quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

AINDA O TÚMULO DE ALEXANDRE

Leio agora Le tombeau d'Alexandre le Grand - L'énigme (2009/2010), de Valerio Manfredi, autor italiano que escreveu várias obras sobre Alexandre Magno. Segundo o editor, a sua Trilogia sobre o famoso guerreiro foi traduzida em 32 línguas, publicada em 53 países e vendidos cerca de 4 milhões de exemplares. Possuo também a edição francesa dessa famosa trilogia.

Foi este livro publicado cinco anos depois do referido no post anterior, o de Andrew Michael Chugg (The Lost Tomb of Alexander the Great) , mas não é suportado pela minuciosa investigação constante deste último, sendo as suas considerações de certa forma mais superficiais e impressionísticas. 

Começa Manfredi por referir os inúmeros presságios de morte ocorridos antes da fatal doença de Alexandre, mantendo-se a dúvida quanto às causas do óbito: envenenamento ou doença. Parece, de facto, tal como em Chugg, que o envenenamento fica afastado, sendo provável uma doença súbita (escassos dias) ou uma debilidade anterior agravada por um motivo mais recente. A hipótese de envenenamento, talvez encomendado por Antípatro ou pelo próprio Aristóteles, carece de fundamento.

Também, segundo Manfredi, quem dirigiu o cortejo fúnebre de Babilónia para o Egipto não foi Filipe III Arrideu, meio-irmão de Alexandre, mas um outro Arrideu, o que contraria a versão de Justinus.

Segundo uma lenda antiga, que permaneceu muito tempo no Egipto, Alexandre não seria filho de Filipe II da Macedónia mas do faraó Nectanebo II, o qual, quando derrotado pelos persas, se teria refugiado na Macedónia e aproveitando uma ausência do rei, teria dormido com Olímpia. Esta estória fez parte do anteriormente citado Romance de Alexandre.

Considera ainda o autor que a trasladação do corpo de Mênfis para Alexandria poderia ter ocorrido sob Ptolemeu I, embora não afastando a hipótese de ter sido ordenada por Ptolemeu II. Segundo Chugg, a transferência aconteceu por iniciativa de Ptolemeu II, admitindo-se que pudesse ter ocorrido ainda em vida de Ptolemeu I, quando o filho estava já associado à governação. A construção do Soma é atribuída por ambos a Ptolemeu IV.

O general macedónio Perdicas, a quem Alexandre entregou o anel à hora da morte, e que ficou como regente (provisório) do império, esteve para casar com Cleópatra, filha de Filipe II e de Olímpia e irmã de Alexandre. Se o enlace tivesse acontecido, é provável que pudesse ter mantido a unidade do império, depois dividido pelos generais companheiros de Alexandre. Talvez ele tivesse feito um derradeiro esforço na tentativa de desviar para a Macedónia o cortejo fúnebre de Alexandre, mas a derrota face ao exército de Ptolemeu frustrou os seus desígnios, acabando por morrer no Nilo.

Para consolidar o seu poder no Egipto como faraó, Ptolemeu decidiu ostentar os atributos exteriores da iconografia local, mas esses símbolos só começaram a ser exibidos alguns anos depois da sua tomada do poder, para não escandalizar os macedónios. Essa assunção teve lugar progressivamente, mas só depois de Cassandro, filho de Antípatro, ter assassinado Olímpia, mãe de Alexandre, em 316 AC, e mandado assassinar, em 310-319 AC (sic ? - deve ser 309) primeiro Roxana e a seguir o seu filho Alexandre IV. Ainda em 309 AC, Cassandro mandou envenenar Alexandre Hércules, filho ilegítimo de Alexandre e da persa Barsine.

Ao contrário dos túmulos de outras figuras da Antiguidade, o de Alexandre desapareceu. Diz-nos o autor que, à excepção de pequenos testemunhos vagos e contraditórios, o único que viu o monumento e o descreveu foi Estrabão, que esteve em Alexandria entre 24 e 20 AC.: «E o corpo de Alexandre foi levado por Ptolemeu e enterrado em Alexandria, onde hoje ainda repousa, mas não no sarcófago original, porque o de hoje é em "yaline" enquanto aquele em que ele fora inumado  era em ouro. Com efeito, Ptolemeu (XI) apoderou-se dele, o que é chamado Kokkes ou ainda Pareisactos ("intruso") que chegava da Síria e foi expulso imediatamente de maneira que o seu roubo não lhe aproveitou.»

Segundo a edição Loeb (comentário de H.L. Jones) "yaline" deve traduzir-se por vidro ou talvez alabastro. 

De acordo com as fontes, terão realmente existido dois sepulcros de Alexandre, em Alexandria, e em locais diferentes. O primeiro edificado por Ptolemeu II (Soma), na centro da cidade, o segundo, monumental, erigido por Ptolemeu IV (Sema), junto ao mar. 

A propósito de Septimio Severo, escreveu Dion Cassius: «[Septime Sévère] essaya de tout connaître, y compris tout ce qui était soigneusement caché. C'était en effet le genre de personne qui ne négligeait l'examen d'aucune chose humaine ni divine. Par conséquent, il fit retirer de presque tous les sanctuaires l'ensemble des livres qu'il put trouver susceptible de contenir une histoire secrète et il scella le tombeau d'Alexandre. Cela, afin que personne dans le futur ne puisse voir le corps ni lire ce qui était écrit dans les livres dont nous avons parlé.» (p. 127)

«Não sabemos se os selos de Septimio Severo foram respeitados, porque ele morreu em 211, em York (Inglaterra). Quatro anos mais tarde, o seu filho Caracala. admirador fanático e imitador grotesco de Alexandre, visitou o Serapeum, principal santuário de Alexandria, onde ofereceu sacrifícios sumptuosos, e depois o túmulo, onde colocou em sinal de homenagem o seu manto de púrpura, os seus anéis de pedras preciosas e os seus cinturões. Herodiano, que conta o episódio, emprega, também ele, um termo vago, "túmulo" (ταφος=cova). Podemos supor que Caracala quebrou os selos para entrar na câmara sepulcral ou que depôs os seus dons no exterior sobre o altar destinado às oferendas. Dado o seu fanatismo, a primeira hipótese afigura-se mais provável.» (p. 129)

A partir daqui nada mais sabemos sobre o túmulo, salvo uma indicação indirecta de uma homilia de João Crisóstomo, no fim do século IV, a que já fizemos referência em post anterior. Dizia o bispo, que pregava na catedral de Antioquia: «Onde está, digam-me, o túmulo (sema) de Alexandre? Mostrem-mo e digam-me em que dia ele morreu?» Pode deduzir-se destas palavras lacónicas mas significativas que o termo sema é associado uma vez mais à significação de mausoléu e que no fim do século IV já ninguém sabia onde se encontrava o túmulo de Alexandre ou que os que o sabiam seriam raros. Estas palavras também veiculavam uma dupla mensagem: que a glória humana é efémera (quem é venerado como um deus é a seguir votado ao esquecimento) e que esse esquecimento marca o triunfo da nova fé que obscureceu e apagou os valores e os símbolos do mundo pagão.

Depois da visita de Caracala, o distrito dos palácios reais, o Bruchium, sofreu sucessivas destruições. O Museu e a Grande Biblioteca tinham praticamente desaparecido e ninguém estaria interessado na conservação do túmulo. Com o advento de Constantino I e o Concílio de Niceia, o patriarca de Jerusalém, Macário, consagrou-se à descoberta do túmulo de Cristo, o que aconteceu pouco tempo depois. 

«Saunders propose une intuition brillante: l'évêque Osius de Cordoue aurait donné ce conseil à Constantin lors de son passage à Alexandrie, où il avait constaté l'importance du tombeau d'Alexandre pour les païens. Cela impliquerait que le tombeau existait encore, ce dont nous sommes loins d'être certains. En revanche, il est établi que Constantin et les membres les plus influents du clergé comprirent qu'une religion toute spirituelle aurait du mal à conquérir les masses. Le tombeau du Christ fut donc retrouvé. C'est le seul lieu à avoir connu dans les siècles suivants et jusqu'à nos jours une importance et un impact sur notre culture supérieurs à celui d'Alexandrie. La raison en est claire: le tombeau du Christ avait la supériorité d'être vide.» (pp. 132-3)

Quem nos relata o grande terramoto, seguido de tsunami, que, em 365, abalou Alexandria é Ammianus Marcellinus. O distrito real, junto ao mar, e onde se situaria o túmulo de Alexandre, terá sido parcialmente destruído. O que não significa necessariamente a desaparição do corpo mumificado de Alexandre. O livro refere também as ferozes perseguições dos cristãos aos pagãos, a luta entre o patriarca Cirilo de Alexandria e o prefeito romano Orestes e o assassinato da famosa intelectual Hipatia, no  Cesareum, templo erigido por Cleópatra para o culto de César, e que estaria hoje transformado em catedral e matadouro. (p. 140) É verdade que o templo foi mais tarde convertido em igreja, mas nada disso existe hoje. O Cesareum ficava situada no sítio da actual praça Saad Zaghlul, frente ao Mediterrâneo, onde se encontra agora uma estátua do grande político nacionalista egípcio.

Também o livro se refere à presumível menção de Alexandre no Corão sob a designação de Dul-Qarnaïn (o Senhor dos dois cornos). De facto, Alexandre costumava usar duas plumas no capacete e era representado em moedas da época com cornos de carneiro, símbolo do deus Amon, ou ainda com o escalpe de um elefante com os dois dentes no ar, em recordação das campanhas indianas. Aliás, na cultura muçulmana, Alexandre foi sempre considerado um grande homem, ou até um profeta (nabi).

«La présence du tombeau du chef macédonien à Alexandrie est évoquée aussi dans une oeuvre écrite en italien par un Arabe, Hassan al-Wazzan, dit "Léon l'Africain". Son livre intitulé Description de l'Afrique et des choses remarquables qu'on y trouve, par Giovanni Lioni Africani fut publié par Ramusio à Venise en 1550. Personnage haut en couleur dont les traits sont peints par Sebastiano del Piombo, Hassan al-Wazzan était né en Espagne juste après la fin du califat de Grenade. Il émigra au Maroc avec ses parents, puis il voyagea à l'occasion de différentes missions dans les pays de l'Afrique saharienne, du Maghreb et de l'Arabie, jusqu'à ce qu'il soit capturé par un navire espagnol et conduit en Italie où il fut emprisonné au château Saint-Ange. Comme Joseph dans les prisons du pharaon, notre aventurier parvint à faire connaître sa doctrine jusqu'à la cour pontificale. Le pape Léon X voulut le renontrer, et en 1520 le fit baptiser à Saint-Pierre en lui imposant son propre nom. Dans son livre, Léon raconte que dans le centre de la ville d'Alexandrie, parmi d'autres ruines, se trouve une petite maison avec une chapelle à l'intérieur de laquelle un tombeau renferme le corps d'Alexandre le Grand, prophète et roi; et que ce tombeau est visité par une multitude de voyageurs de tous horizons.» (pp. 144-5)

Manfredi retoma a seguir a narrativa de Chugg, a propósito do túmulo suposto de Alexandre, que na verdade se destinava a Nectanebo II e que foi encontrado na Mesquita Attarine (na pequena dependência de que fala Leão o Africano). Mas não crê que o corpo de Alexandre nele fosse transportado desde Mênfis. Supõe até que a fuga do faraó de Tebas poderia ter determinado a transferência do sarcófago para Mênfis, susceptível de o mesmo o vir acolher mais tarde.

E também é referida a velha ideia de Alexandre estar sepultado sob a Mesquita Nabi Daniel, aliás não distante da Mesquita Attarine. Sendo certo que o Nabi (profeta, em árabe) Daniel bíblico nunca poderia ter estado em Alexandria, que não existia no seu tempo. O Daniel em questão seria um santo homem muçulmano, natural de Mossul. 

Também é citada a descoberta por Osman Hamdi, na antiga Sidon (Líbano actual), em 1887, de um maravilhoso sarcófago de mármore com cenas das batalhas de Alexandre contra os persas [encontra-se hoje no Museu Arqueológico de Istanbul, e tive ocasião de o admirar]. É considerado por alguns (Gertrude Bell, por exemplo) como o verdadeiro sarcófago de Alexandre, embora tal hipótese seja pouco plausível.

Convergindo as opiniões dos especialistas, ao longo do tempo, que Alexandre foi sepultado em Alexandria, cidade que fundou, dois investigadores sustentam teses diferentes. Um deles, Andrew Chugg, supõe, como vimos em post anterior, que o corpo de Alexandre se encontra em Veneza, na Basílica de São Marcos, substituindo o corpo do evangelista e primeiro bispo da cidade, que teria sido queimado. A outra tese é da arqueóloga grega Liana Souvalzi, que afirmou ter descoberto o túmulo em Siwa, no templo dórico de Bilad el Rum (1989). É verdade que foi em Siwa que Alexandre foi coroado faraó e proclamado filho de Amon, no templo deste deus egípcio. O edifício já era conhecido, as pesquisas posteriores não conduziram a qualquer conclusão e as autoridades egípcias não prorrogaram o prazo para a continuação das mesmas. E deduz-se do livro que não foi encontrada qualquer múmia.

Em 1977, o general grego Papazois afirmou a Manfredi ter encontrado os restos mortais de Alexandre numa urna na necrópole real de Vergina, na Macedónia. Mas tratou-se de uma manobra mais política do que científica, numa altura em que os gregos pretendiam reforçar o sentimento de identidade nacional face à pretensão de um novo Estado balcânico passar a usar a designação de Macedónia.

Transcrevemos da Conclusão: «L'attachement des Grecs, et notamment des Gréco-Macédoniens, à leur héro est inimaginable. Aux États-Unis, à la sortie du film Alexandre, d'Oliver Stone, il y eut, parmi des émigrants helléniques, une levée de boucliers à cause des scènes, pourtant très chastes, qui raccontaient l'amour entre Alexandre et Héphaestion. Des menaces d'actions en justice furent lancées afin de sauver l'honneur du condottière.» (p. 208)

Na generalidade dos casos, a obra de Valerio Manfredi não se afasta muito da de Andrew Michael Chugg, e não poderia ser de outra forma, já que a maioria das fontes é comum. Há talvez diferenças de interpretação, algumas das quais expusemos neste texto. Ocorre que em Chugg os factos históricos são especialmente detalhados enquanto que em Manfredi há lugar para alguma divagação pessoal.

Continuaremos com Alexandre, e o seu túmulo, em posts futuros neste blogue.


sábado, 11 de fevereiro de 2023

O TÚMULO DE ALEXANDRE

Há uns vinte anos, desloquei-me várias vezes a Alexandria (já lá estivera anteriormente) para proceder a pesquisas com vista à elaboração de um trabalho cujo projecto ganhara, muitos meses antes, o concurso para criações multimédia organizado pelo Ministério da Cultura. Competia-me escrever um texto sobre a cidade desde a sua fundação até à actualidade, fazer as fotografias e obter os mapas necessários (1ª fase) e ao produtor estabelecer o suporte digital (2ª fase). O concurso tinha, pois, duas fases. Apresentada a 1ª fase, que foi aprovada pelo Ministério, procedeu-se à candidatura para a 2ª fase, mas uma mudança de Governo levou à extinção do projecto, não sendo coroadas de êxito as diligências a que então procedi junto do responsável da pasta e seus diretores-gerais para uma publicação do trabalho em livro.

Posteriormente, teve lugar a revolução no Egipto, no quadro das chamadas "primaveras árabes", e acabei por me desinteressar do assunto, até porque as novas circunstâncias implicavam uma actualização do texto e consequentes deslocações à cidade.

Vem isto a propósito do facto de também eu me ter interessado, em Alexandria, pelo lendário túmulo de Alexandre Magno, embora a preocupação do meu trabalho incidisse principalmente sobre a antiga Biblioteca e Museu e os vestígios arqueológicos da cidade, a par da cidade moderna.

Existe, ainda hoje, a tradição de que o túmulo do famoso guerreiro se encontrava num local com acesso por um túnel que começava sob a mesquita de Nabi Daniel, situada próximo da Estação Ferroviária Central de Alexandria (Mahatat Misr-محطة مصر ) Havendo um poço dentro da mesquita com acesso a esse túnel, cheguei a descê-lo na companhia de um jovem universitário funcionário da Delegação em Alexandria da Direcção-Geral do Turismo do Egipto e que (nessa viagem) tinha sido colocado ao meu serviço para servir de intérprete nos meus contactos nos sítios em que os meus interlocutores só falassem árabe (o meu árabe é rudimentar), como, por exemplo, nas conversas com os imames das mesquitas.

Ainda caminhámos uns metros por esse túnel, mas nada se descortinando resolvemos regressar à superfície, através da escada de madeira que a mesquita tinha facultado para o efeito.

Por causa desta minha paixão alexandrina, comprei por essa altura dezenas de livros sobre Alexandria (a ptolemaica, a romana, a  bizantina, a islâmica (árabe e otomana), a da ocupação britânica, a monárquica e a republicana. 

O livro que agora leio foi adquirido nessa ocasião e tenho especial prazer em recordar coisas que então vi, li, escrevi e vivi. Alexandria é um mundo e por isso eu tinha intitulado o meu trabalho: "Alexandria, Ainda e Sempre", que é também o título de um filme do famoso realizador egípcio Yussef Chahine.

 * * * * *

Entre os diversos livros que tenho sobre Alexandre, o Grande tenho dois concretamente sobre o seu túmulo. O que agora comento, The Lost Tomb of Alexander the Great (2004/2005), de Andrew Michael Chugg e Le Tombeau de Alexandre le Grand (2009/2010), de Valerio Manfredi.

Começa o primeiro livro por nos fornecer algumas informações acerca do homem e do seu tempo, antes de se debruçar sobre o caso particular do túmulo.

Diz-nos Chugg que existindo mais de um milhar de livros relativos a Alexandre (356-323 AC), em mais de cem línguas, o único livro publicado especificamente sobre o túmulo data de há dois séculos: The Tomb of Alexander (1805), de Edward Daniel Clarke. Após a sua morte em Babilónia, em 10 de Junho de 323 AC, Alexandre terá sido sepultado em Mênfis, uma das antigas capitais egípcias, por decisão de Ptolemeu I e mais tarde trasladado para Alexandria por Ptolemeu II. O túmulo terá sido destruído pelos terramotos que devastaram a cidade nos séculos III e IV da nossa era. A Igreja Copta ter-se-á oposto à reconstrução do monumento, pois sendo Alexandre considerado um deus ela via nele um potencial rival pagão. Após a conquista de Alexandria pelos árabes em 642, o assunto mergulhou no esquecimento durante um milénio e só no século XVI os visitantes voltaram a interessar-se pelo túmulo. No século XIX, com o progresso das escavações na cidade, a questão voltou à ordem do dia. 

O livro inicia-se com a indicação das fontes históricas antigas e modernas (Dramatis Personae), ainda que inclua no fim uma extensa bibliografia sobre a matéria.

Importa fazer desde já uma referência a dois textos menos conhecidos: o Romance de Alexandre e o Diário Real de Alexandre (Ephemerides).

O Romance de Alexandre é um conto lendário da carreira militar de Alexandre atribuído a um editor nativo egípcio do século III. Ainda que muito fragmentado é uma obra valiosa pois preserva algumas tradições perdidas dos mais autorizados relatos do tempo. O seu criador foi provavelmente um habitante da antiga Alexandria. O compilador é conhecido como Pseudo-Calístenes porque alguns dos seus manuscritos são atribuídos a Calístenes, historiador da corte de Alexandre. Sobrevive hoje em diversas versões, das quais as mais antigas e fidedignas são um manuscrito grego do século III, a tradução arménia e a edição latina de Julius Valerius.

O Diário Real de Alexandre (Ephemerides) é a fonte principal sobre a doença fatal de Alexandre. Muitos consideram-no uma falsificação mas diários oficiais semelhantes foram conservados pelos antigos reis da Macedónia e pelos Ptolemeus. Aelianus atribui as Ephemerides a Eumenes de Cardia, "secretário-geral" de Alexandre, que teriam sido escritas de parceria com Diodorus da Eritreia.

Ainda na Introdução, o livro apresenta um resumo dos feitos de Alexandre III, o Grande.

O Capítulo I é dedicado à morte em Babilónia. Não está esclarecido se Alexandre morreu de doença natural ou se foi envenenado. Há numerosos relatos da sua doença, que se manifestou em 31 de Maio e culminou com a sua morte em 10 de Junho. Foi embalsamado em 16 de Junho e como o corpo se encontrava incorrupto há quem afirme (para lá dos que justificam o caso com o facto de ele ser um deus) que tal se deveu ao facto de não estar ainda morto mas tão só em estado de coma. Assim, teria sido embalsamado vivo. A febre que o acometeu ter-se-á devido a alguma substância venenosa enviada por um mensageiro (chegou a suspeitar-se que a mando de Antípatro, que governava a Macedónia ou do próprio Aristóteles, seu preceptor) ou de tifo, malária ou doença de fígado, até porque Alexandre ingeria grandes quantidades de vinho. Os principais testemunhos da doença provêm de Flavius Arrianus, Diodorus Siculus, Quintius Curtius, Junianius Justinus, Lucianus e Plutarco.

Antes de morrer, Alexandre entregou o seu anel a Perdicas, general macedónio e número dois do exército, que assumiu a regência do império. Foram proclamados co-reis Filipe III Arrideu, meio-irmão de Alexandre, e o filho de Alexandre, Alexandre IV, que nasceria já depois da morte do pai.

Parece que Alexandre teria pedido a Ptolemeu para ser sepultado no Egipto, pois se considerava filho de Amon. Talvez pretendesse mesmo jazer em Siwa, local do Oráculo de Amon e onde fora confirmado como filho de Zeus e proclamado faraó.

Perdicas desejava que Alexandre fosse sepultado na Macedónia devido a razões institucionais mas o cortejo fúnebre foi desviado em Damasco por Filipe Arrideu, que acompanhava o catafalco e dirigiu-se para o Egipto, segundo a vontade de Ptolemeu. O corpo foi sepultado em Mênfis, sendo mais tarde construído um mausoléu em Alexandria por decisão de Ptolemeu II. Para fazer cumprir as suas ordens, Perdicas invadiu o Egipto, combateu o exército de Ptolemeu I e viria a ser assassinado em 321 AC.

Ptolemeu proclamou-se regente do Egipto em nome dos co-reis Filipe III Arrideu e Alexandre IV, uma ficção, pois era ele que realmente governava. Só aceitou ser proclamado faraó em 305 AC, depois de Olímpia, a mãe de Alexandre, ter mandado assassinar Filipe III Arrideu em 317 AC e de Cassandro (filho de Antípatro) que reinava na Grécia, ter mandado assassinar Alexandre IV em 310 AC.

Segundo algumas fontes, discutíveis, Ptolemeu seria também meio-irmão de Alexandre Magno, por ser filho ilegítimo de Filipe II da Macedónia.

Admite-se que o sepultamento de Alexandre em Mênfis tenha sido efectuado no templo de Nectanebo II (360-342 AC), o último faraó da XXX Dinastia e também o último faraó egípcio nativo. Tinha este preparado para si um templo e o seu sarcófago na zona de Saqqara, próximo do Serapeum e da pirâmide (em degraus) de Djoser, nas proximidades de Mênfis. Para escapar à invasão persa de Artaxerxes III, Nectanebo II fugiu para o Alto Egipto e depois para a Núbia, nunca tendo chegado a ocupar o seu túmulo. Dado que a configuração do templo/túmulo teria semelhanças com as sepulturas reais macedónicas, por exemplo, o túmulo de Filipe II, pai de Alexandre em Aigai (hoje Vergina) [que eu visitei], é provável que Ptolomeu I tenha depositado o corpo de Alexandre no túmulo vazio de Nectanebo II.

Posteriormente, Ptolomeu II Filadelfo (282-246 AC), filho e sucessor de Ptolemeu I Soter (305-282 AC), procedeu à trasladação do corpo de Alexandre para a cidade de Alexandria, que este criara na localidade de Rhakotis e que se tornaria a capital do Egipto Ptolemaico e uma das mais notáveis cidades da Antiguidade. A data da trasladação não é pacífica, sendo apontado como mais provável o período 290-280 AC, ainda que o eminente professor P.M. Fraser, na sua obra Ptolemaic Alexandria [que felizmente possuo] defenda uma data anterior. A indicação daquela data é sustentada pelo facto de Ptolomeu Filadelfo ter sido associado ao governo por seu pai a partir de 285 AC., presumindo-se que Ptolemeu Soter ainda estaria vivo aquando da transferência do sarcófago.

Segundo Diodorus a cidade teria 300 000 cidadãos no fim do período ptolemaico, atingindo 500 000 se forem incluídos os escravos. Segundo Philon de Alexandria, a cidade compreendia cinco distritos: Alfa, Beta, Gama, Delta e Epsilon. O distrito Alfa situava-se no cruzamento das vias principais; no distrito Beta situavam-se os palácios reais e os célebres Museu e Biblioteca, numa zona debruçada sobre a baía. Toda esta zona terá ardido, pelo menos parcialmente, quando Júlio César mandou incendiar a frota egípcia estacionada no porto.

Segundo Chugg, Menelau, irmão de Ptolemeu I, terá sido o primeiro sumo-sacerdote do culto de Alexandre, em Alexandria, entre 290 e 285 AC., cidade onde se realizou, em 271/270 AC, uma procissão com estátuas de Alexandre, de Ptolemeu I e dos deuses Dionisus, Príapo e Virtude.

O Romance de Alexandre menciona o "Grande Altar de Alexandre" construido pelo rei em frente ao relicário e túmulo de Proteu, na ilha de Pharos, o que pode significar um largo número de localizações. Este altar, com reminiscências do contemporâneo altar de Pérgam, pode estar associado ao túmulo de Alexandre.

Escreve Zenóbio, o Sofista (primeira metade do século II), depois do assassinato de Berenice II, mãe de Ptolomeu IV Filopator (222-204 AC): «Ptolemeu Filopator... construiu no meio da cidade [de Alexandria] um edifício memorial que é agora chamado o Sema, e colocou lá todos os seus antepassados, juntamente com sua mãe, e também Alexandre o Macedónio». A este monumento chama Estrabão, na sua Geografia, "Soma". Em grego, "Sema" significa "túmulo" e "Soma" significa "corpo". Vários autores, como João Crisóstomo, arcebispo de Constantinopla no século IV, mencionam "Sema", Outros autores, como Dion Cassius, referem o "Soma" de Alexandre. Parece pacífico que a designação de "Soma", o corpo por excelência, prevaleceu.

Por aqui se pode talvez concluir que o famoso túmulo de Alexandre só se concretizou no reinado de Ptolemeu IV. Segundo Estrabão ficava localizado no Distrito Real e possuía dois períbolos, contendo as sepulturas de Alexandre e dos reis (Ptolemeus).

Suetónio afirma que Augusto visitou o túmulo em 30 AC. Este poderia assemelhar-se, segundo certos investigadores, ao Mausoléu de Halicarnasso (próximo da actual cidade de Bodrum, na Turquia), que era uma das Sete Maravilhas do Mundo. O túmulo do rei Mausolo era de tal forma imponente que dele derivou a palavra "mausoléu" para significar as sepulturas grandiosas.

Em 108/107 AC, Ptolemeu X Alexandre I, filho segundo de Ptolemeu VIII e preferido de sua mãe Cleópatra III, conseguiu derrubar seu irmão mais velho, Ptolemeu IX Látiro e assumiu a regência. O irmão fugiu para Chipre e regressou depois, derrotando o rival. Por pouco tempo, pois Ptolemeu X Alexandre I voltou ao poder associado a sua mãe Cleópatra III, que terá mandado assassinar, segundo vários historiadores. Ptolemeu X Alexandre I ficou especialmente na história por ter profanado o túmulo de Alexandre. Segundo Estrabão, não tendo dinheiro para pagar às suas tropas, Ptolemeu X resolveu vender o sarcófago de ouro de Alexandre, substituindo-o por um de vidro ou de alabastro transparente. Os alexandrinos indignaram-se com o sacrilégio e a população acabou por expulsar Ptolemeu X (88 AC), que foi exilado para a Lycia, voltando Ptolemeu IX a ocupar o trono.

Por morte de Ptolemeu XII Auleta (51 AC), subiram ao trono Ptolemeu XIII Téo Filopator e sua irmã Cleópatra VII, com quem este casou. Em 47 AC, Ptolemeu XIII morreu afogado no Nilo, numa batalha contra Júlio César, que estava a conquistar o Egipto. O ditador romano instou para que o outro irmão, Ptolemeu XIV subisse ao trono, casando-se também com Cleópatra, que era ao mesmo tempo amante de Júlio César. Segundo Eusébio de Cesareia, Cleópatra terá mandado assassinar o irmão e marido em 44 AC. Também Júlio César, durante a sua permanência no Egipto terá visitado, segundo Lucanus, o túmulo de Alexandre. 

Ainda em 47 AC, Júlio César deixou o Egipto e regressou a Roma. Pouco tempo depois, Cleópatra deu à luz um filho de César, que foi chamado Ptolemeu XV Cesarion  e que foi o último o faraó do Egipto. 

A mais famosa aparição cinematográfica do Soma encontra-se no filme Cleopatra (1963), de Joseph Mankiewicz. César, interpretado por Rex Harrison e Cleópatra, por Elizabeth Taylor, surgem perante um enorme sarcófago de vidro contendo o corpo embalsamado de Alexandre.

Nas lutas pelo poder em Roma, foi a vez de Marco António tutelar o Egipto no tempo de Cleópatra, depois da saída de Júlio César, entretanto assassinado. Tornando-se amante da rainha, que dele teve dois gémeos, em 40 AC, Alexandre Helios (Sol) e Cleópatra Selene (Lua). Marco António, que projectava tornar-se efectivamente soberano do Egipto, separando-se de Roma, foi vencido por Augusto na batalha de Actium. Na sequência desta derrota, António e Cleópatra suicidaram-se e Octávio César Augusto incorporou o Egipto no Império Romano.

Segundo Suetónio e Dion Cassius, Augusto na sua passagem por Alexandria visitou o Soma.

Os sucessivos imperadores romanos veneraram Alexandre como exemplo de uma governação absolutista e visitaram regularmente o local, sendo o seu corpo considerado a mais importante relíquia do Império, isto até à ascensão do Cristianismo.

Temos notícia das visitas de Germânico, neto de Marco António, acompanhado de seu jovem filho, o futuro imperador Calígula. Este chegou a desfilar com uma armadura que teria sido usada por Alexandre e que está representada no célebre mosaico representando a batalha travada por este contra Dario III, e que foi encontrado na Casa do Fauno, em Pompeia.

Nero previu deslocar-se a Alexandria em 64 e 66, mas não chegou a concretizar a viagem.

Foram a Alexandria Vespasiano, Tito e Adriano.

Teve o imperador Adriano uma verdadeira paixão pelo Egipto onde permaneceu algum tempo. [Recordo-me de ter visto, há muitos anos, no Museu Greco-Romano de Alexandria, entretanto encerrado, uma grande escultura representando o Boi Ápis, que fora oferecida á cidade por Adriano. Tendo sido inaugurado em 2003 o novo Museu Nacional de Alexandria, que cheguei a visitar duas vezes, não vi lá essa enorme escultura e ignoro se o antigo Museu Greco-Romano reabriu]. Foi no Egipto que morreu Antínoo, o famoso amante de Adriano, afogado nas águas do Nilo, por suicídio ou afogamento. O desgosto do imperador foi profundo, tendo fundado uma cidade que lhe foi dedicada, Antinópolis, e instituído o seu culto, que se tornou num culto paralelo ao de Alexandre.

Por volta do ano 400, João Crisóstomo, que foi arcebispo de Constantinopla, denunciou ao Senado Romano o culto de Alexandre e de Antínoo, que eram considerados como deuses.

É possível que Antínoo tenha sido sepultado na Villa Adriana em Tivoli (Tibur), de que existem excepcionais ruínas, ou até conjuntamente com o próprio imperador, que mandara erguer um monumento para a sua sepultura, nas margens do Tibre. Esse monumento foi depois transformado em fortaleza dos papas e é o actual Castel Sant'Angelo, onde ainda se pode ver o local do túmulo de Adriano.

Septimio Severo também visitou Alexandria, tal como Caracala, sendo este o último imperador romano de que há referência que tenha estado no Soma.

As opiniões sobre a data de desaparição do Soma são divergentes. Alguns afirmam que terá sobrevivido até à segunda metade do século III ou mesmo até ao fim do século IV. João Crisóstomo (340-407), citado por Clemente de Alexandria,  numa homilia de finais do século IV, protesta contra o facto do Senado Romano considerar Alexandre como 13º deus, manifestando-se também contra o culto de Antínoo. A diatribe de João Crisóstomo (que não traduzo dada a sua extensão) evidencia a luta do Cristianismo nascente contra a herança greco-romana. Naquela altura o túmulo que interessava era o de Cristo, que teria sido descoberto por Santa Helena, mãe do imperador Constantino.

Em 270, Zenóbia, rainha de Palmyra, que se proclamava descendente de Cleópatra, viúva do rei Odenath, conquistou Alexandria, mas foi derrotada em 272 pelo imperador Aureliano. Registou-se depois uma rebelião de Firmus e dos mercadores alexandrinos contra o Aureliano, mas foram esmagados pelo exército imperial. Segundo o papiro Oxyrhynchus foi oferecida a Aureliano uma estátua da Vitória. Diz-nos Ammianus Marcellinus que houve então grandes destruições no distrito de Bruchion, onde estaria edificado o Soma.

A situação em Alexandria continuou agitada e houve novamente agitação social no tempo de Diocleciano, que venceu os insurrectos em 298, tendo mandado erguer uma grande coluna no Serapeum com a sua estátua no topo. A coluna ainda existe nos nossos dias, mas a estátua desapareceu. É hoje conhecida por Coluna de Pompeu.

Conta Ammianus Marcellinus que o bispo Georgius, que fora nomeado patriarca de Alexandria, nomeado no tempo de Constâncio II (337-61) tornou-se impopular aos olhos dos alexandrinos por ser um informador do imperador, que pretendeu indispor contra Alexandre, dizendo que o esplêndido templo de Genius [speciosum Genii templum] tinha sido muito dispendioso e devia ser uma fonte de recurso para o tesouro. Com a morte de Constâncio e a subida ao trono de Juliano (361-3) a multidão amotinou-se e esquartejou Georgius. [Não encontrei Georgius na lista dos Patriarcas de Alexandria nesta data. Não terá chegado a exercer?]

Juliano foi o último imperador romano que tentou conservar o culto pagão e impedir as perseguições dos cristãos aos pagãos que foram, historicamente, mais violentas do que as perseguições dos pagãos aos cristãos nos primeiros tempos do Cristianismo. [O escritor Gore Vidal escreveu uma interessante biografia romanceada do imperador Juliano, homem sábio e tolerante que viria a morrer numa batalha, não em combate mas presumivelmente assassinado por um soldado cristão.]

O grande terramoto de 365 poderá ter destruído o Soma. Descobriu-se recentemente que o erudito pagão Libanius terá escrito por volta de 388-392 ao imperador Teodósio (378-395), o qual antipatizava com os pagãos, a propósito do túmulo de Alexandre, mencionando o seu corpo em exibição. Terá sido o túmulo destruído mas recuperado o corpo? No reinado de Teodósio houve grandes perturbações na cidade. Teodósio apoiava o sinistro Patriarca Teófilo I (eleito em 385), um dos mais sanguinários perseguidores dos pagãos, que ainda contavam com a simpatia do próprio prefeito imperial. Teófilo mandou destruir o Serapeum e transformar em igrejas os templos pagãos.

Daqui decorre que o Soma pode ter sido destruído entre 262 e 365, segundo o autor.

Com o advento do Califado Islâmico, Alexandria mudou substancialmente de aspecto. As mesquitas e os bazares típicos do Médio Oriente substituíram a arquitectura clássica e as ruas rectlíneas e perpendiculares. Mas os muçulmanos foram mais tolerantes com os pagãos do que tinham sido os cristãos. Talvez porque haja referências a Alexandre no Corão, como uma espécie de profeta, Dulkarnein (Dhul Qarnain), o "Senhor dos Dois Chifres" (uma clara alusão ao elmo de Alexandre). 

No século IX (mas antes da sua morte em 871), o historiador árabe Ibn Abdel Hakim compilou as mesquitas existentes em Alexandria, havendo entre elas a Mesquita de Dulkarnein, situada na Porta da Cidade. No século seguinte (943-4), o comentador Al Massoudi menciona a existência de um edifício modesto em Alexandria, chamado o "Túmulo do Profeta e Rei Iskender". Parece um local demasiado pequeno para o Soma, mas pode tratar-se de uma construção perto deste, no cruzamento das vias principais, que abrigaria o corpo de Alexandre depois da destruição do monumento.

Durante cinco séculos praticamente não se ouviu falar de Alexandria, até porque os árabes tinham transferido a capital para o Cairo. No século XVI, o escritor Leão Africano (1494/5-1552) notou a existência em Alexandria de um túmulo de Alexandre: «It should not be omitted, that in the middle of the city amongst the ruins may be seen a little house in the form of a chapel, in which is a tomb much honoured by the Mahometans; since it is asserted that within it is kept the corpse of Alexander the Great, grand prophet and King, as may be read in the Koran. And many strangers come from distant lands to see and venerate ths tomb, leaving at this spot grat and frequent alms.» (Description of Africa)

Em 1799, aquando da expedição de Napoleão Bonaparte ao Egipto, um oficial francês descobriu em Rosetta (Rashid, em árabe) um pedra de granodiorito (uma espécie de granito) com um texto em três línguas: hieroglífico, demótico e grego. A pedra foi depois roubada pelos ingleses e está hoje no Museu Britânico.

Sendo idênticos os textos em demótico e grego, presumiu-se que o texto hieroglífico fosse idêntico. E era. A partir especialmente desta descoberta, Champollion conseguiu descobrir a escrita hieroglífica (1822). O texto da pedra refere-se a uma proclamação assinalando o primeiro aniversário da coroação de Ptolemeu V (205-181). 

Durante a sua permanência no Egipto, os eruditos franceses Dominique Vivant Denon e Déodat Gratet de Dolomieu descobriram uma pequena edificação no pátio da Mesquita Attarine, em Alexandria, sugerindo as circunstâncias que era venerado pelos egípcios como o túmulo de Alexandre. Continha um magnífico (e vazio) sarcófago de granito verde coberto de inscrições hieroglíficas que também foi roubado pelos ingleses e está igualmente no Museu Britânico. Quando os hieróglifos foram traduzidos foi possível ler-se que o túmulo se destinava ao faraó Nectanebo II que já citei neste texto.

Essa pequena edificação que abrigava o sarcófago foi venerada pelos muçulmanos e corresponde à Casa de Alexandre o Grande situada ao lado do minarete da mesquita. Assim, o relicário da Mesquita Attarine e a "pequena casa em forma de capela" descrita por Leão Africano são provavelmente o mesmo lugar. 

No período romano tardio julgava-se que a Igreja de Santo Atanásio fora construída no local da futura Mesquita de Attarine [Attarine é um derivativo de Atanásio, segundo o autor do livro, mas não tenho a certeza]. Atanásio era Patriarca de Alexandria em 365, aquando do terramoto. A igreja romana foi provavelmente construída algumas décadas depois da destruição do Soma o que pode justificar a existência do sarcófago no local, embora seja estranho um patriarca conservar numa igreja um túmulo faraónico que teria contido o corpo de Alexandre. A Mesquita Attarine e a "Casa de Alexandre o Grande" foram destruídos em 1830, mas a actual mesquita foi reconstruída num local contíguo na segunda metade do século XIX.  

Como Alexandre foi originalmente sepultado em Mênfis, provavelmente no Serapeum de Saqqara, como se escreveu acima, é natural que tenha sido utilizado o sarcófago vazio construído para Nectanebo II, que nunca o utilizou por ter fugido para a Etiópia em consequência da invasão persa do Egipto. Apesar de ser difícil o transporte de um sarcófago das dimensões em causa de Mênfis para Alexandria, o facto de se justificar do túmulo de Alexandre justificaria o esforço. Nesta óptica, Ptolomeu I teria sepultado Alexandre no sarcófago destinado a Nectanebo II e Ptolomeu II tê-lo remetido para Alexandria até à edificação do Soma.

A população de Alexandria no século I AC era de meio milhão de habitantes. Diminuiu no tempo do domínio romano, sendo estimada em 180 000 no século IV AD. A cidade rendeu-se aos árabes em 642, depois de um longo cerco. Devia ter então 100 000 habitantes. O historiador Ibn Abdel Hakim estima a população do século IX em 200 000 pessoas. Quando Bonaparte chegou ao Egipto (1798) haveria 5 000 habitantes, em 1806, 6 000 e nos anos 1820 de Mohamed Ali e da revitalização do porto o número  cresceria rapidamente: 12 000, em 1821; 52 000, em 1835; 200 000, em 1868; 317 000, em 1897. Em  1960 a população atingiria 1 000 000.

A primeira tentativa de desenho de um mapa da antiga Alexandria deve-se ao francês M. Bonamy que, em 1731, apresentou o resultado do seu trabalho, recorrendo a muitas das afirmações de Estrabão. Infelizmente, o trabalho de Bonamy não teve grande valor prático, uma vez que incorreu em demasiados erros.

Nos anos 1860, Napoleão III (1852-70) concebeu a ambição de compor uma história do seu herói Júlio César e pediu, para o efeito, ao seu amigo o khediva Ismaïl Pasha, uma informação detalhada sobre a guerra de César em Alexandria. Encantado por poder prestar um serviço ao seu aliado, Ismaïl Pasha encarregou, afortunadamente, um membro do seu gabinete para proceder à investigação. E assim, em 1865, Mahmud Bey El Falaky (Falaky=Astrónomo), engenheiro e cartógrafo, de elaborar um mapa da antiga Alexandria. A ele devemos o primeiro desenho da cidade antiga em correspondência com o traçado da cidade moderna. Não cabe neste texto, que já vai longo, examinar as correspondências estabelecidas por El Falaky, sendo que o mapa é ainda hoje a base utilizada para todas as pesquisas efectuadas posteriormente.

O famoso arqueólogo alemão Heinrich Schliemann, que procedeu à descoberta das ruínas de Tróia e de Micenas, esteve em Alexandria em 1888. Tinha uma inabalável convicção de que o túmulo de Alexandre se encontrava sob a Mesquita Nabi Daniel, mas os seus planos foram frustrados porque as autoridades religiosas não permitiram as escavações que ele se propunha realizar. 

Já no século XX, o arqueólogo italiano Evaristo Breccia, que foi director do Museu Greco-Romano de Alexandria (1904-1932), também partilhou a mesma convicção: «But in any case we may consider it as established that the Sema, and consequently also the Mausoleums of the Ptolemies, were near the Mosque Nabi Daniel».

Uma das falsificações mais flagrantes deveu-se a M. Joannides, em 1893. Tendo descoberto uma necrópole ptolemaica em Chatby, a leste da península de Lochias, garantiu ter descoberto os túmulos de Alexandre e de Cleópatra. 

«Nos últimos anos, o mais famoso elemento desta escola excêntrica de caçadores de túmulos foi o intrépido Stelios Komoutsos, um empregado do Elite Café-Bar de Alexandria [o restaurante de Christina Konstantinou, que ainda entrevistei, pouco tempo antes dela morrer] que costumava desperdiçar as suas gorjetas, cuidadosamente acumuladas, no financiamento de uma longa série de escavações ineficazes e frequentemente não autorizadas através da cidade. Em pelo menos duas ocasiões, identificou locais que estavam submersos na antiguidade e o dossier oficial mantido pelas autoridades egípcias contém 322 pedidos de licença e relatórios de escavação datados de 1956, quando ele iniciou as suas pesquisas.
 
Komoutsos era também o orgulhoso possuidor do chamado "Romance de Alexandre". Essa relíquia retrata vários templos construídos em estilo grego, alinhados numa larga via e repletos de toscas lendas gregas, animadas por estranhas personagens coptas e pelos nomes evocativos de "Alexandre" e "Rei Ptolemeu". P. M. Fraser, um conhecido especialista da antiga Alexandria, a quem foi mostrado esse livro por Komoutsos em Junho de 1961, reconheceu imediatamente que as lendas eram reproduções de baixa qualidade de duas autênticas inscrições no Museu Greco-Romano de Alexandria. Outra falsificação em pedra de má qualidade de uma dessas inscrições era conhecida. Fraser também descobriu que as duas inscrições tinham sido adquiridas pelo museu em 1912, tendo sido encontradas perto da aldeia de Abu el-Matamir na margem ocidental do Delta do Nilo. A partir daqui, concluiu que as falsificações tinham sido feitas numa oficina da aldeia cerca de 1912, apesar de estar convencido de que Komoutsos não tinha conhecimento dessas falsificações. Assim, escreveu que se sentia muito infeliz por privar o empregado das suas fantasias. Komoutsos morreu em 1991, mas é ainda hoje carinhosamente lembrado em Alexandria como uma das personagens mais pitorescas da cidade.» (Tradução minha)
 
Indica o autor, ao longo da obra, muitos possíveis locais para a sepultura de Alexandre. Mencionei os principais. Mas há mais!
 
«Perhaps the only serious candidate for a tomb of Alexander emerge in the 20th century is the "Alabaster Tomb" situated in the Terra Santa section of Latin Cemeteries around 600m north-east of the central crossroads of ancient Alexandria. This tomb was first published by Breccia in 1907, and identified as the antechamber of a possible tomb of Alexander by Achille Adriani , who succeeded Breccia as the director of the Graeco-Roman Museum before the Second World War. » (p. 234) [...] «In support of Adrani's hypothesis it should be observed that the royal tombs of Vergina in Macedonia (including that of the Alexander's father) were also made of stone chambers covered by large mounds of earth. The Alabaster Tomb is undeniably part of a monument of the very highest quality and magnificence. Nevertheless, there is no specific evidence to link it with Alexander and there were other individuals who died within its date range and who were of a sufficient status to merit sucha fine sepulchre: for instance, members of the royal family and certain top officials and generals. Adriani is undoubtedly correct in emphasing the significance of the central crossroads located by Mahmoud Bey, but the Alabaster Tomb is not significantly close to them.» (pp. 235-6)

«The ultimate question in this enigma must be the fate of Alexandre's actual body. The evidence suggests that we should be especially interested in any ancient mummified corpses that appeared within the immediate vicinity o Mahmoud Bey's central crossroads of Alexandria at the end of the 4th century AD. These seems like stringent criteria, yet there exists a unique set of human remains, which appears to satisfay them. According to various Christian sources, the earliest of them being Clement of Alexandria in about AD 200, the Church in Alexandria was founded by St Mark the Evangelist in the mid-first century AD. In the Late Roman period  a church and tomb of St Mark became one of the key religious sites in the city. [...] According the Acts, the pagans attempted to burn St Mark's body, but a miraculous storm intervened and doused the flames, allowing the Christians to snatch back the corpse and convey it to their church beside the sea in a district of Alexandria called Boukolia. The oldest version of the Acts mention that the Christians subsequently entombed the body in an eminent location in the east of the city. Although later writers have often assumed that the location of St Mark's tomb (and the associated Late Roman Church of St Mark) was at the site of the church in Boukolia, the Acts did not explicitly state this. [...] The most remarkable event in the history of the Church of St Mark transpired in AD 828: the abduction of the saint's remains by the Venetians. A pair of Venetian merchant captains, Buono of Malamocco and Rustico of Torcello, sailed their vessels into the port of Alexandria, where they visited the Church of St Mark the Evangelist. The Alexandrian clergy were at that time concerned for the safety of thier most sacred relics, especially the saint's corpse, owing to the antagonistic rule of their Islamic governors. Some accounst suggest that the Arabs were appropriating rich stones from the church to construct a palace. The Venetian persuaded (or bribed) the guardians of the remains to allow them to be taken away. Next, the shroud was slit up the back and the corpse of St Claudian (close at hand) was substituted for that of St Mark in order to conceal the theft. The Evangelist's remains were then carried down to the waiting ships in a large basket. However, the aroma of the embalming spices was so overpowering that it ran the risk of arousing the suspicion of the local authorities; but an inspection by port officials was foiled by coverinf the remains with pork (anathema to Moslems). The inspectors fled with cries of "Kanzir! Kanzir!" [o autor cometeu um erro: não é Kanzir mas Khanzir, que em árabe significa porco]. The body was then wrapped in canvas and hoisted up to the yardarm. It is alleged that a visitation from St Mark's ghost subsequently saved the ship from some peril (a reef of storm) in the course of the journey back to Venice.» (pp. 257-9)

«This story is preserved in a set in mosaics in the Basilica of St. Markin Venice dated by Gardner Wilkinson to the 11th century on the grounds that they are an original feature, but they may date to the 12th century. The mosaics cover the interior of the arch between the presbitery and the Chapel of St Clement. This tale also been related by several early Venitian chroniclers such as Martino da Canale in La Chronique des Vénitiens (1275), who asserts that the aroma of the corpse was so strong that, "If all the spices of the world had been gathered together in Alexandria, they could not have so perfumed the city". P. Daru adds that the corpse was sealed in linen.» (p. 259)

«Bernard, a French monk who visited Alexandria c. AD 870, verified the abduction of the corpse by the Venetian and noted that the Church of St Mark lay close by a monastery dedicated to St Mark, which was located just outside the Eastern/Cairo Gate.» (p. 263)

«Perhaps Leo's St Mark's is the small church-like building next to the site of the discovery of St Mark's corpse, which was found just inside the St Mark/Pepper/Cairo/Rosetta Gate of medieval Alexandria in Braun and Hogenberg's map. This was not necessarily the original Roman church, because there is evidence that the building was damaged or destroyed and rebuilt several times during its long history. If these catographers are to be believed, then the tomb of St Mark was located very close to Mahmoud Bey's central crossroads of ancient Alexandria - the likely location of Alexander's mausoleum. Libanius states that Alexandre's corpse was on display in Alexandria just before the outlawing of paganism in AD 391, but it is not heard of afterwards, whereas St Mark's tomb first appears at about this time.

It is possible that some late 4th century patriarch or high officer of the Alexandrian church recognised an opportunity through a small act of deception to preserve the corpse of the city's founder from the most fanatical of his own followers and to furnish Christianity with a potent relic to encourage the devotion of the faithful? There are precedents demonstrating that the Church authorities in 4th century Alexandria were in the habit of adapting pagan relics to Christian purposes: for example, a bronze idol of Saturn in the Caesareum was melted down to cast a cross by the patriarch Alexander in the time of Constantine, and the Caesareum itself became a Christian cathedral. Might a similar metamorphosis have been contrived in the case of Alexander mummy?

Ferdinando Forlati has recorded the discovery of a supposed "Roman funerary monument" in the ancient foundations of the main apse of the Basilica of St Mark in Venice. This takes the form of a sculpted life-size round shield with a large central starburst  symbol. Such a starburst on a circular shield recalls the so-called "Star of Macedon", chief symbol of Alexander's dinasty. An elaborated version decorates the gold larnax of the tomb of Alexander's father found at Aegae (modern Vergina) and closely related eight-point versions were present on gold mini-discs in the same tomb. The starburst has also been found in a pebble mosaic in the city founded by Alexander at Ai Khanun in Bactria. It is the central decoration of a shield in a wall painting in th 2nd cen tury BC. Macedonian tomb of Lyson and Callicles between Beroia and Edessa and it occurs on many Macedonian coins.» (pp. 266-7)
 
«The evidence is largely circumstantial in that it simply defines a close coincidence in time and place between the disappearance of Alexander's corpse and the entry of St Mark's remains onto the historical stage. It extends no further than to establish an intriguing and not insignificant possibility that the two mummified bodies are one and the same.
 
Fortunately this need not be the end of the story, for it seems that the corpse of St Mark survives to this day beneath the high altar of the Basilica of St Mark in Venice, where it was transferred  from the crypt in 1811 to preserve it from the threat posed by the city's continual floods. We are fortunate also that the science of forensic archeology has recently achieved such a degree of proficiency that a detailed investigation of the remains would be expected to reveal their true provenance (such as, carbon dating, wound evidence, facial reconstruction, tomography, examination of stomach contents, pollen grains in wrappings, DNA analysis, dentine isotope studies). 

"It is a consummation devoutly to be wished", for, as a reviewer once told me, the story of Alexander's tomb without the body is like Hamlet without the Prince... "The rest is silence."» (p. 269)
 
Conclui o Autor:
 
Alexandre morreu, provavelmente de malária cerebral P. falcuparum, contraída pela picada de um mosquito. 

Foi enterrado em Mênfis, provavelmente no sarcófago vazio de Nectanebo II, onde permaneceu vários anos.

O famoso túmulo de Alexandre, em, Alexandria, foi construído por volta de 215 AC, por Ptolemeu IV, num recinto murado designado por Soma.

O último visitante conhecido do Soma foi, em 215, o imperador Caracala.
 
O monumento foi destruído entre 262 e 365.

O corpo esteve exposto por volta de 390.

Segundo as escavações de Mahmoud Bey, o Soma teria existido no lado ocidental dos modernos jardins de Shallalat [que eu visitei algumas vezes, são excepcionais].

O túmulo e o corpo de Marcos terão aparecido nos finais do século IV, quando desapareceu o corpo de Alexandre.

Ambos os corpos foram mumificados, mas parece que o de Marcos foi queimado.

Estas circunstâncias exigiriam uma análise científica do corpo de Marcos, que está por baixo do altar-mor da Basílica de São Marcos, em Veneza, diligência que se afigura impossível, pelo menos nos tempos actuais..

Após este périplo ziguezagueante de Andrew Michael Chugg pelo hipotético itinerário do cadáver de Alexandre, o autor chega à conclusão (provisória) de que é muito provável que os restos mortais sepultados sob o altar-mor da Basílica de São Marcos sejam não os do santo mas os do guerreiro.

Muito interessante este trabalho de Chugg, ainda que por vezes confuso e em alguns momentos fantasiante, e até contraditório. Mas como hipótese de trabalho, a conclusão além de arrojada é pertinente.

A finalizar, o autor transcreve estas palavras de Alexandre, citadas por Arriano, em Address at the Beas:

«Toil and risk are the price of glory, but it is a lovely thing to live with courage and die leaving an everlasting fame.»

 

 

O TESOURO REAL

Visitei hoje o Museu do Tesouro Real, no Palácio da Ajuda. Tivera intenção de fazê-lo nas semanas seguintes à inauguração oficial mas outros compromissos impediram-me de concretizar esse desejo.

No caminho para o Palácio, subindo a Calçada da Ajuda, verifiquei que se encontra desertificado o antigo quartel do Regimento de Lanceiros de Lisboa, de saudosa memória e que, em frente (não passava lá há anos), foram destruídas as casas existentes e construída habitação particular estilo louça sanitária. É o que temos.

O Museu encontra-se situado no piso 3 da ala poente do Palácio, aquela que foi recentemente concluída com um gosto mais do que duvidoso e que retira ao edifício a sua nobreza original. Mais valia ter deixado as coisas como estavam. Não eram propriamente ruínas mas também não configuravam um aborto.

Mas o pior estava para vir!

Entrar no Museu é como entrar num caixão. Eu sei que existe desde há anos uma paixão necrófila dos organizadores de exposições, que procuram transformar os recintos dos museus em túmulos, mas aqui exagerou-se. O espaço, dividido por três sub-pisos, entre o piso 3 e o piso 4, aos quais se acede por rampas ziguratianas, estão absolutamente às escuras, encontrando-se apenas iluminadas as vitrinas e sendo de vidro, escuro como breu, as paredes fronteiras aos expositores, o que propicia ao visitante menos prevenido irromper por um desses vidros dissimulados.

A própria iluminação dos expositores é deficiente, as peças estão mal arrumadas, as legendas estão quase no chão (como já vem sendo hábito) e dificilmente se lêem sem um esforço da espinha. Por trás dos expositores há paredes de espelho (caso da Baixela Germain) talvez com a pífia intenção de mostrar o traseiro das peças. Ou, noutros casos, vídeos que correm por trás das peças, impedindo uma contemplação adequada.

Certos objectos deviam estar colocados em posição de destaque, para evidenciar a dignidade da sua função (por exemplo, a Coroa Real) e não amontoados como os despojos do Anexo do Túmulo de Tut-Ankh-Amun. E mesmo as Cronologias, ao longo dos corredores das rampas, são perfeitamente ineficazes.

De tudo o que vi retenho apenas uma insígnia do Tosão de Ouro, designada na legenda como "hábito", expressão que não sendo incorrecta é pouco usual para denominar o distintivo de uma Ordem.

Dificilmente seria possível fazer pior, embora o pior seja sempre possível.

Estive neste Museu pouco mais de dez minutos. Sendo o único visitante e sentindo-me como num sarcófago, às escuras, sem um banco para me sentar, fui acometido de um ataque de claustrofobia, o que me obrigou a sair rapidamente, tendo ido parar à Cafetaria do Museu. Dali desci de elevador para a saída, mas fiquei bloqueado na porta giratória, pois o papel que me tinham dado com o código digital para entrar não servia para a saída. Era outro. Tive de gritar para me abrirem a porta.

De novo na rua, respirei, reencontrei a liberdade e não tornarei a pôr os pés naquele Museu, a não ser que me levem, depois de devidamente amortalhado.

P.S.: Sugiro a algum incauto que pretenda aventurar-se neste espaço que vá munido de uma lanterna, se é que o deixam passar com ela no rigoroso controlo de segurança montado na Recepção.