quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

AQUANDO DAS COMEMORAÇÕES DO 75º ANIVERSÁRIO DA DESCOBERTA DE UGARIT

Em Outubro de 2004 teve lugar no Museu das Belas-Artes de Lyon uma notável exposição comemorativa do 75º aniversário do início das escavações (1929) em Ras Shamra (Síria), sítio que foi a capital do célebre reino de Ugarit. Em 1928, um lavrador, trabalhando a terra com o seu arado, descobrira a pedra de um túmulo, o que imediatamente alertou as autoridades para a presumível importância desse achado arqueológico. As pesquisas iniciaram-se no ano seguinte, a cargo de uma missão francesa, que se tornou franco-síria em 1999, e estava-se longe de conhecer o valor dessa descoberta. Passados 75 anos foi possível, em 2004, realizar uma exposição para apresentar os resultados desse extraordinário trabalho, mostrando as principais peças entretanto depositadas no Museu do Louvre, no Museu Nacional de Damasco, no Museu Nacional de Alepo e nos museus das cidades sírias de Latáquia e de Tartus e ainda no Departamento do Médio-Oriente dos Museus Estatais de Berlim.

O catálogo, cuja capa se reproduz acima, é uma preciosa edição artística, magnificamente ilustrada, apresentando as diversas peças constantes da exposição, que foi organizada por Yves Calvet, co-director da Missão Arqueológica de Ras Shamra-Ugarit e Geneviève Galliano, conservadora do Museu das Belas-Artes de Lyon.

Como escrevi em post anterior, os habitantes do reino de Ugarit eram inicialmente pastores e agricultores mas depois também construtores e artífices, pescadores e negociantes e a partir do porto de Mahadu, hoje Minet el-Beida, praticava-se um importante comércio marítimo com o Egipto, Chipre e as ilhas do mar Egeu. Comércio igualmente desenvolvido por via terrestre com os vizinhos reinos de Mukish, Siyannu e Amurru e mesmo com os mais distantes Império Hitita e Mesopotâmia ou com os países do Levante: Biblos, Beirute, Tiro.

O palácio real da capital com os seus anexos ocupava mais de 10 000 metros quadrados, os principais templos, de Baal e de Dagan, eram notáveis, os vestígios das muralhas da cidade testemunham a qualidade das fortificações.

O fim de Ugarit foi súbito e brutal. Os principais edifícios mostram vestígios de incêndios mas nenhum texto nos revela o que então aconteceu. A utilização da escrita desapareceu na região durante alguns séculos após estes acontecimentos. A destruição terá ocorrido no começo do século XII AC, devida porventura às errâncias dos chamados "Povos do mar". Ras Shamra conheceu algumas reocupações curtas e pouco extensas nos séculos V e IV AC., revelando elementos arquitecturais persas e cerâmicas gregas.

A primeira pessoa a investigar o sítio de Ugarit (a Síria estava em 1929 sob mandato francês) foi Claude Fréderic-Armand Schaeffer (1898-1982), professor no Collège de France e especialista da pré-história. As escavações começaram em Minet el-Beida e prosseguiram depois em outras zonas. Uma parte das descobertas encontra-se nos museus da Síria e outra parte foi levada para França, achando-se no Museu do Louvre, partilha efectuada de acordo com a lei das antiguidades então em vigor. Esta lei foi suprimida em 1948 e desde esta data todos os achados foram conservados na Síria: no Museu Nacional de Damasco (1948-1965), no Museu Nacional de Alepo (1966-1987), no Museu de Latáquia (desde 1988).

«Les grandes tablettes en argile et les outils en bronze découverts sur l'acropole présentaient un système graphique cunéiforme nouveau. Les efforts de H. Bauer, E. Dhorme et Ch. Virolleaud en donnèrent très vite la clé: en 1930, ils reconnaissaient un système graphique alphabétique servant à noter une langue ouest-sémitique apparentée à l'hébreu, au phénicien, à l'arabe, etc. Les courtes inscriptions des outils votifs étaient des dédicaces du "chef des prêtres", et les longs textes des tablettes, des poèmes mythologiques dont le héros principal était le dieu Baal, le dieu protecteur du royaume. Cette découverte eut un retentissement extraordinaire dans la communauté scientifique internationale. Outre l'apparition d'une langue nouvelle, le site de Ras Shamra faisait connaître le système alphabétique d'où dérivent, à travers l'intermédiaire du phénicien, les alphabets grec puis latin, dont l'utilisation s'est répandue jusqu'à nous sur la terre entière. Et, d'autre part, on voyait sortir de l'obscurité la civilisation dite "cananéenne" dans laquelle l'univers biblique prenait une grande partie de ses racines, avec ses mythes, sa littérature poétique... Ces deux éléments mis au jour dans ce qui s'est révéllé une cité riche et raffinée, en relation avec le reste du monde oriental du II millénaire, ont rapidement fait de Ras Shamra-Ougarit un site majeur de Syrie.» (pp. 73-4)

A exploração do local prosseguiu até 1939, altura em que as pesquisas foram interrompidas devido à Segunda Guerra Mundial. Depois da independência da Síria, em 1946, a missão regressou ao sítio em 1948, mas só em 1950 foi concedida autorização para continuar as escavações sistemáticas. H. de Contenson sucedeu a Schaeffer em 1971 e manteve-se à frente da missão até 1974. Em 1975-1976 dirigiu os trabalhos J.-C. Margueron. A partir de 1977 houve uma equipa dirigida por Jacques Lagarce e Adrian Bounni. De 1978 a 1998 Marguerite Yon foi responsável pela Missão, que se tornou franco-síria, em 1998, assumindo a direcção Yves Calvet e Bassam Jamous. Quando eu visitei Ugarit em 2006 conheci pessoalmente o doutor Yves Calvet, com quem troquei impressões sobre as escavações. A partir dessa data, e tendo eclodido a guerra na Síria, nada mais soube acerca deste notável sítio arqueológico.

Vejamos agora as línguas e as escritas de Ugarit.

«Les documents épigraphiques attestent la présence de huit langues (ougaritique, akkadien, hourrite, hittite, louvite, sumérien, égyptien, "chypro-minoen"). Mais, outre la langue vernaculaire, l'ougaritique, seules deux étaient sans doute parlées de manière courante.

En effet, langues orales et langues écrites ne se recouvraient pas. Le sumérien, qui n'était plus parlé depuis longtemps, apparaît seulement à titre de réference culturelle, les grands textes littéraires de la tradition mésopotamienne faisant partie du bagage de tout scribe bien formé. Les hyéroglyphes égyptiens constituent la dédicace de plusieurs objets envoyés en cadeaux: ces importations ne traduisent  nullement l'emploi de la langue égyptienne sur place. Parler de "chypro-minoen" masque en fait l'ignorance dans laquelle nous sommes de la langue notée par cette écriture hourrite: hourrite, un dialecte égéo-chypriote ou arcado-chypriote?

La situation du hittite ou du louvite est différente: ces idiomes sont très peu représentés dans les documents (moins de dix textes en hittite ont été mis a jour). Pourtant, ils étaient ceux des suzerains du royaume d'Ougarit et d'importants négociants: il est difficile d'imaginer qu'ils aient renoncé à leur emploi dans leurs discussions. Mais même pour eux, écrire impliquait à Ougarit que ce fût en akkadien. 

La présence d'une colonne propre au hourrite dans certaines listes lexicales multilingues utilisées dans les scriptoriums ougaritains témoigne de la pratique locale de cette langue. Dans les textes, elle est cantonnée à des domaines très spécifiques: des partitions musicales et les parties lyriques des liturgies ougaritaines. Elle entre dans la composition d'écrits bilingues, comme un recueil de sentences akkado-hourrite ou des rituels d'offrandes ougarito-hourrites. De nombreux personnages importants de la Cour portent des noms hourrites. Sans doute cette langue était-elle employée par une partie de la population d'Ougarit.

Prés de la moitié des textes d'Ougarit sont rédigés en akkadien, langue mésopotamienne. Cela n'indique cependant pas quelle était sa place dans la vie quotidienne. Et, malgré la parenté de leurs langues, il n'est pas sûr qu'akkadophones et ougaritophones se soient compris. L'akkadien était la langue par excellence des relations internationales; il ne servait pas pour autant d'idiome "passe-partout" pour les voyageurs et les étrangers au royaume.

L'énumération de ces huit langues masque en revanche un phénomène linguistique important: l'existences de sabirs propres à différents métiers, que seul de maigre indices laissent deviner.

À la complexité de la situation linguistique s'ajoute la diversité des écritures: cinq systèmes sont attestés, mais de manière très inégale: moins d'une dizaine de tablettes sont inscrites en caractères linéaires chypro-minoens; les hiéroglyphes louvites apparaissent à côté des cunéiformes dans des sceaux digraphes, tandis qu'une centaine d'objets (scarabées, épée, vases, stèles...) portent des hiéroglyphes égyptiens.

Alphabet ougaritique (notant essentiellement la langue ougaritique, mais aussi quelques textes hurrites) et cunéiformes mésopotamiens (pour l'akkadien et quelques textes hourrites) se partagent la plupart des documents épigraphiques. Il existe aussi quelques textes digraphes (à ume trame ougaritique viennent s'ajouter des indications ou un résumé en cunéiformes syllabiques) témoins de la très grande aisance des scribes à passer d'une langue à l'autre, d'une écriture à l'autre.» (p. 81)

Os textos encontrados podem classificar-se nos seguintes grupos: textos administrativos, actos jurídicos, correspondência local (quase toda em ugarítico), correspondência internacional (a maior parte em acádio), literatura lexical, textos religiosos e arquivos.

Pela leitura dos textos descobertos podemos conhecer a vida política e diplomática do pequeno reino de Ugarit e as suas relações com os reinos limítrofes: Siyanu e Amurru. Igualmente com o Império Egípcio e o Império Hitita, e ainda com regiões mais distantes do Levante ou com as cidades costeiras fenícias ou cananeias de Biblos, Beirute, Sidon, Tiro, Acre, Ashdod ou Ascalon.

O comércio foi uma das principais actividades de Ugarit, que foi mesmo uma placa giratória do comércio internacional. As trocas que se encontram mais bem documentadas são as que se referem a objectos de cerâmica, localmente produzidas ou importadas, especialmente de Chipre mas também das ilhas do mar Egeu. 

O catálogo documenta pormenorizadamente o que teria sido o palácio real de Ugarit e o seu precioso mobiliário e descreve o modo de vida quotidiano da população local. 

As primeiras sepulturas descobertas na região, no caso em Minet el-Beida, foram interpretadas como pertencendo a uma necrópole, mas com a continuação das escavações verificou-se que, como era corrente no Próximo Oriente, estavam situadas debaixo das casas. Embora os restos humanos raramente estivessem conservados, foi possível constatar que os túmulos eram colectivos e podiam abrigar diversas gerações. O uso de sarcófagos revelou-se excepcional. 

Baal

No campo da religião, Baal, deus das Tempestades era o deus principal do reino, mas também El, o pai dos deuses era objecto de grande veneração, tal como Maat, sua irmã, Mot, deus da Morte, Yam, deus do Mar, Kothar-Khasis, engenheiro-arquitecto, Athirt, esposa de El, Shapash, deusa solar, Athtart e Akhtar, manifestações feminina e masculina da estrela da manhã e da noite, etc. O panteão de Ugarit era contudo mais vasto. Além do Baal de Saphon incluía mas seis Baal sem epíteto e Dagan, um deus muito importante. Não cabe aqui a enumeração de todos os deuses da região. 

El
El

Encontraram-se em Ras-Shamra pelo menos cinco edifícios que teriam servido como templos. Os mais importantes eram dedicados a Baal e a Dagan. Estima-se que estes templos datem do sécuo XV AC. 

Registámos aqui, resumidamente, alguns dos aspectos mais importantes da civilização de Ugarit, como descritos no notável catálogo publicado por ocasião da grande exposição em Lyon.


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