Contribuindo para a vasta bibliografia sobre D. Sebastião e o Sebastianismo, António Machado Pires deu à estampa em 1971 D. Sebastião e o Encoberto.
Na sequência dos comentários que tenho vindo a publicar sobre os livros respeitantes a esta matéria existentes na minha biblioteca, chegou agora a vez deste importante estudo editado pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Para facilidade de apreensão do conteúdo, indico os títulos fundamentais do Índice:
PRIMEIRA PARTE- O Sebastianismo - Mito Nacionalista Português
I - O Problemas das Origens do Sebastianismo: Sua História
II - O Sebastianismo
SEGUNDA PARTE - Antologia
I - Documentos da Crença Sebástica
A - Messianismo Pré-Sebastianista
B - Sebastianismo
C - Anti-Sebastianismo
II - O Sebastianismo como Tema Literário
A - Poesia
B - Teatro
C - Prosa de Ficção
D- Escritos Ensaísticos, Históricos e Polémicos
III - Sebastianismo no Brasil
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Evitando redigir um longo post, apresentarei apenas alguns comentários sobre pontos que se afigurem mais importantes, neste livro de 445 páginas.
O autor começa por citar as abordagens de José Agostinho de Macedo, Oliveira Martins, Sampaio Bruno, Costa Lobo, António Sérgio, João Lúcio de Azevedo, Afonso Lopes Vieira, Antero de Figueiredo, Carlos Malheiro Dias, Mário de Castro, Aquilino Ribeiro, José Marinho, Joel Serrão, António Quadros.
Transcrevo do Capítulo I da Primeira Parte:
«No sebastianismo, nome genérico dado ao messianismo português relativo a D. Sebastião e, por transposição, a outros chefes - têm-se incluído diversíssimos problemas que devem ser diferenciados:
O valor da personalidade de D. Sebastião como homem e como rei (na ética da História, Alcácer tornou-se o lugar de juízo do rei, porque vencido);
A batalha de Alcácer (o lugar como símbolo da derrota; a derrota como símbolo da decadência; a derrota sublimada em mito de redenção futura pela volta do rei salvador);
A crença no regresso do rei salvador (quer se chame D. Sebastião, D. João IV, D. João VI, D. Miguel ou Sidónio Pais).» (p. 27)
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«Se fizermos corresponder a criação literária aos esquemas atrás mencionados de Luís Chaves e Garcia Figueras, teremos, em resumo:
Pré-Sebastianismo - Trovas do sapateiro Bandarra (datando a sua redacção do segundo quartel do século XVI), que anunciam o "Encuberto" (e as quais são interpretadas posteriormente à perda da Independência, em relação a D. Sebastião).
Sebastianismo:
Sebastianismo real: exaltação do rei adolescente (Camões, Diogo Bernardes, António Ferreira). Anuncia-se um destino glorioso para o jovem rei.
Sebastianismo profético: após a perda da independência as Trovas são interpretadas em relação a D. Sebastião, cujo regresso se profetiza; com a Restauração identifica-se o "Encuberto" com D. João IV; descontentes perseveram na interpretação sebástica das Trovas, enquanto que outros as interpretam em relação a governantes sucessivos. A esta evolução da crença sebástica posteriormente ao desaparecimento do rei também se chama pós-Sebastianismo - que é, afinal, a fase que constitui propriamente o Sebastianismo, quando se fala dele correctamente: a crença no regresso do rei.
A fase do "Desejado" (a que corresponde determinada produção literária em vida do rei) é substituída pela fase do Encoberto (a que corresponde também larga produção literária, a diversos níveis).» (pp. 31-2)
«É certo que o sebastianismo tem, na sua origem, uma forma de messianismo judaico, difundida pelas Trovas do sapateiro Bandarra e que esse messianismo conheceu extraordinário êxito com os boatos de sobrevivência do rei e com a opressão castelhana. É certo que o messianismo se apropriou da figura de D. Sebastião e que este rei foi sucessivamente substituído por outros chefes no "molde do Encoberto", como o demonstrou Sérgio.» (pp. 33-4)
No Capítulo II da Primeira Parte o autor passa em revista o reinado de D. Sebastião, a batalha de Alcácer-Quibir e os falsos "D. Sebastião", que já comentámos a propósito de obras anteriormente referenciadas. Ainda neste capítulo, discorre sobre as bases fundamentais do Sebastianismo: a esperança judaica no Messias, o mito do Encoberto vindo de Espanha e reminiscências de lendas arturianas, sendo as Trovas o documento mais importante desse messianismo anterior a D. Sebastião.
«O profetismo foi fenómeno importante no século XVI português. Ilustram-no figuras bem conhecidas, como Gonçalo Anes, por alcunha o Bandarra, Simão Gomes, o sapateiro santo, Luís Dias, alfaiate de Setúbal. Mas já no princípio do século XVI há uma actividade profética digna de nota: Isaac Abravanel, conhecido financeiro hebreu, anunciou para 1503 a vinda do Salvador. Em 1502, em Ístria, um aventureiro diz ser o Messias, o que perturbou a população judaica de Itália e a notícia deve ter chegado a Portugal. Em Portugal, um contemporâneo de Bandarra, o alfaiate Luís Dias, de Setúbal, fez crer que era o Messias e acabou no fogo, condenado pela Inquisição em 1542. Em 1526 chegara a Portugal um judeu, David Rubeni, que vinha anunciar a próxima chegada do redentor. Dizia-se até que fora chamado por D. João III e que seria o chefe condutor dos Hebreus à Terra Prometida. A sua influência foi tão grande que muitos cristãos-novos voltaram a adoptar as suas velhas crenças, embora muitos deles nunca as tivessem abandonado, sendo apenas cristãos-novos de nome e por conveniência. Um célebre discípulo de David Rubeni foi Diogo Peres, que se converteu ao judaísmo com o nome de Salomão Malco. Viajou, cultivou-se, criou fama em toda a Europa, e, segunda consta, foi recebido pelo próprio Papa.» (pp. 65-6)
«Pode dividir-se a história das Trovas em períodos ou ciclos, segundo o quadro de Álvaro Rodrigues de Azevedo:
- Período Messíaco (1500-1578): Vida de Bandarra, composição das Trovas (fase genuína; circulação das Trovas clandestinamente; perda do texto autêntico; aparecimento de textos vários, com mais ou menos inovações e alterações (fase apócrifa). Este período messíaco é uma fase de messianismo judaico baseado em textos bíblicos, e não é ainda sebastianismo.
- Período Sebástico (1578-1640): As Trovas ganham popularidade e apoderam-se da esperança messiânica em volta do regresso de D. Sebastião desaparecido em Alcácer. (Interpretação sebastianista das Trovas.) O grande intérprete: D. João de Castro (Paraphrase, 1603).
- Período Bragantino (1640-1652):Transposição do mito do Encoberto de D. Sebastião para D. João IV. (Edição das Trovas de Nantes, de 1644, na base das edições de 1809 e 1866).
- Período do Quinto Império (1652-1750): Doutrinação do Padre António Vieira referente ao Quinto Império (Esperanças de Portugal, V Império do Mundo; História do Futuro).
- Período de Repressão Pombalina (1750-1799): Várias correntes de Sebastianismo, com ideias diferentes, provocando inquietação, levam a uma acção repressiva, exercida pelo Marquês de Pombal.
- Período do Século XIX (1799-1866): Interpretação do Sebastianismo sob pressão das invasões francesas. Reacção anti-sebastianista expressa no opúsculo de J. Agostinho de Macedo, Os Sebastianistas (1810). Edição das Trovas de 1809 e 1866. » (pp. 77-8)
O autor desenvolve a seguir a evolução do Sebastianismo nos seis períodos referidos.
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A Segunda Parte é uma Antologia.
O Capítulo I apresenta os documentos da Crença Sebástica, começando pelo Messianismo Pré-Sebastianista, com as Trovas do Bandarra (1866).
No Sebastianismo estão incluídos fragmentos de: Paraphrase et Concordançia de Alguas Propheçias de Bãdarra, Çapateiro de Trancoso, de D. João de Castro, Anacephaleosis da Monarquia Lusitana, de Manuel Bocarro Francês (1624), Restauração de Portugal Glorioso, de Gregório de Almeida (1753), História do Futuro, do Padre António Vieira (1718), Resposta de 1714 - Resposta q s deu em 1714, Aquem fez a seguinte pergunta - Devemos ainda hoje esperar pelo Senhor Rey Dom Sebastião?, Trovas,de Gonçalo Annes de Bandarra (1810), O Egregio Encuberto, de Manuel Claudio (1849).
No Anti-Sebastianismo, figura um fragmento de Os Sebastianistas, de José Agostinho de Macedo (1810).
No Capítulo II, o Sebastianismo como Tema Literário, são considerada obras de Poesia, Teatro, Prosa e Ensaios.
Em Poesia são apresentados excertos das obras: D. Sebastião e O Sebastianista, de Luís Augusto Palmeirim, AlcacerKibir, de João de Lemos, Alcacer Kibir (in Nas Trevas), de Camilo Castelo Branco, Pátria, de Guerra Junqueiro, O Desejado (in Despedidas), de António Nobre, A Sinfonia da Tarde (in Poesia I), de Jaime Cortesão, Aos Lusíadas e Oração Sebastianista, de Teixeira de Pascoaes, Dom Sebastião (in Lusitania) e O Sonho de Alcácer-Quibir, de Mário Beirão, O Encoberto (in Ilhas de Bruma), de Afonso Lopes Vieira), Quando Voltar El-Rei! (in À Margem das Chronicas), de Branca de Gonta Colaço, Alcácer-Kibir (in Renúncia), de Virgínia Vitorino), D. Sebastião, O Desejado, O Bandarra e Nevoeiro (in Mensagem) e À Memória do Presidente-Rei Sidónio Paes, de Fernando Pessoa, Soneto de Alcácer e A Derradeira Nau (in Pequena Casa Lusitana), de António Sardinha, Portugal (in Tríptico), de António Botto, Redondilhas (in Sibila), de Afonso Duarte, Xácara de D. Sebastião, de Vitorino Nemésio, D. Sebastião (in Alguns Poemas Ibéricos), de Miguel Torga, Repente (in Desesperadamente Vigilante), de António Manuel Couto Viana, Vou Retornar à Ilha (in Poesia), de Tomás de Figueiredo.
Em Teatro, o autor apresenta excertos destas obras: As Prophecias do Bandarra e Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, D. Sebastião, de Tomás Ribeiro Colaço, El-Rei Sebastião, de José Régio, El-Rey D. Sebastião, de Metzner Leone.
Em Prosa de Ficção, surgem: O Frade que Fazia Reis (in As Virtudes Antigas ou A Freira que fazia chagas e o frade que fazia reis) e A Brasileira de Prazins, de Camilo Castelo Branco, O D. Sebastião da Villa da Praia (in Quadros Açóricos), de Ferreira Deusdado, A Volta de El-Rei (in Capa e Espada), de Henrique Lopes de Mendonça, As Violas de Alcácer Quibir (in Pátria Portuguesa), de Júlio Dantas, Aventura Maravilhosa... (in Aventura Maravilhosa de D. Sebastião Rei de Portugal depois da batalha com o Miramolim), de Aquilino Ribeiro
Em Escritos Ensaísticos, Históricos e Polémicos, são apresentados: O Sebastianismo (in História de Portugal) e D. Miguel em Viena, A Vinda do Messias e Fuit Homo Missus a Deo (in Portugal Contemporâneo), de Oliveira Martins, O Encoberto, de Sampaio Bruno, Interpretação não Romântica do Sebastianismo (in Ensaios I), O Desejado e Tréplica a Carlos Malheiro Dias, de António Sérgio, A Evolução do Sebastianismo, de Lúcio de Azevedo, O Túmulo de D. Sebastião (in Em Demanda do Graal), de Afonso Lopes Vieira, O Encoberto (in D. Sebastião, Rei de Portugal), de Antero de Figueiredo, Exortação à Mocidade, de Carlos Malheiro Dias, Reflexões à Margem do Enigma Sebástico (in Regresso ao Sebastianismo), de PETRUS.
O Capítulo III é dedicado ao Sebastianismo no Brasil. São apresentados excertos de Profecias (in Os Sertões), de Euclides da Cunha e Pedra Bonita, de José Lins do Rego.
No fim do livro é apresentada extensa bibliografia.
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