quarta-feira, 2 de abril de 2025

EXORTAÇÃO À MOCIDADE

Em 1924, Carlos Malheiro Dias publicou Exortação à Mocidade, que seria reeditada em 1925, livro que agora comentamos, com o título Exortação à Mocidade, precedida de uma Resposta à Carta-Prefácio do Senhor António Sérgio, dedicado a Antero de Figueiredo, com uma dedicatória pessoal manuscrita a D. Luiz de Castro.

O autor fora convidado, em 1924, pelo  poeta Eugénio de Castro, então director da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, a proferir na Sala dos Capelos daquela instituição, uma conferência sobre assunto livremente escolhido. Todavia, em vésperas da sessão, foi noticiado que ocorreriam desacatos provocados por estudantes extremistas caso a conferência viesse a ocorrer. Oportunamente prevenido, entendeu Carlos Malheiro Dias cancelar o evento, decidindo editar posteriormente o texto preparado, para que o mesmo não repousasse no olvido.

Nesta exortação aos jovens estudantes portugueses, propõe-se o autor exaltar o patriotismo e os valores do espírito. Recordando os anos de "exílio" que viveu no Brasil, escreve: «Lá, a mais antiga das duas democracias era uma nação apenas adolescente, coroada de esperança; aqui, a mais jovem das duas repúblicas, uma nação anciã, aureolada de glória. E entre estas democracias, uma concebida na matriz anglo-americana, a outra fundida nos moldes da Revolução Francesa, conquanto ambas idênticas na substância ancestral, produziam-se divergências terminantes e irredutíveis. Aquela evoluía no sentido da liberdade garantida pela ordem a mais autoritária; esta definhava lacerada pela insubmissão a um poder exíguo e oscilante, que frequentemente buscava auxílio nas truculências da paixão popular. Numa, o livre pensamento, sob a pressão combinatória de influências sectárias, ensaiara renovar a experiência funesta da Revolução Francesa, substituindo à fé religiosa e multi-secular a soberania leiga da razão; noutra, a filosofia comtista, que a organizara, cedia o passo a uma avassaladora onda espiritual, que anualmente conduz os cadetes da Escola do Exército aos templos católicos para a benção solene das suas espadas.» (pp. 13-14)

«Patriotismo e materialismo são sentimentos antagónicos. Uma demagogia nunca foi patriótica, a não ser por instinto de conservação, quando atacada. Nesse caso, o instinto de defesa coincide com o interesse de preservação da pátria.» (p. 35)

«Insisto em declarar-vos que a doença nacional tem mais de um século, e o seu primeiro e alarmante sintoma remonta a 1807, quando uma deputação da maçonaria foi indecorosamente a Sacavém, vestida à francesa, apresentar as boas vindas a Junot. Gomes Freire, que a literatura romântica vos apresentou como um mártir do patriotismo, foi a encarnação maléfica e desventurada da geração portuguesa da Revolução de França; e essa Revolução ateia e regicida ainda hoje a temos no sangue, a intoxicar-nos.» (p. 50)

«Não, mocidade! Quem tem razão não é o racionalista, mas o poeta visionário. D. Sebastião foi uma reencarnação do Portugal do século XV: o seu misticismo, a sua bravura, a sua pureza reencarnadas.» (p. 52)

«D. Sebastião "era uma alma nobre e teve uma inspiração política da idade média; quis ser descendente dos reis cavaleiros, dos reis municipais, dos reis chefes da nação cristã, no meio de uma nação de bufarinheiros, de sobrecargas, de judeus agiotas, de cortesãos e de tartufos".» (pp. 53-54)

«Não vos deixeis embaír nem atemorizar. A Pátria está no Pretório. Os facciosos, em clamor e tumulto, agitadamente se recusam a deixar salvá-la, invocando a sua lei. Mocidade, que vais fazer? Terás, como Pôncio Pilatos, receio de desagradar ao poder? Vais lavar as mãos como ele e contentar-se em dizer à turba desvairada que a ruína da pátria recaia sobre ela...?» (pp. 59-60)

«Somos a decana de todas as nações da Europa na sua actual configuração territorial; e só nos falta que a consciência da nossa soberania unitária se prolongue às dispersas províncias ultramarinas para que Lisboa volva a ser a cabeça de um grande império, a metrópole dos Estados Unidos de Portugal.» (p. 62)

«Mocidade! Quando amanhã, armada de fé inquebrantável, desceres desta colina espiritual, espero que, à semelhança do cândido Parsifal nos jardins maléficos de Klingsor, resistirás às tentações da feiticeira e lograrás arrancar com juvenil denodo das mãos da Ignorância a lança milagrosa cujo contacto há de salvar a ferida da Pátria!» (p. 64) 

* * * * *

A este livro respondeu António Sérgio com o livro O Desejado, precedido de uma Carta-Prefácio a Carlos Malheiro Dias (1925). A presente edição que comentamos é antecedida da Resposta à Carta-Prefácio do Senhor António Sérgio. 

Assinalamos a seguir os pontos mais importantes da réplica de Carlos Malheiro Dias a António Sérgio, que deverá ler-se após a argumentação de Sérgio em O Desejado, que apresentaremos em próximo post deste blogue.

Escreve Carlos Malheiro Dias: «A personalidade despótica do sr. António Sérgio, as suas zombarias sarcásticas, a ênfase professoral com que se me dirige, a intenção manifesta de me reduzir à posição de um subalterno, de me desacreditar como romântico destituído de discernimento, sem excluir o mixto enervador de afabilidades e de ironias, de cumprimentos e de escárnios, de blandícias e ferroadas, que se alternam na sua Carta felina, impõem-me o dever, a que me submeto com desgosto, de analisar ao mesmo tempo as suas intenções e o facciosimo do seu juízo crítico.» (pp. XVI-XVII)

E continua: «Apelando "dos meus brados para a minha Razão",  esperando de mim uma sentença "sem paroxismos nem crispações", o sr. António Sérgio parece esquecer que nas vinte e cinco páginas do seu prefácio, paroxisticamente, crispadamente, faltando à compostura e reverência devidas à sua cultura, à sua hierarquia mental e à gravidade da História; repudiando os conceitos que esculpira na enfatuada dedicatória da sua obra; perdendo o "sentimento da medida, da modéstia e do senso crítico"; desobedecendo à disciplina mental a que se confessa subordinado; desatendendo o seu conselho de analisar "sem paixão nem preconceito";  - invectiva D. Sebastião e exaltadamente lhe chama "pateta, imbecil, fanfarrão, mentiroso, estúpido, perfeito pedaço de asno, desbocado, rufião, bruto, cruel, monstro, egoísta, miúdo, vesânico, insensato, tonto, zote, bobo, idiota, bronco, torpe e vil"! E tem, depois disto, o sr. António Sérgio o topete, o desplante de invocar o seu "auto-domínio"!» (pp. XVII-XVIII)

Contesta depois Carlos Malheiro Dias os "Testemunhos Históricos" evocados por António Sérgio em O Desejado,  a que chama "inventário esquelético", contrapondo-lhe outras fontes a que atribui maior importância e fidedignidade. 

Não é possível sintetizar aqui as cem páginas da Resposta de Carlos Malheiro Dias, em que desmente que tenha apresentado D. Sebastião à mocidade como "seu herói exemplar" ou que tenha proclamado o culto do "Desejado". Às considerações de Sérgio, que invoca Manuel Bento de Sousa, no seu livro O Doutor Minerva, Malheiro Dias entende que o retrato que aquele faz de D. Sebastião é uma hipótese de médico e não a interpretação de um historiador. Segundo o autor, «O Encoberto não é hoje o rei vencido pelos mouros; é Portugal flagelado pelas calamidades da hora presente, e que todos os patriotas de coração e consciência aspiram a ver reposto na estima e no conceito universais.» (pp. LXX-LXXI)

E conclui: «O Patriotismo - eis o nosso Messias! Mas Patriotismo militante, animado pela fé, embelezado pelo ideal: Patriotismo de Sentimento e de Razão - pois, como advertia o bispo de Silves a D. Sebastião, "a vontade por si, sem obediência do entendimento, he desconcerto".» (p. CVIII)

A obra de Carlos Malheiro Dias vale pelo estilo mas a argumentação aduzida  é insustentável nos nossos dias, ainda que a sua formulação seja brilhante.

 

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