Não sou propriamente um entusiasta da teoria queer, nem me identifico geralmente com as ideias hoje em voga das distinções entre género e sexo, da construção das identidades e da parafernália LGBTQIA+. Estas "modas", oriundas dos Estados Unidos (tinham de ser) e que passaram depois à Europa, tiveram em Judith Butler (n. 1956) um dos seus principais, e controversos, arautos, embora posteriormente esta tenha reconsiderado algumas das suas teses. Sobre a matéria, e para um conveniente esclarecimento, deve ler-se o recente livro da psicanalista e socióloga Élisabeth Roudinesco, Soi-même comme un roi-Essai sur les dérives identitaires (2021), que acerca de sexo, raça e colonialismo nos informa como evoluíram todos os conceitos ditos identitários, as suas virtudes e os seus infortúnios.
A minha referência ao presente livro, Queer Maroc, de Jean Ziganiaris (2013), que adquiri aquando da sua publicação, deve-se ao facto de um dos sub-capítulos ser especialmente dedicado ao célebre, e praticamente desconhecido, romance do escritor marroquino Mohamed Leftah, Le dernier combat du Captain Ni'mat (2011), que recebeu o Prémio de La Mamounia, e que é um dos mais notáveis testemunhos da homossexualidade no Egipto dos nossos dias. Sobre esta obra, de uma autenticidade e actualidade esmagadoras, escrevi aqui em 2014: http://domedioorienteeafins.blogspot.com/2014/07/o-encanto-singular-dos-nubios.html.
Foi exactamente por esse motivo que regressei agora a Queer Maroc, que não li completamente. Deve dizer-se, contudo, que este livro está particularmente bem escrito, e presta grande serviço aos interessados, especialmente quando esclarece os leitores menos atentos quanto a uma atitude estabelecida na sociedade marroquina, e no mundo árabe em geral: existe no islão uma dicotomia sexo/religião, que muitas vezes, mesmo muitas vezes, leva a separar na prática a actividade sexual dos preceitos corânicos, já que, como diz a Bíblia, "o espírito está pronto mas a carne é fraca".
Ziganiaris revisita os escritores marroquinos que escreveram sobre a temática da homossexualidade, nomeadamente Rajae Benchemsi, Tahar ben Jelloun, Driss Chraïbi, Abdelkébir Khatibi, Mohamed Leftah, Rachid O, Abdelhak Serhane, Abdellah Taïa.
Não é meu propósito discorrer aqui, e agora, sobre este livro, mas não devo eximir-me à enunciação dos seus capítulos:
1ère partie - "Et l'espace littéraire marocain créa la femme"
I - Les figures de la mère: esclave du traditionalisme ou réinventrice de la tradition?
II - La place de la femme dans l'histoire du Maroc: Harems, princesses et prostitution coloniale
III - Femmes, fantasmes, sexualité: regards sur les figures de l'amant
2ème partie - "On ne nait pas homme, on le devient"
I - Émancipation familiale, émancipation sexuelle
II - L'amant: entre libéralisation de la sexualité et reproduction de la domination masculine
3ème partie - Par-delà l'assignation de genre: corps transidentitaires et présence du queer dans la littérature marocaine
I - Trouble dans le genre
II - La beauté des corps transidentitaires
Os interessados nestas matérias encontrarão neste livro, e não só relativamente ao Marrocos, uma explanação detalhada sobre a criação e a evolução do conceito queer e da sua divulgação particularmente no mundo ocidental.
Por seu lado, o livro de Élisabeth Roudinesnco é uma incursão de penetrante lucidez nestes domínios, abordando as questões com um irrecusável bom senso, sem ideias pré-concebidas, não hesitando criticar o que é manifestamente errado (ou oportunista) mas admitindo os avanços registados em muitas das matérias abordadas.
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