estamos a tornar-nos mais estúpidos porque vivemos numa sociedade na qual temos de ser consumidores para que essa sociedade sobreviva. E para ser consumidor, é preciso ser estúpido, porque uma pessoa inteligente nunca gastaria 300 euros num par de calças de ganga rasgadas. É preciso ser mesmo estúpido para isso.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
VISITA DO M.N.E. TURCO A LISBOA
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Ahmet Davutoglu, fará uma conferência no próximo dia 7, no Museu do Oriente, subordinada ao título "Turkey's Foreign Policy from Europe to Latin America". Esta palestra insere-se numa série de contactos internacionais do chefe da diplomacia turca, que incluiu esta semana uma reunião na Suíça com o ministro israelita do Comércio, Benjamin Ben-Eliezer, a primeira reunião entre estadistas dos dois países, depois do ataque israelita à flotilha de activistas pró-palestinianos que se dirigia a Gaza e de que resultou a morte de nove pessoas.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
O INFERNO SÃO OS OUTROS
"L'enfer c'est les autres": palavras sábias de Jean-Paul Sartre em Huis-Clos.
Começa hoje, dia 1 de Julho, a longa caminhada de austeridade que conduzirá a maior parte dos portugueses a um limiar de miséria, senão à miséria tout court. Por culpa própria em alguns casos, mas especialmente por culpa dos outros, dos que nos governaram nas últimas décadas. Dos que nunca prestaram contas dos seus actos e, pior, dos que se aproveitaram dos dinheiros públicos para enriquecer.
Vão os portugueses atravessar um período de grandes dificuldades que se ignora quando terminará. A todos, ou melhor, à maior parte, é pedido que apertem o cinto, mas receio que se tenha atingido o último furo. Aliás o pedido de emagrecimento é feito ciclicamente, sem que nunca surja um convite em sentido contrário. Para onde foram os biliões de euros recebidos da União Europeia durante décadas? Uma percentagem para infraestruturas, para algum apoio ao Estado social, para a pretensa conversão de algumas actividades. Mas o resto? Não se sabe, nem se conhecem (nunca se conheceram) verdadeiramente as contas, nem a Justiça alguma vez descobriu o que quer que fosse. É a nossa sina.
Porque foi sistematicamente destruída a nossa agricultura, e as pescas, e alguma indústria? Por exigência da "Europa", por culpa da globalização que deslocaliza mercados, por mil e uma razões que hoje se afiguram insustentáveis. A entrada no euro trouxe vantagens ilusórias e consequências dramáticas. Será viável uma "Europa" nas actuais circunstâncias? A quem aproveita esta crise, porque as crises sempre aproveitaram a alguém?
Quanto teremos ainda de pagar para permanecer neste clube de regras estranhas onde a fortuna de poucos é construída sobre a miséria de muitos? "Quanto?", é a pergunta que Tosca fez ao Barão Scarpia. "Il prezzo?". Porque há sempre um preço, às vezes injustificado, mas há. O preço do Cristiano Ronaldo foi de cerca de 100 milhões de euros, mas por essa quantia pode comprar-se um Ronaldo. Há outros mais baratos. Há quem se venda ou alugue por 50 euros ou até menos.
Porque não podemos debater aqui todos os aspectos deste complexo problema, retomemos a expressão de Sartre: o inferno são os outros. Neste caso particular, os que desgovernaram o país em 35 anos de democracia; mas também os outros governantes europeus que servindo desígnios ocultos empurram o Velho Continente para o desastre, para sobre ele construírem, enfim, a paz. mas que só poderá ser aquela paz com que, na ópera, o Marquês de Posa invectiva Filipe II: "La pace dei sepolcri!".
A ATRACÇÃO DO INFERNO
Don Giovanni, de Mozart, na polémica encenação de Francesca Zambello; Orquestra do Covent Garden sob a direcção de Charles Mackerras; Simon Keenlyside em D. Giovanni, Eric Halfvarson no Comendador e Kyle Ketelsen em Leporello (The Royal Opera House, Dezembro de 2008)
D. João, de Tirso de Molina, a Molière, a Lorenzo da Ponte, a Hoffmann, a Lenau, a Puchkin, e a tantos outros, tem-se revelado inexaurível manancial de reflexão sobre a vida e sobre a morte. Ninguém melhor do que Mozart para transpor a letra para a música. Foi Don Giovanni estreado em Praga, no Teatro dos Estados, em 29 de Outubro de 1787, e é para muitos a melhor ópera de Mozart.
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