Como anunciara, quando li Tricks, debrucei-me agora sobre a polémica obra de Renaud Camus, Le Grand Remplacement, que conhecia de nome mas que só mais recentemente suscitou a minha curiosidade, embora não ignorasse o tema.
De há muito que Renaud Camus (RC) está preocupado com o facto da população francesa nativa vir a ser substituída parcial ou mesmo totalmente pelos imigrantes das mais diversas origens que convergem para França, nomeadamente os africanos e os árabes.
A obra que acabei de ler é a 5ª edição (2019) de um volume muito mais extenso (500 páginas) do que o original. Nela, RC engloba o primeiro livro dedicado ao tema, "Le Changement du peuple" (2013), artigos, entrevistas, conferências, discursos e outros textos, desde 2010 até 2017.
Inegavelmente, RC é um autor de pena elegante, de prosa fluente, e os factos são, no geral, confirmadamente objectivos, ainda que algumas conclusões possam ser por vezes forçadas e o remédio para os males invocados ineficaz, porque tardio, a menos que os governos europeus, no caso vertente o Governo francês, pudessem adoptar medidas que extravasam largamente os padrões actualmente aceites e que, mesmo assim, talvez se revelassem infrutíferas.
Sendo um conjunto de 28 publicações, na presente edição de Le Grand Remplacement, tratando invariavelmente do tema que preocupa o autor, a substituição parcial ou mesmo total da população francesa indígena pela população migrante, torna-se inevitável a repetição da argumentação e até a repetição de vários episódios, como o facto do escritor Richard Millet ter manifestado há já alguns anos a sua estupefacção, perante as câmaras da televisão, de ter verificado um dia, às seis horas da tarde, na estação de Châtelet (a mais movimentada estação de metro de Paris) que era o único (ou quase) indivíduo branco naquele local àquela hora. Sendo o livro a compilação de textos de diversas datas, essa repetição seria sempre fatal, mas ocorre também dizer que se torna fastidiosa.
Desde há muito tempo que a obsessão de RC é a possibilidade de os franceses autóctones virem, num futuro próximo, a ser substituídos por migrantes de alheias etnias, religiões, tradições, costumes, etc. E é um facto que a população actual de França conta hoje com cerca de 15% de cidadãos franceses oriundos das migrações ou seus descendentes. Isto sem falar dos imigrantes já estabelecidos no solo francês mas que ainda não obtiveram a respectiva nacionalidade.
Os factos e os acontecimentos descritos por RC são, em geral, confirmados pelos dados oficiais, ainda que algumas das conclusões possam ser eventualmente adaptadas às conclusões a que o autor pretende chegar. E existem também, há que dizê-lo, outros factos e acontecimentos que, contrariando a tese de RC, o autor não menciona.
As grandes migrações árabo-africanas para França começaram em finais do século XIX, e foram sempre bem aceites pelos governos franceses, até porque se tratava de pessoal trabalhador, pouco reivindicativo e que aceitava desempenhar as tarefas cada vez mais desinteressantes para os franceses de souche. Na grande maioria foram remetidos para as periferias das cidades, englobados em cités, confinados a uma vida mais do que modesta. O problema do convívio surge por altura dos anos oitenta do século passado, quando essas populações tranquilas começam a manifestar as suas exigências, devido até ao seu peso demográfico e às deficientes condições de integração. Principiam a surgir entre a juventude os pequenos delitos, o tráfico de droga, a insuficiência de escolaridade, etc. E o convívio começo a tornar-se difícil. Tudo isto é agravado pelo fundamentalismo islâmico. A campanha wahhabita desencadeada em especial pela Arábia Saudita, e levada a cabo por imames locais, o interminável conflito israelo/palestiniano (com o qual RC pouco se importa) e, a coroar este caldo de cultura, a invasão anglo-americana do Iraque, as "primaveras árabes", o bombardeamento da Líbia e o assassinato de Qaddafi, a guerra na Síria, a turbulência no Afeganistão, determinaram um aumento exponencial de imigrantes e a radicalização dos comportamentos de algumas faixas de franceses muçulmanos, com expressão nos diversos atentados ocorridos em solo gaulês. Nunca esquecer, e eu tive ocasião de verificar in loco, que o regime de Qaddafi constituía um tampão a sul do Mediterrâneo que impedia o afluxo para França (e Itália) de, nomeadamente, milhares de africanos sub-saharianos, que eram travados em Tripoli ou Benghazi, e utilizados nos trabalhos menores que os líbios desdenhavam fazer.
Só muito tarde os governos europeus se aperceberam, ou quiseram aperceber-se, desta substituição populacional que tanto preocupa RC e tantos milhares de pessoas.
Ao proceder ao diagnóstico da situação, aventa o autor algumas medidas para travar o "agravamento" da situação ou até revertê-la. Não creio que sejam eficazes ou exequíveis.
Numa perspectiva mais geral, e como Toynbee ensina, as migrações maciças e o declínio das civilizações insere-se no plano geral da História. Quem estiver interessado poderá ler A Study of History, um estudo imenso de que existe uma versão inglesa condensada, por acaso até traduzida em português (1964) pelo prof. Vieira de Almeida. Numa perspectiva mais dos nossos dias, podemos recorrer a Umberto Eco, quando afirma, em 1997: «Os fenómenos que a Europa tenta ainda enfrentar como casos de emigração são pelo contrário casos de migração. O Terceiro Mundo está a bater às portas da Europa, e entra mesmo quando a Europa não está de acordo. O problema já não é decidir (como os políticos fingem acreditar) se se admitem em Paris raparigas estudantes com chador ou quantas mesquitas devem erigir-se em Roma. O problema é que no próximo milénio (e como não sou profeta não posso especificar a data) a Europa será um continente multirracial, ou se preferirem, "colorado". Se lhes agradar, será assim; e se não lhes agradar, será assim na mesma. Este confronto (ou choque) de culturas poderá ter saídas sangrentas, e estou convencido de que em certa medida as terá, que serão inevitáveis e durarão muito tempo. Porém, os racistas deveriam ser (na teoria) uma raça em vias de extinção. Não existiu um patrício romano que não suportava que se tornassem também cives romani os gauleses, ou os sarmatas, ou os judeus como São Paulo, e que pudesse subir ao trono imperial um africano, como veio por fim a acontecer? Este patrício esquecemo-lo, foi derrotado pela história. A civilização romana foi uma civilização de mestiços. Os racistas dirão que é por isso que se dissolveu, mas foram precisos quinhentos anos - e acho que é um espaço de tempo que nos permite também a nós fazer projectos para o futuro.»
O problema das populações exógenas na Europa reveste-se de particular acuidade em França. Suponho que é difícil reverter os erros do passados. Não podem os governos franceses livrar-se agora dos indivíduos árabo-africanos, até porque a expulsão dos mesmos, não sendo eticamente aceitável, também não seria exequível, pois sendo eles de pleno direito (excepto os ilegais) cidadãos franceses, não haveria países para devolvê-los. E também ninguém advoga o fuzilamento em massa!!! E quanto às actuais imigrações ilegais em curso, elas poderão ser dificultados mas não decisivamente travadas, como refere Umberto Eco, a menos que se bombardeiem os barcos que fazem a travessia do Mediterrâneo, o que não se afigura compatível com o actual status civilizacional. Claro que também existem imigrações terrestres, contra as quais a Polónia e a Hungria vêm erguendo muros, ou a Turquia retendo migrantes por conta do dinheiro da União Europeia, mas não serão medidas decisivas.
Que fazer?
Não possuindo remédio milagroso para obstar a todas as futuras calamidades profetizadas por RC, e contornando Soumission, de Michel Houellebecq, que prevê um futuro presidente da República Francesa de origem tunisina, não são muitas as opções a considerar. Sendo os negros e os "escuros" seres humanos a quem é devido o "ontológico" respeito, devem ser -lhes garantidos os mesmos direitos económicos e sociais de que desfruta a população autóctone, exigindo-se-lhes em troca o respeito pelas tradições e costumes da República, se necessário com a utilização dos meios indispensáveis. E deve atender-se, também, ao melhoramento da sua inserção social o que, apesar do muito que está escrito em seu favor ou desfavor, é ainda deficiente, decorrente até da enlouquecida globalização económica sofrida pelo mundo nos últimos anos. Há, porém, uma medida de mais fácil aplicação e que se afigura de alguma razoabilidade, atendendo até ao índice do crescimento demográfico das populações emergentes: a concessão de direitos políticos deve processar-se com muita parcimónia, para evitar um dos principais receios de Michel Houellebecq e de Renaud Camus: que os franceses venham a ser governados, a breve trecho, por indivíduos cujas etnias, religiões, costumes, nada tenham a ver com a França, e a sua Grandeza, para evocar o general De Gaulle.
É claro que este tema convoca vastos desenvolvimentos, não é apenas a França, e mesmo a Europa, que está em causa, mas o planeta por inteiro, já que, embora menos visíveis ou menos mediatizadas, se verificam hoje outras transferências de populações, como, por exemplo, no continente americano. Mas este texto constituiu tão só uma modesta proposta de reflexão sobre o livro de Renaud Camus.
Aguardemos...
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